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REFLEXOES SOBRE 0 NORMAL E 0 PATOLOGICO E A ETICA DA PSICANALISE Claudia Ciribelti Rodrigues Silva * RESUMO: presente trabalho tem como objetivo articular 0 conceito de normal e patolégico, com base na reflexto proporcionada pelo filésofo Georges Camguilhem em sua classica obra “O Normal e © Patolégico”, com a teoria e a pritica psicanalitica, pensando em como esses conceitos perpassam tanto a construgao teérica da psicandlise frendiana como a directo do tratamento, Dessa forma, propoe-se tragar aproximagdes ¢ distanciamentos entre esses dois marcos teoricos, ressaltando a importineia dessa discussio para a compreensio da ética psicanalitica PALAVRAS-CHAVE: Normal. Patolégico. Etica, Psicanslise * Claudia Ciribelli Rodrigues Silva, Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Mestranda em Satie Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de lancito Psicandilise & Barroco ent revista v.10, 1.2 : 62-73, dez.2012 Claudia Ciribelli Rodrigues Silva O normal e 0 patolégico Na elassica obra “O Normal ¢ o patologico”, publicada em 1943, Canguilhem introduz 0 problema por ele apresentado, afirmando que: “B, sem diivida, & necessidade terapéntica que se deve atribuir a iniciativa de qualquer teoria ontolégiea da doenga” (p. 9). Apesar de nao se referir especificamente 4 psicandlise, ainda que se refira a ela em alguns momentos, tal afirmag’o pode ser feita também no campo da clinica psicanalitica, Com Freud, desde suas experigneias com as histéricas, vemos a inseparabilidade da teorizacio sobre a esséncia das patologias ¢ sua clinica. E é essa caracteristica que permite que a psicanilise se proponha, desde seus primérdios, a se coustituir como uma praxis. Contudo, se € possivel ousar generalizar a afirmacto de Canguilhem para qualquer exercicio de cunho clinico (seja ele médico, psicolégico, psicanalitico, ou outro), a técnica empregada por cada um marcara uma diferenga ética entre eles. Reforgo ser uma diferenga ética, além de técnica, segundo o raciocinio de Gondar (2010), que chama atengdo para o fato de que, quando nos enderegamos a sujeitos, qualquer escolha técniea toma-se também uma escolha ética. A continuidade dos fendmenos normais e patolégicos, Coutinho-Torge (2010), no que conceme ao desenvolvimento da pesquisa psicanalitiea sobre a ontologia dos estados patol6gicos, afirma que: Desde seus estudosinicias sobre o> sonhos e a psicopatologi da vida cotidiana, Froud steve sempre tentando isolar, na ctrutura daguilo que ¢ considerada ppatoldgico, alguns pontos que sto denominadores comuns a0 que ¢ considerado campo da normalidade. (p. 127 Como demonstragtio desse intento, temos 0 exemplo do Into e da melancolia, no qual Freud aproxima os dois mecanismos, apesar de situar 0 primeiro no campo do normal e 0 segundo no campo do patologico. Essa “continuidade” — que nio necessariamente diz de uma homogeneidade — dos processos normais e patolégicos & amplamente analisada por Canguilhem (1943), e sua anélise pode contribuir para situar, por aproximagdes ¢ contrapontos, a postura psicanalitica perante o assunto.. Psicantilise & Barroco em revista v.10,n.2 : 62-73, dez 63 Reflexoes sobre o normal e o patoldgico e a ética da Psicanslise E preciso embrar que Freud inventon a psicandlise em um contexto histérico impregnado pelo positivismo comteano, O filésofo francés Auguste Comte & defensor do principio conhecido como prineipio de Broussais, segundo o qual a doenga se difere da side pela mudanga de intensidade, isto é, trata-se de uma diferenga quantitativa, pela falta ou pelo excesso. Outro defensor dessa ideia foi o médico e fisiologista Claude Bernard, também de origem francesa Canguilhem (1943) questiona tal entendimento ao argumentar que “a continuidade dos estagios intermeditios nao anula a diversidade dos extremos” (p. 25), € a0 