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o CARÁTER E A PSICOLOGIA ('~)

FRANZISCA BAUMGARTEN
(Docente da Universidade de Berne)
( ~~
Os exames de aptidão visam aptidão e vocação, observam~se
uma escolha judiciosa do homem também 2 categorias de divergên-
para um determinado trabalho; cias: Aptidão sem vocação e vo-
portanto é evidente que um traba- cação sem aptidão.
lho é tanto menos complexo quan- Porém, é um problema mais de-
to mais estrito é o setor das capa- licado do que se apresenta atual-
cidades que intervém. Mas, quan- mente: o comportamento social do
do numa profissão, além das com- trabalhador no seu meio profissio-
plexidades das manipulações, joga nal. Os sentimentos sociais são, em
também com a influência social geral, de grande variedade. Abor-
do meio profissional, influência damos, no íntimo, questões relati-
suscetível de modificar o compor- vas ao caráter humano, que for-
tamento de um trabalhador, então mam, entre tôdas as outras, o nó
o valor do prognóstico dos exames mais embrulhado. Certos traba-
de aptidão pode se achar refreado lhadores são solidários, outros não
dentro de certa medida. trabalham bem, senão em grupos.
Verificou-se muitas vêzes que a Há alguns que não suportam ficar
razão do desacôrdo entre os exa- submissos às ordens do chefe e que
mes de aptidão e o valor profis- gostariam de ter consciência das
sional residia não apenas na falta responsabilidades a assumir. En-
real das capacidades exigidas, contram-se, ao contrário, aquêles
mas no comportamento caractero- que temem as responsabilidades e
lógico do sujeito: falta de interês- preferem executar simplesmente
se pelo trabalho, preguiça, rela- as diretrizes recebidas. Outros
ções tensas com seus companhei- ainda, humor difícil, não se har-
ros, etc. monizam com pessoa alguma; en-
Explicou-se por ausência de vo- quanto que outros, conciliantes e
cação a falta de interêsse por um afáveis, são tolerantes com tôda
trabalho determinado. Há 20 anos, gente.
analisou-se o trabalho de vocação Se é extremamente desejável
profissional sem que, verdade seja poder revelar a natureza dêstes
dita, se obtivesse grande progres- sentimentos sociais por um exame
so. Todavia, sabe-se hoje que, se psicológico, é também particular-
há numerosas concordâncias entre mente difícil fazê-lo.
(*) Traduzido de "Le Travail Humain", XI" alln. N. 3-4.
54 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSlCOTÉCNICA

