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Froreiras 1 Uma Fronteira do Passado: da faléncia do realismo no teatro A sua recuperacao pelo cinema EE ay tronas de veludo, grandes cortinados, luzes que se apagamm a ribalta, um paleo ao fundo, mudangas de cendrios, intervalos, palmas, ema cortina que se fecha sobre tudo isso. Bra assim 0 teatro quando o cinema nasceu. E essa con tinua a ser a ideia que muita gente fz ainda agora do teatro: gente que certa imediata sensagdo de que, por terdsofrdo a maior metamorfse da sua jd longa his- na rentincia ao fingimento da rea- ade, na fuga ®alienacko pablica numa fico, Em suma: na recusa do rea 0 naturalista. E,consequentemente, na destruigdo de uma convengio que parede> invisivel ‘como pontos-charneira o lirantes profecias de Artaud em prol de um steatro da crueldade». O seu de chegada, o seu termo ad quem, encontrar-se- por certo em algumas ning ¢ do event, ou em certs formas de teatro vo, onde falar de eestria» ¢ falar de algo que li ” rio existe onde o préprio pblico foi demitido da condicio de pasivo assis tent para assumir a sua quota parte numa celebragio colectiva, “Tudo isto, & claro assenta sobre anegagSo radical de toda aesttica natura- ‘mesmo quando ¢ para i buscar novas formas de realism, por ves até ‘mais radicais, ultra-realistas mesmo, e assim nos podemos expr é 10 caso, por exerplo do «teatro recusando sempre o velho € desde 1887 com acriagio do wski com o seu novo método de formagio de ac 1 justo perfeita da realidade, construfase& custa de tum c6digo restrito de convenes, tacitamente aceites, das quais uma das ‘mais importantes vinha a ser a da «cena fechada» ou «cena & italiana», coma ‘sua caixa Optica ou ecaixa das ilusdes», como ironicamente 8s vezes € chi ‘come hoje arsenal de trugues e identificago coma c ‘como se ninguém assistisse aos acontecimentos «vv iso eliminarficticiamente o espectador porque el inha apenas essa fungi: ela ajudavae a esquecer-e de que estava sentado num tea- a sugestio shinndtica» para poder, na qualidade dade o mundo que secretamente espreltava sobre o habitumos a conhecer no cinema? Deve isto ao facto de o cinema, quando surgiu, ter assimilado do teatro de entdo todas as tenicas da itso realista, enquanto, no teatro, elas comecavam a softer um processo de continua e pro- sresivareeigio. Eo teatro que depois surgiu empenhou-se em queb vogavelmente, a eparede de vidro»: ao ponto de, em determinadas experién- clas de vanguarda, ter dado passagem, através dos estilhagos, nlo s6 ao dis- logo como 2 acco con-vivente de um pablico-participante com actores-of- tle demarca uma etapa essencial na Histéria do Teatro: a sua primeira tomada de consciéneia em face do cinema. E daf viriaa nascer, num certo sentido, © teatro eontemporineo, 0 fenémeno ¢ tanto mais paradoxal quanto o teatro, pois que se serve de pessoas e objectos reais, pareceria primeira vista que o cinema para suporte de todas e quaisquer estéticas realistas.E disso & reveladoro testemunho por ido hd alguns anos junto de um rural, semianalabeto, quando pel to mais digno de f€: af serapre hvia pessoas e -palpar com as mos»... Nao importa lem- fico, nfo poderia fazer a sleitura» do filme que viu - confundia signes com objectos.O que €curioso neste depoimento & ele manifestar uma reacgo dia- » ‘metralmente oposta dquela que nés ~ nds, os que desde pequenosfomas acul- turados inconscientemente pela imagem — hoje experimentamas. Como pode ‘mes hoje suportar, sem um sorrso céptico que nos frustra qualquer hipétese de acitagdo do efingimento da realidade>,o castelo hamletiano cujas mura- has