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Leitura e escrit uma concepcao discursiva A escrta nao é wm veiculo para se chegar a uma esséncia, A escrta é a viagem, a descoberta de outras dimensies e mistrios que estio para além das aparéncias COUTO, Mis. © srtio brat na svana mogambican spor texto de opin. Lisbou: Cami, 2005. p. 110, (Fragment). A vida com textos dos mais variados g m uma sociedade letrada & marcada pelo contato :neros discursivos. Outdoors, e-mails, antincios, editoriais, contos, crénicas, noti- cias, panfletos so alguns dos muitos textos representativos de géneros que circulam socialmente ¢ que lemos com frequéncia. Em todos eles, esti presente o mesmo desafio: como interpretar de modo adequado seu significado? Se textos a serem lidos povoam a nossa vida, a escrita também faz parte dela de modo significativo. Em circunstincias diverss, precisamos escrever. Escrevemos pelos mais diferentes motivos andar noticias a quem esti dstante, pedir informagdes, elaborar listas, maniféstar uma opinigo, encaminhar uma reivindicacio, de: fender um ponto de vista e assim por diante. O desafio, nesse caso, € conhecer ¢ dominar a estrutura dos géneros a serem produzidos. As atividades de leitura e escrita sio complementares. Uma no existe sem a outra. E é na escola que essas duas ativida- des sio praticadas de modo organizado e sistemitico, Por esse motivo, para que possa orientar o aluno de modo seguro pelo universe de géneros discursivos a serem lidos ¢ produzidos, 0 professor precisa se reconhecer como parte desse universo. Intertedualidade Glossério Relago que se cstabelece entre diferentes textos quando tum dels faz referéncia (direta ow indireta) 4 outre.A relagio intetextual pode dizer rpeito ao conteido, 4 forma, ou mesmo @ forma e ao conteida, Leitores ‘Uma das condigdes necessdrias — talvez a mais impor tante! — para que 0 professor possa assumir, com competén- cia, seu papel de mediador entre aluno € 0 conhecimento que cle deveri construir sobre leitura/escrita é a de que ele seja um leitor. Se 0 proprio professor nio Ié, se nio sabe 0 que significa deixar-se constantemente seduzir pela magia dos livros, se nunca viveu a aventura da intertextualidade, como pretender que ele, professor, atribua algum significado & afir- magio corrente de que “as atividades de leitura devem ser, sempre, significativas"? E facil concordar com tal afirmagio. Dificil, no entanto, é levar a sério o que ela traz implicito:somente os verdadeiros lei- tores entendem realmente como a atividade de leitura pode se traduzir em uma experiéncia transformadora, como a de Bas- tian Baltasar Bux, protagonista de A histéria sem fim, Nesse livro, Michel Ende recorre fic¢o para mostrar como nossa visio da realidade adquire novos contornos quando “inspirada” por li- ‘ros inesqueciveis. Nesse sentido, todos os professores deveriam sentir, pela Ieitura, a mesma paixio de Bastian. A paixao de Bastian Baltasar Bux eram os livros. Quem nunca passou tardes inteinas diante de um livro, com as orelhas ardendo ¢ 0 cabelo caido sobre 0 rosto,esquecido de tudo 0 que o rodeia e sem se dar conta de que esté com fome ou com frie... Quem nunca se escondeu embaixo dos cobertores lendo um livro a luz de uma lanterna, depois de o pai ou a mae ou qualquer outro ‘adulto the ter apagado a luz, com 0 argumento bem-intencionado de que ja € hora de ir para a cama, pois no dia sequinte & preciso levantar edo, Quem nunca chorou, as escondidas ou na frente de todo mundo, lagrimas amargas porque uma histéria maravithosa chegou ao fim ¢ é preciso dizer adeus as personagens na companhia das quais se vi- veram tantas aventuras, que foram amadas ¢ admiradas, pelas quais se temeu ou