É preciso evidenciar, antes de tas três teorias contém elementos


tudo, que não existe nenhuma de- verdadeiros, dos quais seria útil
finição do caráter admitido uni- fazer a síntese.
versalmente. Melhor ainda, pode- Podemos dizer que o caráter é a
se dizer, sem muito exagêro, que maneira de ser, própria do indi-
há tantos psicólogos quanto defi- víduo, mais constantes nuns que
nições do caráter. Uns identificam noutros, tendo em conta mais par-
caráter e vontade, outros caráter ticularmente as qualidades mo-
e personalidade; outros, ainda, ca- rais.
ráter e vida social, valores morais, Dito de outra maneira, é um
comportamento social, etc. Além cunho mais ou menos constante
disto, cada escola baseia seu con- das qualidades, determinando o
ceito de caráter, sob fenômenos di- comportamento social ou moral do
ferentes. indivíduo.
Podem-se relacionar as diversas Dentro desta concepção, o cará-
teorias aqui mencionadas em três ter é definido do ponto de vista do
mais notáveis. observador exterior, por assim di-
O caráter é, na primeira con- zer, "de fora". Mas, para aquêle
cepção, a essência do comporta- que experimenta, que o sente "de
mento, a maneira de ser do indi- dentro", o caráter pode ser defini-
víduo. Como tal, o caráter torna- do como um conjunto de fôrças
se uma marca individual parti- diretrizes que conduzem o indi-
cular a cada sujeito. Na segunda víduo.
definição, concebe-se o caráter O que nós denominamos traços
como invariabilidade à constância de caráter observando "de fora",
dos traços e das capacidades que se revela numa análise psicológica
possui um indivíduo. Enfim, a ter- profunda como um todo formado
ceira definição identifica o caráter por um conjunto de fôrças inter-
com o comportamento moral do nas que determinam o comporta-
sujeito, ou antes, identifica com o mento seja reativo, seja espontâ-
conjunto das prescrições de ordem neo do indivíduo.
moral, às quais êle obedece e de Ora elas os impulsionam a uma
que resultam suas ações benéficas certa conduta, ora elas o inibem.
ou maléficas para outrem. A composição das fôrças dire-
Na primeira concepção, cada in- trizes internas podem diferir tam-
divíduo possui um caráter marca- bém de um indivíduo para o ou-
do por um cunho que o diferencia tro. Ela é conhecida sob o nome
dos outros. Mas, se se admite a da estrutura do caráter.
segunda concepção, encontrar-se- Dependendo da lig-acão entre as
iam sujeitos sem caráter, pois há fôrças diretrizes, é forte ou fraca,
indivíduos que se distinguem por o sujeito parece constante e inva-
uma extrema variabilidade de tra- riável. ou inconstante e falho nos
ços de comportamento em face das seus fins e no seu comportamento.
situações. Estas considerações nos condu-
A mesma observação é válida, zem a formular uma pergunta
para a terceira teoria do caráter. fundamental: Qual é a origem das
Nós sabemos, com efeito, que exis- fôrcas diretrizes? Do ponto de vis-
tem indivíduos amorais. Apesar ta biolóQ"ico, a tendência primor-
destas contradições, cada uma des- dial do ser humano é a conserva-
o CARÁTER E A PSICOIJOGIA 55

ção. Dela resultam algumas outras mem e afirmam que a natureza do


tendências psicológicas: a de pos- homem é má. Brunner diz notada-
suir bens que representem uma mente: - Conhecer o homem é co-
garantia de existência; a de eco- nhecer seus ódios, suas vinganças,
nomizar os bens para poder dis- sua tendência a discussões. Uma
por dêles em caso de necessidade. minoria de filósofos, Tertulian,
A primeira tendência pode-se Rousseau, etc., asseguram ao con-
transformar em avidez, a segun- trário: que o fundo da natureza
da em avareza. A insuficiência da humana é bom. Estas teorias filo-
primeira tendência leva à incúria, sóficas não têm importância do
enquanto que a segunda à prodi- ponto de vista prático, mas mos-
galidade. tram um fato essencial que, infe-
Portanto, graus diferentes da lizmente, não foi estudado até o
mesma tendência são a origem dos presente, por métodos científicos:
traços de caráter que se apresen- é que tôdas as qualidades de cará-
tam diferentes ou opostos. Existe ter podem se apresentar ao obser-
ainda uma outra tendência pri- vador sob uma dupla aparência.
mordial no ente humano: a de de- Assim, a bondade pode se apre-
senvolver ou de ostentar tôdas as sentar sob uma forma amável e
suas capacidades. obsequiosa, mas pode se mascarar
Esta tendência pode tomar as- sob um comportamento brusco,
pectos diferentes. Ora o indivíduo como um núcleo tenro sôbre um
não manifesta nenhum respeito invólucro duro. É um exemplo de
por pessoas que o cercam, nenhum uma mesma qualidade caracteroló-
obstáculo o amedronta nem o de- gica, apresentando aspectos dife-
tém; êle se mostra duro e severo, rentes. Porém, os fenômenos ca-
conseqüente e impiedoso na reali- racterológicos são ainda muito
zação dos seus fins. Ou talvez se mais complexos, porque, recipro-
mostre cheio de consideração pela camente, o mesmo comportamento
situação dos outros, e, mesmo, sa- pode exprimir traços de caráter
crifique os seus desejos para o inteiramente diferentes.
bem dos demais; ou experimente Por exemplo: a impressão de
piedade. simpatize com a infelici- grande paciência que dá um indi-
dade, reparta seus bens. Dá a apa- víduo pode ter sua fonte numa
rência de caridoso, bondoso, tole- vontade muito forte - mas, tam-
rante, indulgente, etc. bém pode resultar da indolência,
Vêem-se ainda traços de caráter da falta de interêsse, da preguiça
muito diversos, resultando portan- e mesmo de uma apatia absoluta.
to uma diferença de grau da mes- Os traços de caráter possuem
ma tendência primordial. uma propriedade que não tem ou-
Estas duas maneiras tão discor- tras aptidões psíquicas: a de
dantes, da qual se pode realizar a fin,gir.
tendência à expansão do ser, tem É impossível dissimular falta
desde alguns séculos preocupado de memória, falta de talento ora-
bastante os filósofos, sôbre o nome tório, falta de fantasia, inaptidão
de egoismo e altruismo. Os pessi- para um raciocínio lógico ou para
mistas como Shopenhauer, Nietz- aquisicão de línguas estrangeiras,
sche, Constantin Brunner não etc. Mas, podemos fàcilmente fin-
acham virtude no caráter do ho- gir a bondade, a honestidade, es-
56 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSIOOTÉCNICA

pírito de dedicação, a fidelidade, Na vida prática, estas espé-


etc. Realmente, os homens apro- cies de caracteres são muito noci-
veitam ao mais alto grau esta fa- vas ao progresso da ciência. por-
culdade de dissimular seus verda- que, sabendo, por sua capacidade
deiros traços caracterológicos. de ilusionista. conquistar os luga-
Shopenhauer pretendeu que, de res mais elevados que êles não
todos os sêres, somente o homem merecem, quando ocupam um pôs-
sabia mentir. to de gerência, êles subestimam
Se o homem dissimula seu ver- seus subordinados, dotados de ca-
dadeiro caráter é para atingir seu pacidade suscetível de lhes fazer
fim, em geral, egoista, e contrário sombra.
aos interêsses de seu próximo, é Infelizmente, até o presente, ne-
também algumas vêzes por orgu- nhum processo científico rigoro-
lho e vaidade. so permite distinguir os traços
Assim, do ponto de vista prá- caracterológicos, verdadeiros, dos
tico, é impossível proceder as in- tracos aparentes.
vestigações sôbre os traços nega- Giese, por exemplo, imaginou
tivos de caráter, pelo método de um processo para controlar a ho-
"enquete". pois os indivíduos, para nestidade do indivíduo. Deixá-lo
.se valorizarem, respondem de uma sozinho num quarto, durante al-
maneira mentirosa. gum tempo. Êle deveria examinar
A hipocrisia é a reverência que as imagens ordenadas numa sé-
o vício faz à virtude, disse La Ro- rie de caixas. Interroga-se, em se-
chefoucauld. Isto acalma, talvez, guida, o que êle havia visto. No
nossa inquietação a respeito de um meio destas caixas havia alguma,
einismo integral, porém não torna com imagem; obscenas
mais fácil, do ponto de vista prá- Alguns indivíduos não confes-
tico, o conhecimento judicioso do saram ter examinado. durante um
caráter do indivíduo. longo tempo. Mas, êste tempo ha-
Já os antigos recomendavam via sido registrado por uma ins-
observar o homem em circunstân- talacão especial.
cins bem determinadas (acessos de Muitas vêzes pensamos que uma
cólera, modo de tratar os ne!?'ócios, pessoa, arraigada mente honesta,
estado de embriaguez, conduta em pode não querer confessar que ela
frente às mulheres, etc.). Porém, encontrou prazer em contempl2r
o desenvolvimento intelectual, os esta espécie de imagens, ou mes-
recursos da vida moderna, multi- mo que ela o faz por curiosidade.
plicaram os meios de en!!'anar e, (Sobretudo, ni'io se deve jam'lis,
ainda mais, de aperfeiçoá-los. por princípio, empregar processos
Aliás. ni'io são, em geral, os es- comport'lndo uma armadilha nos
píritos simples que são os m'lÍs hi- exames psicológicos.)
pócritas, mas os espíritos mais fi- Êste método é falho. Esta difi-
nos e intelectuaJizados. culdade de conhecer a verdade da
Mesmo na ciência, encontram-se natureza humana retardou o pro-
pessoas que, em lugar de se con- ~resso do comnort'lmento moral.
sagrar a pesquisas, criam sobretu- Com efeito, a hipocrisia. se ela pu-
do fundações, associações para- desse ser sempre ràpidamente
científicas e triunfam perfeita- desmascara da, ni3.o seria de ne-
mente com esta ilusão. nhuma ajuda ao indivíduo; seria,
o CARÁTER E A PSICOLOGLÂ 5'T