demonstrar como as palavras empregadas por Broussais ¢ Comte evidenciam sew cariter qualitativo e normativo, tais como deteriorar, alterar, ete. Segundo Canguilhem, E em relagto a uma medida considerada vlida edesejavel —e, portanto, em relagio 4 uma norma — que ha excesso ot falta. [.] Esse estado normal ot fisioloaico deixa de ser apenas uma disposigao detectavel e explicével como um fato, para ser a tanifestagdo do apego a algtum valor. (p. 25-26). Aqui temos a diferenciagi0 fundamental feita por Canguilhem entre os dois tratamentos dados normalidade: © normal em seu sentido estatistico, ou seja, puramente desctitivo, ¢ 0 normal no sentido terapéntico, isto & normativo. O primeiro trata de descrever 0s fatos como eles predominantemente so, enquanto © segundo tem sempre s norma como referéncia, comparando os fates como eles so com como eles devem ser. Seguindo essa distingao, anomalia é o termo cabivel para falar de algo nao usual, no sentido estatistico, & anormal para o desvio normativo, Isso implica dizer que nem toda anomalia & patolégica Voltaremos a essa discussio adiante, Antes, vejamos como Freud inscreve sua concepgio de normal e patologico nessa discussto. Freud também tentou explicar o fimeionamento do sistema nervoso através de fatores quantitativos desde 1892, no “Esbogo para a comunicagto preliminar”, de 1893. A primeira compreensao freudiana sobre a patologia é baseada na hiomeostase interna, explicada pelo desequilibrio energético do psiquico (PRATA, 1999)!. Isso pode ser parcialmente entendido pela influéneia indireta de Claude Bernard, euja obra influencion diretamente o pensamento de Breuer: Entretanto, Freud foi se distanciando do positivismo que marcou seus primeiros escritos. Prata (1999) cita alguns fatores que explicitam esse distanciamento gradual: a ideia “Parece que 0: sintomas crinicos correspondiam a um mecanismo normal: sio deslocamentos, em parte, 20 Jongo de ume via normal (modificagao interna) de somas se excitagdo que nao foram dissipadas.” (FREUD, 1592) Psicanétise é& Barroco em revista v.10, 1.2 , dez.2012 64 Claudia Ciribelli Rodrigues Silva de singularidade do sujeito, a eritica & concepeao de patologia como esséncia e a defesa de um sentido no diseurso da loucura Mesmo a ideia de homeostase freudiana se refere a uma homeostase tinica para cada sujeito, sendo impossivel qualquer tentativa de padronizar uma mensuragio, como proposto pelo saber positivista. No entanto, como ressalta Prata (1999, p. $4), “mesmo com o fato de Freud destacar que nao ha uma relagao entre um limiar quantitativo ideal e a saiide do sujeito, a patologia & ainda remetida a questao de uma regulaeao interna”. A doenga do médico ea doenca do doente Contudo, parece ainda de maior valia, para a reflexao sobre a ética psicanalitica, a discussao trazida por Canguilhem (1943) sobre as ideias de René Leriche. Inicialmente, Letiche define satide como “a vida no silencio dos orgaos” e doenga como “aquilo que perturba os homens no exercicio normal de sta vida e em suas ocupagdes e, sobretudo, aquilo que 0 faz soffer” (LERICHE, 1936 apud CANGUILHEM, 1943, p. 57). Dessa forma, 0 individuo saudavel é aquele que nao tem consciéncia do proprio compo, e a autorizagao para a intervengao clinica partiria da experiéneia subjetiva de desconforto do individu. Porém, Leriche modifica sua coneepgtio de doenea, entendendo que a mesma focaliza o ponto de vista do doente, e niio do médico. Ele assume a possibilidade de existirem doengas “sem ruidos”, ¢ afirma que “se quisermos definir a doenca sera preciso desumanizs- 1a”, ja que “na doenga, o que hi de menos importante, no fando, é o homem” (LERICHE, 1936, apud CANGUILHEM, 1943, p. 58). Assim, & possivel separar doenga da experiencia do doente, tal como a alta-tecnologia de exames médicos facilmente possibilita a medicina nos dias atuais. Esse “progresso” cientifico & contudo, eticamente vedado ao psicanalista Freud (1929) alerta que “se um conflito instintual? no esté presentemente ativo, se nio esti manifestando-se, no podemos infiencid-lo, mesmo pela analise” (p. 247). Canguilhem € claro ao dizer que a medieina nao é uma ciéneia, mas uma clinica que faz uso de conhecimentos produzidos pela ciéncia. Porém, parece-nos que o processo de afastamento da medicina da clinica, na tentativa de se tornar uma ciéncia, como a fisica ou a matemética, nao foi possivel sem o apagamento da singularidade dos sujeitos. E, por isso, Ansermet (2003) localiza o apelo a psicandlise como a tentativa de resgatar a singularidade, 2 A tindusio mais adequada, segundo consensos mais recentes, seria pulsional, c no instintual Psicandilise & Barroco em revista v.10,n.2 : 62-73, dez.2012 65 Reflexoes sobre o normal e o patoldgico e a ética da Psicanslise sempre presente. Afinal, “mesmo quando certas determinagbes sto conhecidas, fica sempre uma parte indeterminada em relagaio & qual somente © sujeito pode se determinar” (ANSERMET, 2003, p. 8) ‘Um aspecto interessante discutido por Leriche é a experiéncia da dor que, segundo ele, nto estaria no plano da natureza, j4 se apresentando como doenga e nfo tendo fimgio alguma no organismo normal, Por outro lado, Canguilhem (1943) mostra como é através da experiéncia da dor que obtemos a coincidéncia total da doenga e do doente. Com isso, Canguilhem comesa a se aproximar das concepgdes de normalidade ¢ patologia compartilhadas pela psicantlise, Ele cita Eugene Minkowski para refletir sobre a relagao entre anomalia e singularidade, dizendo que “é pela anomalia que o ser hnmano se destaca do todo formado pelos homens e pela vida. E ela que nos revela o sentido de uma maneira de ser inteiramente “singular”... (MINKOWSKI, 1938 apud CANGUILHEM, 1943, p. 79). Assim, Canguithem vai defender a tese de que a norma & antes de tudo, uma norma individual, e o normal um julgamento de valor, ¢ nao de realidade. E completa: “Em altima anilise, sA0 0s doentes que geralmente julgam — de pontos de vista muito variados ~ se nao so mais normais ou se voltaram a sé-lo” (p. 81). sujeito e sua norma Como anteriormente dito, para Canguilhem, nem toda anomalia & necessariamente patolégica, diversidade nao é sinénimo de doenga. Enquanto a anomalia se manifesta no espago ~ em comparago com os pares ~ a doenga se manifesta no tempo. O doente € doente em relagdo a si, endo aos demais. Para ele, “patologico implica pathos, sentimento direto e conereto de soffimento e de impoténcia, sentimento de vida eontrariada” (p. 96). Em resumo, no pensamento canguilhemiano, Nao existe fato que seja normal ou patolégico em si, A anomalia ¢ a mutagio nto sto, em si mesmas, patol6gicas. Eas exprimem outras notmas de vida passives. Se fssas_ormas forem inferiores ~ quanto estabilidade, @ fecundidade © & variabilidade da vida - as normas especificas anteriores, serio. chamadas ptologicas, Se, eventuslments, se revelarem equivalentes — no mesmo meio ~ ou superiores — em outro meio -, serio chamadas normais, Sua normalidade advira de sua normatividade, O patolégico nto é a auséncia de norms biologica, é uma norma diferente, mas comparativamente repelida pela vida. (CANGUILHEM, 1943, p. 108). Psicanétise é& Barroco em revista v.10, 1.2 , dez.2012 66 Claudia Ciribelli Rodrigues Silva Isso permite uma aproximago com a teoria do sintoma na psicanslise. O sintoma substituto de uma satisfagao sexual, seria uma norma de funcionamento diferenciada, a melhor possivel naquele momento para aquele sujeito, e nao a auséneia de norma O texto de Canguilhem mostra, ainda, como individuo e meio nao sto normais ou anormais considerados separadamente. E sempre na relagio entre eles que se pode considerar uma norma s& ou patolégica A referéncia & norma também esta presente em Freud