ansiou, e sem cuja companhia a vida parece vazia sem sentido. Quem no conhece tudo isto por experiéncia prépria provavel- mente no poderd compreender o que Bastian fez em sequida. eepemn 2 8 b F Sg intes de tudo, leitores com: sti em que o que s atiza, di naneiras, & a propri 2. Por ssivel conhecer muitos outros ¢ descobrir, desta forma ro sentido da intertextualidade, dos textos que reme uuerOs textos, que remetem a oUtTOS textos, que remetem sim por diante, em histérias sem fin uma hist ‘ontada, I Homero, i sabia Ariost da experiéncia de leitura, por mais informal que possa pa +, contribui para a formag repertério no momento de pre xtos dos mais va 10s. Esse € u tive uais se costum: Escribas D termo escriba trad a solenidad tos n Famos praga de Marrakech, que sere de inspirgio hhumanidade. Nel se apresentam acrobats, fencantadores de serpents, misicos, faguires, contador de historias et, Seu nome pode ser raduzide como “Asembleia dos ‘morros" ou "Mesquita ho fim do mando". muito concreta. £ ele que,a pedido ¢ mediante pagamento, trans- pie para o papel a intengio de escrita alheia, Ele escreve cartas, preenche formulirios, produz declaragSes, edige contratos. Elias Canetti, em uma belissima passagem do seu livro Vozes de Marrakech, contrapSe as figuras do narrador ¢ do ¢s- criba ao relatar, em tom emocionado, a solenidade com que cada um desempenha seus papéis sociais em um mercado marroquino. ‘A powcos passos dos narradors, os escreventes aaypavam seu posto. © silencio reinava entre eles, naa parte mais silencisa da Djema et-Fna, [..] 0s banquinhos espagavam-se de tal modo que nao se pu- desse ouvir 0 que se dizia ao lado. Os mais modestos ou talvez 0s mais “antiquados acocoravam-se no ci. Ali cls refletiam e esceviam num ‘mundo discreto cercado pelo barulho retumbante da praca ¢ contudo apartado dela, [..] Eles mesmos mal estavam presente ali, apenas uma coisa contava: a dignidade silenciosa do papel CANETTI Fla As mses de Manahach Tad de Samuel Titan J ‘So Paulo: Coc Nai, 2006.85. (Pragmento) ‘Sera que nao existem, também entre nés, os narradores ¢ os cescribas? Seri que a atividade de escrever esta hoje tio generali- zada, em nossa cultura, que o papel social do escriba perdeu sua fungio? Na verdade sio poucos, dentre nés, aqueles que tém autonomia de escrita. Por esse motivo, os escribas continuam a texistir, em nossa sociedade, embora desempenhem, muitas ve~ zes, um papel um pouco diferente. Encontramos, no Brasil, tanto o escriba de praga ou merca- do — tio bem representados pela personagem Dora, do filme Central do Brasil (1998) —, como o escriba de escritério (¢ 0 termo escritério traz uma referéncia etimol6gica, da qual quase no nos apercebemos mais, 20 local onde se escreve). Sio estes ‘iltimos, talvez, os escribas da sociedade moderna. Sio eles que, vivendo no seio de um segmento da sociedade que ji adquiriu autonomia de escrita para finalidades mais pragmaticas (preen- chimento de formulirios e cheques, escrita de cartas bilhetes, de listas de compras, receitas...), tém agora a responsabilidade social pela produgio de atos de escrita mais elaborados ¢ com ‘uma fungio mais evidentemente intelectual. 