ao contrário, supérfluo fingir. In- neto Estamos, apenas, no estádi()


felizmente esta questão não foi de apreciação da qualidade, e lon-
suficientemente encarada. Existe ge ainda do da evolução da quan-
provàvelmente um verdadeiro re- tidade. Isto resulta de dificulda-·
calque concernente a êste gênero des de diversas espécies.
de investigação, tendo sua origem Em primeiro lugar, a mesma
no fato de que nós desejamos to- qualidade caracterológica tem atri-
dos parecermos melhores do que butos diferentes segundo a idade.
somos realmente. A honestidade manifesta-se di-
Êste recalque, penetrando no ferente na criança e no adulto. Ti-
meio científico, retardou as inves- vemos ocasião de verificar tal di-
tigações relativas ao caráter. Di- ferença, aplicando um "teste" de
ficultaram, muitas vêzes, as publi- ima,gens" de situação aos indiví-
cações que ousaram dizer a ver- duos de 9 a 16 anos de idade.
dade. (*) Estas imagens representavam 6
Resulta de tudo isto que não se ações positivas do ponto de vista
está em estado de divulgar, com ético e 6 outras negativas, às quais
uma probabilidade suficientemen- o indivíduo deveria julgar. (**)
te elevada, os traços de caráter Verificamos que os meninos
reais de um indivíduo. muito jovens julgam com mais
severidade um êrro cometido con-
2 tra um adulto, do que contra um
o segundo problema - e não camarada; como também cada
de menor importância - relativo boa ação a favor de uma criança
ao exame do caráter, é o do grau tem menos valor que uma seme-
do "nível do caráter". Até agora lhante, favorável a um adulto.
destacamos somente os tipos de Com a idade, esta atitude muda
caráter: (morais e imorais; so- senSIvelmente: é a camaradagem
ciais e anti-sociais, etc.) os quais que parece ter para o adulto o
se diferenciam de qualidade, mas mais alto valor moral.
não de gTau, como fizemos quan- Outra de nossas pesquisas expe-
to à inteligência desde Alfredo Bi- rimentais, concernentes aos sen-

(*) Há 2 O anos fizemos um estudo psicológico do trabalho dos agentes de se-


guro em várias sociedades de Berlim. Verificamos que os agentes, empregando a mentira
e o ardil. exagerando os efeitos aproveitáveis do seguro, apresentando, um certo dia, as
condições do contrato, obtinham, do ponto de vista profissional, resultados bem mais sa-
tisfatórios do que seus colegas. Quando a l.a parte do trabalho foi publicada, a União
dos agentes de Seguro protestou contra esta publicação. A União enviou uma delegação
aos redatores das monografias profissionais, William Stern e Otto Lipmann, tanto assim
que a casa editôra (Barth, Leipzig) pediu que a segunda parte do trabalho não fôsse
editada. Quando Stern e Lipmann se recusaram em acceder a êste pedido, a União em sinal
de protesto, proibiu a seus membros a leitura do trabalho em questão. Além disto, há
também pseudo-psicotécnicos que fazem estudo do caráter para mascarar sua propria
falta de caráter; como era o caso dos nazistas, trabalhando no Ofício Alemão de Psico-
logia, que se dedicaram com predileção ao estudo do caráter. Poderíamos dar outros
exemplos do mesmo gênero. É supérfluo mencionar que tais personagens não contribuíram
em nada para o progresso da caracterologia.
(**) Um menino dá a um outro dinheiro, por um pote quebrado; pensa-se o
joelho de um camarada ferido; um menino rouba de outro, um pequeno brinquedo, ou
bate no seu companheiro, etc.
58 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSIOOTÉCNICA

timentos de gratidão nas crianças tabelecer a idéa de justiça. O com-


e nos adolescentes ("2") mostrou portamento social é daí em diante
quatro formas diferentes: Reco- guiado não somente por senti-
nhecimento verbal, material, par- mentos sociais, mas também pela
ticipante, ideal. Elas passam, em noção de direito e de deveres no
geral, de um estádio a outro em seio da sociedade. Para esta con-
funçã,o da idade. duta compreende-se a necessidade
A maturidade do caráter acom- de regras e leis. Concedem-se aos
panha geralmente a maturidade outros os mesmos direitos que a
fisiológica. Multiplicando-se as ex- si próprio. Limitam-se os desejos e
periências, poder-se-ia seguir esta
mesmo os sacrificamos no meio da
evolução quase de ano a ano.
Não é improvável que nós pos- sociedade.
samos um dia estabelecer o grau O interêsse social ultrapassa o
de caráter com tanta precisão círculo estreito dos camaradas
como a que nós medimos atual- para estender-se a tôda sociedade.
mente a inteligência. Porém, até Quando se trata da vida profis-
agora, experimentamos distinguir, sional, o indivíduo trabalha, não
ao menos, 3 níveis de caráter, ba- somente quando sente desejo, mas
seando-nos na maturidade social com um sentimento de dever a
do indivíduo. cumprir conscienciosamente. É a
1.0 Nível do egoismo próprio mais alta autoridade moral que
à infâ.ncia onde tudo é considera- pode atingir um homem.
do do único ponto de vista da sa- A distinção dêstes 3 níveis de
tisfação de seus pendores, da rea- caráter é de uma grande impor-
lização dos seus objetivos sem res- tância do ponto de vista prático.
peito por outrem. Encontramos Em 1.° lugar para um pedago-
êste nível infantil de caráter nos go, torna-se evidente que não se
adultos egoistas. pode exigir de um adolescente sen-
2.° Nível de desenvolvimento timentos sociais que sejam apaná-
Social. Êste desenvolvimento pro- gios de um caráter maduro. Além
duz-se de ordinário no curso da disto, existem adultos de caráter
puberdade. O adolescente faz, nes- infantil e que não são conscientes.
te período, um esfôrço para li- Como dizia o Evangelho: "Êles
bertar-se psiquicamente de sua fa-
mília e da proteção da mesma. Êle não sabem o que fazem".
se interessa mais pelos camaradas Um dos psicólogos contemporâ-
e pelo mundo exterior. O interêsse neos, Constantin Brunner, julga
pelos outros, a solidariedade, a ne- que as pessoas que nós julgamos
cessidade de ajudar, a benevolên- "ter mau caráter" são simples-
cia, o reconhecimento ainda que mente doentes que se ignoram.
conscrito ao circulo estreito dos Se a noção do grau de caráter
amigos, marcam um nível mais fôsse mais divulgada, seria per-
elevado do caráter. mitido esperar que muitas pessoas
3.° O terceiro nível, enfim, é se esforçariam de se elevar a um
aquêle em que começa a se es- nível superior.
(2) Baumgarten (em colaboração com H. Nobs). Gratidão das crianças e ado-
lescentes,
o CARÁTER E A PSICOLOGIA 59