sumptuosas abanam a mais leve corrente de ar que percorre os bastido- +25, ou 0 porto férreo que oscila nos gonzos com a levera do cartio, 04 0s ‘passos dos actores no lajeadogranitico da pragae que ressoam escandalosa- _mente sobre as tabuas ocas do paleo? O teatro, na verdade, raramente pode ‘oferecer-nos mais do que um univers flsifcado, ilusrio, onde homens em carne viva evoluem no meio de vores de caro. E desta integragSo contra incompatvel que toma o universo incongruer Isto mesmo tinha sido js pressentido com sagacidade, nos primérdios do cinema, por Béla Baldgs: «Desde que existem cenarios, existe mescla, no jal € do vertdico. H& contradicao (semiol6gica,diriamos nés vidade do cendrio ea presenga corp6rea do actor vivo, pago desenhado perepectivamente pela encenago&0 os2,E também isto que soas de carne e osso sobre o paco. A sua presence fisica dest o mundo da fantasia, Esto presentes dois planos de realidade: de um lado a presenga cor- prea de homens vivos que se mover efalam sobre a cena, de outro a reali- jemmasiado prximas, eles nio se sobrepGem nem se podem umos que uma tal Mensagem, no homogénea, nfo deixa alengio nos actores-vivos, 0s ‘objectos-mortos apresentam-se-nos drasicamente flsos; uando atentamos| 1. como sndrimo de saturalismo ou wverismos que nest vo utiiamas a pala primacialmente no cenéro, si os seres humanos que nos surgem excessiva- mente reais. prem da mesma natureza ont = a da ilusio ~ é que se integram num ‘mesmo nivel de homogeneidade constitutiva e organiza na mensagem um niversosignico de estatuto congruent. na sua encenagio em 1906, para construir a cabana de O Pato Bravo, de Ibsen, exigitabetosvindos da Noruega: por sua vez, também Stanislasi e A Simov, em 1900, para Quando nés, as mortos, inham de gua com trés met ro Arte de ‘a menos que lade, 0 que equi vleriaa negar, ness caso, a representagio (odos esses puri. ‘0s realistas no nos convenceriam mais, nem nos pareceriam menos rid os do que osc los de papelio. 0 facto € que no & por ver no soalho do paleo, nem por vermos uns litros de dua a escorrer entre o cena, que nos convenceremos melhor de porary ‘ao assemethar-se € ma intengio realista: ou i vealista, aca baht formula de Copfermann: quanto maior a exigéncia de verdade mais ilusio- nismo, e quanto mais ilusionismo mais mentira ainda! CCertamente que a singenuidade> dos naturalistas se justiticava plenamente Bela Baizs: «Aue inadequados, proca breve, € um teatro jé superado pl ima vez que, neste sen- tido, 0 teatro no pode concorrer com o cinema, renunciou a aparecer como espe fel da realidad. ‘Mas por que ares maigicas velo o cinema a tomar obsoleto todo este tipo de a para esse salto no imaginsrio que, através da «parede de vidro» ou da tela de cinema, Ihes pertrd evades do context epicio-teporl real em que estio inseridos (E x T) para mergulharem num contest espicio 5.C1.Aaulapio esta do cinoma, 0. p40. 02 | res (esquecendo a realdade do seu context) e sobre eles possamn consti- le imaginaria pertencente as personagens, Unica que deve preva ExTar ext) erent sem espectadorese actores rade haver, podendo ser assim dos actorese das personagens 840, Como podemios areditar que Ha mos demasiado bem que € Lawrence Olivier? © actor, no teatro, & demasiado real para que possamos ver nee esse real 6 Hamlet quando sabe: orineoterépssado avalorizar a eaidade lidade da personage. Foi por isso que o teatro naturalista se viu obrigado a instalar uma bareira ‘onde ndo existia nenuma barreira natural: a 4,*parede invitve,, entre o paleo a plate, Mas tal bareivando passa de uma fig convens0, E ‘que acontece € que, dadas as condigbes de coincidéncia espscio-temporal 10s centre emissor¢ receptor a que o teatro nto se pode furtar (recor mula: Bx T = ex x), 0 espectadorestara sempre condenado a ser vit lum pensamento assaltante que The destriré 0 poderd sempre pensar qualquer espectador de ‘aquela loresta, aquele mar, no podem estar, realmente, ali, Uma vee asa redulidade, 0 espectador nio poderd mais levar a + facilmente esquecida em proveto da personagem. O espectador sabe que 0 actor esté do lado da realidade dele, logo dificilmente co sentira do fado de 1, lugar onde existem as personagens (ex t). Ea repen- tina sensagio de que os actores,afinal, estdo ali, dentro da mesma sala, trans- ‘mudar-lhe-4 em risoasfrastradas tentativas de fingimento sobre o paleo. Toda mente uma harreira ional efalseadora, 0 que to ferncias impossfves. Ao catapul primera etapa do salto para o imaginsrio ~ separagio do actor edo espectador faciltaré consequentemente a segunda etapa ~ adesio do actor & persona: gem: (ext) « x . Como actor jd no € sentido do Tado dec pelo espcta {dor, mais facilmente este © poderéimaginar do lado det junto com as perso- CCertamente que o espectador de cinema também sabe que o mar gue VE no cri nio pode ser, realmente, o mar; ele sabe que 0 mar, tl como no teat, também ndo pode esta ali, ¢ que se as ondas tém movimento nio so feitas de ‘gua: mas o que ele no sente & que isso sefa um expedient nla ficou registada. Poi ‘objecto (ao mesmo objecto, tal qual a nédoa roxa deixada numa t vinho"), E mesmo admitindo a hiptese de falsii rucager ‘ou de composigao cenogrfica em est lide da imagem flmica ‘mantém-seinalterada, muito embora possa variar a sua relagio com o object: ‘que os trags da pelicula sio causados peo eeito de ros kumincsos prove- 7. termos semiotics: una ftograia paticip do mas também doin, al como Pete o defini, rentes da reaidade exterior, a imagem fotogréfca € sempre interpetada como um rasto dexado pelos objects nela impressionados,objectos que no pode ‘mos supor inexistentes E precisamente devido a este condicionalismo tée- ‘um «espetho do realidades: ek ‘imagens audiovisuais em movimento, ele institut ica da realidad, e 6 capaz de produzir, como fendmeno de coincidéncia gnoseotégica, ivos analogos aos originados por contactos que existia antes da sua imager? Foi esta possbildade testemunhal do cinema que o tomnou particularmente apko para suportar a estética naturalist do teatro cujo fim era exactamente, fornecer una «sensagio de realidade». Os homens que verios sobre a tela no de carne, como no teatro; noo sio naquele lugar, nem naque rao que sense acuta do as. (Lindi de realismo, ob. itp. 2. 106 © mar que ali vemos, sio imagens de homens que foram vivos e de carne, de assim se poderisupor) de pedra, de um mar qu foi men: pode constitunse sem falsidades. ita do cinema decorre também da sua ineomparsvel de qualquer espécie. 14 He GGouhier 0 notara, quando eserevia: «0 cinema dispde da natureza, da m io, edo deslocamento no espago. A acco tem por eno todas as paisagens ii i icp a 12st sp eta. deo eine db nea En senso 0, cadena eedeso oe pare prc cm tna a i na mamas Oates teem cp O resultado, poem, ra sempre est: homens + omibras, Sere humans prolongndos Sombra. Eades perfuntar: porque ao ef Um poco mals longe eno se tuo, fazendo, mito sitplesmente, um fle? 107 10s Drinepio, permite aos actoresvoltarem-se entanto, uma vez destrufa essa barre ompleto da Histria do’ a historia do Teatro Morto, tev includ em Teatro e Vanguard, Bi resem recht, Estudos sobreo Teatro, Lisboa, DBA,

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