12 " (© que eserevem 08 escribas modernos? Deixando de lado res 2 escrita cartorial, que a nossa sociedade continua a produzit quantidade espantosa, cabe aos escribas modernos a tarefa jornais ¢ revistas, 0s livros, os traba 8 académicos... Sio esses escribas, portanto, que continuam a riat ¢ rectiar os textos que por sua vez garantem a continuida de do espaco da leitur Sobre leitura, jé afirmamos que um professor que nao é um paixonado dificilmente conseguira criar condigSes para seus alunos também se apaixonem pelos livros. Mas que snhecimentos sobre 0s usos ¢ as técnicas da escrita deve ter professor para desempenhar com competéncia o seu papel A resposta a esta pergunta esti, neste contexto, vinculada P na outra indagagio: que conhecimentos teri de elaborar 0 ° sobr agem escrita seus usos? F Ele deveri aprender a diferenciar as virias situagdes 0s textos em que a escrita é socialmente utilizada. Devers ser paz de produzir textos de diferentes géneros discursivos, para jue é necessirio dispor de um conhecimento sobre as diver 08 fancdes socioculturais da atividade de escrever. Tal conhe- ai nento é fundamental para que o aluno saiba decidir quando ua faz necessirio ¢ significativo escrever. Esse conhecim én essirio também para que ele aprenda que, ao escrever, dev na se adaptar is formas e convengGes sociais que regulamentan so da escrita em contextos especificos Compreende-se, assim, por que conhecer esses aspectos c stitutivos da situacio de producto de textos é condigio ee 5 nncial para que qualquer ato de escrita adquira um significado al para quem o produz Um olhar discursivo para a leitura e a escrita Um texto nio uma criagio puramente individual. B tam- im o resultado de um processo de elaborago que contou com articipagio de diferentes agentes: 0 autor que o escreveu, 0 pablico para o qual foi escrito, o € Jo Gocial, politico, cultural, etc.) e os meios de circulagio que é divulgado ou publicado, Todos esses agentes discur- sivos influenciam, em maior ou menor grau, o produto final 13 locugai discur nvolvendo autor ¢ seus leitores nos obriga a rec anto a escrita quanto a leitura sio atividades que vi Je fatores linguisticos ¢ extralinguist ticos presentes no contexto de uso. i um grupo, o discurso & social t c mbros de uma socie Jasse domina nosso grupo social’. E titui a base dos discu [ nda q snhamos consciéncia disso. humanos, recor linguagem para expres mentos, opi E por meio dela qu realidade qu Essa interpretagio, ps almente livr nstruida historicament ma sér ile mesmo sem nos dar da existéncia de taisfiltros, Eles constituem uma for Jogica, ou seja, um conjunto de val rengas a tuais julgamos a realidade na qual estamos inseridos. + meio da linguagem que explicitamos nossa visio fe no uso que dela fazemos encontramos pistas io ideol podemos dizer que a linguagem é > da nossa ideologia. Todo texto, portanto, traz s inci ncas po social a g )40, 1950 e 1960, por exemplo, quande raduziam, por meio de expresses espe proprias da formagio ideol6gi va de rminado grupo social, caracteristicas 5 vistas cor itivat 2. Por tris de todos Jeologia no que diz respeito ao papel destinado mulher da vida familiar de modo a criar um lar perfeito para seu marido e filhos. Entende-se assim, portanto, a afirmagio de que a cada for- magio ideolégica corresponde uma formacio discursiva parti cular, cujas marcas podem ser identificadas nos textos. Hi uma relagio necesséria cntre discurso ¢ texto, porque __liberdade, opressio ml odo texto vincula-se ao discurso que Ihe dew origem. O modo emes le c como um texto especifico manifesta um determinado discurso E € 0 que define o seu cariter subjetivo: ele nasce do olhar espe cifico de um autor, que toma decisées particulares sobre come A liberdade do autor de um texto, porém, nunca seri total, 4€ mundo espeeifica ji que todos os membros de um grupo social expressam,em al Yeto guma medida, a formacio discursiva que reflete a sua ideolog As consideragdes feitas at aqui explicam por que adotamos, 1 esta obra, uma perspectiva discursiva na discussio de aspectos Jacionados escritae& leitura que consideramos relevantes para ot > trabalho de avaliago de textos produzidos em sala de aula

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