3 nestas na vida privada, não o são


nos seus negócios. Outros, apro-
Queremos ainda abordar um ou- priam-se dos objetos mas são in-
tro aspecto fundamental do pro- capazes de se apropriar de di-
blema do caráter: O da correlação nheiro.
entre traços caracterológicos. Gra- Esta heterogenidade de proce-
ças à iniciativa de Spearman, in- dimento, segundo a situação psi-
troduziu-se em psicologia' a noção
cológica ou social, torna excessi-
de correlação entre os traços de vamente difícil o julgamento sô-
caráter. As biografias dos homens bre o caráter do indivíduo.
célebres, tanto no domínio da hu- Tendo uma tendência natural a
manidade em geral, como no julgar por analogia, generaliza-
da ciência, mostram-nos claramen-
te quanto estas personagens fo- mos, muitas vêzes, nossa aprecia-
ção do caráter, segundo um tra-
ram, na maior parte, pouco har- ('I) m"rc~nte positivo ou negativo.
moniosas.
Tal sábio, revolucionário no seu Ora, isto presume uma constitui-
ção harmoniosa do conjunto do
trabalho profissional, era muito caráter, o que está longe de ser
conservador na sua vida afetiva.
Tal homem político, militante ar- a verdade. Ao contrário; é pre-
ciso admitir com Vauvenargues
raigado pela liberdade democráti- .
que os mmores contrastes imagi-'
ca, era verdadeiro tirano para sua
família. Tal tribuno, condutor de nários existem no coração do ho-
homens, submetia-se a todos os mem. Um só ponto caracterolóO'i-
co não define o homem. b
caprichos de sua mulher. Um ou-
tro revela extrema caridade, so- 4
mente para um grupo. (Membros
do mesmo partido político ou cor- Poderíamos fazer ainda outras
reli O'ionário) . reservas sôbre as nossas possibili-
Outros, ainda, grosseiros e bru- dades de apreciação do caráter
tais para os seus subordinados, humllno. (1)
mostram-se afáveis e complacentes Mas, é igualmente interessante
para seus iguais. Um sujeito bom apresentar algumas sugestões que
pode sê-lo para todo mundo ou possam permitir, apesar de tôdas
somente para seus iguais em ní- as dificuldades evocadas acima,
vel intelectual ou posiciio social ou obter alguns dados em particular
ainda o é para os miseráveis ne- sôbre aspectos de caráter intervin-
cessitados. ' do na vida profissional.
N este último caso, sua bondade 1.o Aspecto :
brota dos seus sentimentos de pie-
dade. É preciso, em 1.0 lugar, conhe-
Tais restrições aplicam-se a cer os pendores do indivíduo e os
quase todos os traços do c~ráter. seus objetivos na vida. Verificar-
AS~!Ím, a probidade pode ter vá- se-á, então, fàcilmente, que certas
rios graus. Pode ser total mas pessoas não têm, sôbre a sua fi-
também, certas pessoas, muito ho- nalidade na vida, senão idéias va-

(1) Baumgarten, "L'Examen du caracter dans la vie professioneIle".


60 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSIOOTÉCNICA

gas: ter um bom pôsto, tornar-se do uma concordância perfeita en-


rica, casar-se vantajosamente, etc. tre os seus desejos e suas aptidões,
Em contraposição, outras têm de- não sabem fazer um bom uso des-
sejos bem definidos: ta.'? últimas. Êles não agem nun-
Abraçar uma carreira determi- ca com oportunidade e resolução.
nada, viver num país de sua es- Assim, acham-se sempre subjuga-
colha, sob um regime político e dos por outros, bem menos dota-
não sob outro, ser membro de um dos, mas que põem suas capaci-
certo grupo social, possuir um tí- dades em obras, no momento pre-
tulo, ter um certo nível de vida, ciso, e as apresenta sob uma for-
etc. Êstes desejos podem abrir ho- ma favorável. Daí resultam os ca-
rizontes sob as tendências profis- sos de recalque tão conhecidos dos
sionais do indivíduo. psicanalistas.
Algumas vêzes, a psicanálise
2. ° Aspecto: corrige tal recalque, mas, em ge-
Deveria ser possível examinar ral, nem a consciência desta infe-
se o indivíduo possui aptidões ne- rioridade, nem a vontade, nem o
cessárias para realizar os seus de- exercício podem corrigir esta ca-
veres. Os casos felizes de concor- pacidade "sui generis". Não pode-
dâncias entre os desejos e as apti- mos mais que registrá-la, apesar
dões são, evidentemente, os mais das conseqüências penosas.
raros. 4. ° Aspecto:
Quando os desejos ultrapassam
as aptidões, surgem conflitos psí- N a maioria dos casos, pode-se
quicos que desencadeiam os senti- atingir um objetivo determina-
mentos de inferioridade, de inve- do por diferentes vias. Uma delas
ja, nervosidade, descontentamento é chamada, em linguagem popular,
em face dos que os cercam. o caminho reto; é o emprêgo ex-
Um outro caso apresenta-se clusivo de meios probos e que não
quando a capacidade é mais eleva- trazem nenhum prejuízo a outro.
da em relação ao uso que o sujei- O homem que escolhe esta forma
to quer fazer. Então aparece uma de comportamento é considerado
indolência, uma indiferença, que honesto e honrado.
nos indigna muitas vêzes. Aquêle que atinge seu objetivo,
Um excelente matemático pode sem respeito aos outros, porque
querer fazer uma grande fortuna, todos os meios são bons e ne-
ter uma posição social de relêvo, nhum escrúpulo o detém no ca-
tornar-se homem político, etc. minho do seu interêsse, é consi-
derado anormal, anti-social e so-
Os conflitos desta natureza po- ciófobo. Contudo, infelizmente,
dem tornar-se muito sérios. verificamos que os indivíduos da
O psicólogo deve se dar conta 2. a categoria são bem mais nume-
se o indivíduo deseja mais satisfa- rosos que os da 1. a , e o que pare-
zer sua capacidade do que suas ce mais grave, êles influenciam os
tendências afetivas. indivíduos de comportamento in-
deciso, de convicções pouco firmes
3.° Aspecto: e mesmo pessoas honestas mais
Os conflitos mais trágicos têm sugestionáveis. Ê por isto que, es-
lugar nos indivíduos que, malgra- tud:mdo o caráter de uma pessoa,
o CARÁTER E A PSICOLOGIA 61

é imprescindível examinar como tabelecer um método experimen-


ela procede para chegar aos seus tal que corresponda a êste fim,
fins; e no caso de se tratar de criando testes caracterológicos.
alguém, que tem um procedimento Por exp.: O teste de trabalho
anti-social, se esta tendência é pro fiss1:onal servindo-se do teste
nata, ou somente imitativa e ad- de catálogo de Tramer.
quirida. Estas duas provas, confrontadas
com os exames habituais da apti-
5.° Aspecto:
dão, permitem julgar em que me-
Um dos mais importantes as- dida existe uma correspondência,
pectos do comportamento do cará- entre aptidão e vocação e se não
ter é a atitude do indivíduo a res- há conflito a temer neste terreno.
peito de "si próprio"; atitude que Nosso teste de provérbio informa
determina em larga escala o que a atitude a respeito de si mesmo,
êle demonstra para os outros. Ob- da sociedade, do trabalho, tendên-
servemos os indivíduos apaixona- cias egocêntricas ou sociais. Po-
dos de sua própria personalidade, demos proceder assim utilmente
imbuídos de uma alta idéia de suas ao estabelecimento de certas cor-
qualidades, sentindo-se sempre respondências.
acima do seu meio. Atimddos no
seu narcisismo, entram muitas vê- 1.0 Caso
zes em conflito com os que os cer-
cam, oue reagem a seu desprêzo, Tendências e pendores muito
manifestando, por sua vez, antipa- ambiciosos associados a uma alta
tia por êles. opinião de si próprio em indiví-
(;on llPcemos casos inversos de duos que dispõem de aptidões de
indivíduos que alimentam senti- nível muito elevado.
mentos de inferioridade, que se b) Tendências e pendores, hu-
aprpchm abaixo do seu valor real. mildes e limitados, associados a
Outro caso ainda é o do indiví- uma idéia muito modesta de si
duo que considera semnre sua si- mesmo num indivíduo cujas apti-
tu~cão como humilhante, indigna dões são de baixo nível.
dê1e, crendo constantemente não
ser anreciado e recomnensado no 2. ° Caso Discordante
seu iu~to valor, susneit!lndo que a) Tendências e pendores am-
o mundo auer anag-á-Io. Êste com- biciosos associados a uma opinião
plexo de descrédito é muitas vê- muito favorável de si mesmo, em
zes uma fonte de aborrecimentos concordância com as aptidões de
na atividll.de profissional e imne- baixo nível.
de freauentemente (a quem dis- b) Tendências e pendores limi-
so é atingido) um sucesso mere- tados, resultante de uma opinião
cido. muito modesta de seu próprio va-
5 lor. (Sentimento de inferiorida-
dade) em concomitância com apti-
Vê-se que a tarefa do psicotéc- dões de nível muito elevado.
nico, que deve examinar todos ês- c) Tendências e pendores li-
tes aspectos do comportamento, mitados. apesar de uma alta opi-
não é fácil. Somos forçados a es- nião de si mesmo. (Complexo de
62 ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSIOOTÉCNICA

desfavor) associado às aptidões sencial é que tire vantagens. Se


de nível baixo. êle verifiea que as vantagens so-
A propósito dêste último caso, ciais dadas a uma pessoa (alimen-
vale lembrar-se que a aptidão de tação, confôrto, alegrias familia-
saber aproveitar talentos, mesmo res) aumentam o rendimento,
limitados, reforça o sentimento de mesmo nesta única condição, êle
seu próprio valor, enquanto que proporciona tôdas as vantagens
a ausência desta aptidão faz nas- aos sêres que dependem dêle. Esta
cer sentimentos de inferioridade mentalidade mercantil, orientada
ou desfavor. inteiramente para o lucro, foi es-
As experiências efetuadas com tigmatizada, já, na Bíblia, como
o nosso teste de provérbio nos con- pouco moral.
duziram à distinção de 3 tipos de
comportamento social, distinção Êstes dados podem ser ainda
cuja importância capital para a completados por outros testes:
vida profissional não escapará a teste de intuição simpática (2)
ninguem. teste de realização em retângulo,
que permitem observar a maneira
1.0) Indivíduo que nas rela- de trabalhar, a atitude em face
ções com o seu próximo não vê, das dificuldades, a perseverança, o
senão, o seu próprio trabalho. Não desejo de atingir ao fim.
aprecia os sêres humanos senão Eis os resultados já apreciá-
segundo o seu rendimento. Êle veis. Contudo, êles não ensinam
próprio deseja, antes de tudo, pro- nada sôbre certos traços de cará-
duzir, construir, criar "É felici- ter, de importância capital. Por
dade que eu quero?" Quero mi- exemplo:
nha obra. exclamava Nietzche, 1.0) O indivíduo reage sempre
Esta atitude torna o homem mui-
to ambicioso e pouco social, já sôbre um plano ou somente em
que êle sacrifica tudo em nome do certas circunstâncias. É muito sus-
trabalho. De regra, muito labo- cetível ou fàcilmente molestável ?
rioso e muito capaz, é, apesar de 2.°) Em que medida seu com-
chefe, pouco humano, muito exi- portamento é verídico ou ditado
gente, e, muitas vêzes. sem pie- por razões de ordem prática ?
dade para aquêles que não produ- 3.°) Possui domínio sôbre si
zem bastante. mesmo?
2.°) Indivíduo cujo interêsse 4.°) Sua razão predomina sô-
é voltado, sobretudo, para o ser bre sua afetividade?
humano. Indulgente, pensando 5.°) É um temperamento
nos outros, antes de pensar nêle agressivo?
mesmo, sociáveis e mesmo hiper- 6.°) É vingativo?
sociáveis; tem um rendimento me- 7.°) Mostra-se algumas vêzes
díocre e uma inteligência limitada. descontente de si mesmo, censura-
3.°) O terceiro tipo não gosta se frequentemente ou arrepende-
senão do lucro. O rendimento pode se de suas ações ?
ser de má qualidade, pouco satis- 8.°) É oportunista, ou ao con-
fatório, contanto que venha, (que trário, fiel às convicções e capaz
cheg7l,e). O ser humano é para êle de sacrifícios em nome de seus
a última das inquietações. O es- princípios ?
o CARÁTER E A PSICOLOGIA 63

9.°) Tem sentimentos do de- perguntas sem· respostas. Contu-


ver a cumprir? do, não prejulguemos o futuro. É
10.°) Podemos contar com as preciso trabalhar muito. Mas, o
suas promessas, podemos contar método que orientará êste traba-
com êle nas situações difíceis ? lho deve, na nossa opinião, ser
Os testes de caráter deixam sempre os das ciências experi-
ainda, atualmente, tôdas estas mentais.

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