quando, por exemplo, a0 discorrer sobre o desenvolvimento sexual, ele fala em desvios da pulsio sexual, como, por exemplo, sobre a homossextialidade, nos “Trés ensaios sobre a teoria da sexualidade” em 1905. Falar em desvio pressupde a existéncia de uma diregso correta, normal. Porém, Prata (1999, p. 58) afirma que “se por um lado Freud utiliza a terminologia “norma”, por outro parece que ele mesmo jé adianta que a norma é uma norma suposta em dado Ingar, em dado tempo” redimensionamento do normal ¢ do patolégico a partir do conceito de pulsio de morte Nesse primeito momento da teoria freudiana, © patolégico para Freud, atrelado a idéia de homeostase interna, “remete-se a um conflito que causa desprazer, que aumenta 0 nivel de energia no suieito e, por conseqiléncia, produz o recaleamento” (PRATA, 1999, p. 60). Porém, 0 desenvolvimento do pensamento freudiano leva a um paradoxo: ao mesmo tempo em que o recalque & nommal ~ sentido descritivo ~ aos individuos em sua constituigao, ele & anormal — sentido normative ~ pois € causa da neurose, A neurose seria, assim, um “recalcamento ‘excessivo" das pulsdes sexuais” (p. 67). Se, por um lado, & possivel identificarmos certa harmonia no pensamento de Freud e Canguilhem, ¢ com o conceito de pulstio de morte, formulado por Freud em 1920. que essa muptura vai se colocar de maneira radical. Canguilhem & representante da vertente filoséfica conhecida como vitalismo. Segundo essa vertente, os organismos vivos teriam um impulso, uma forga, um élan vital, que atuaria sempre no sentido da preservagao da vida, Para Canguilhem, assim, a vida é atividade normativa, polaridade dinamica, na qual se inscrevem normas sas e normas patolégicas, mas psicanalise ressalta que as represses dessa espécie desempenham tm papel extrardinariamente important ‘em nossa vids psiguica, mas que podem também, muitas vezes,falhar e que esses fallas da repressto consttuem 1 precondigao da formagio de sintomas.” (FREUD, 1910, p. 23). Psicantilise & Barroco em revista v.10,n.2 : 62. 3, dez.2012 or Reflexoes sobre o normal e o patoldgico e a ética da Psicanslise nunca a auséncia de norma. Isso significa que nio ha indiferenga biologica. Para Canguilhem. (1943, p. 90), 0 organismo é “o primeiro dos médicos”, Por isso, apesar de a vida trazer em si a possibilidade do desequilibrio provocado pela doenga, ele & previsto como patologia. Nas palavras do proprio autor: No entanto, por mais prevsta que possa parece, no podemos deixar de admitr que a doenga ¢ prevista como Um estado contra o qual ¢ preciso lutar para poder continuar a vive, isto €, que ela prevista como um estado anormal, em relagao & persistéucia da vida que desempenlia aqui o papel de norma. (p. 97) Com Freud, a pulsto de morte nos faz conceber o desequilibrio, e nto mais o equilibrio, como algo inerente a0 sujeito, e nao como algo da ordem da patologia. Nao é mais © recalque que causa angiistia, ¢ sim o oposto. Encontvamos ja em Bichat a ideia de que a instabilidade e a inregularidade sao essenciais aos fendmenos vitais (CANGUILHEM, 1943). A tendéncia a preservagao da vida, tal qual concebida por Canguilhem ¢ outros vitalistas, coincidiria com 0 objetivo das pulsdes de vida. A pulsdo de morte, por outro lado, mostra que © ser humano traz em si também forgas que agem contra a vida, que tentam restabelecer o estado inorginico, inanimado. Empuxo-a0-gozo, para Lacan. Esse novo conceito vem reatranjar toda a postura ética da psicanilise, a partir da qual 0 conflito & entio, inferminavel. “Nesta perspectiva, a idéia de cura entendida nos moldes da dissolugao dos conflitos, de um “bem” ou uma “normalidade” a ser atingida, sera definitivamente repensada” (PRATA, 1999, p. 41) A cura analitica e o conflito interminavel Um dos pontos relevantes trazido pela formulagao do conceito de pulsto de morte, ¢ da consequente ideia de que o conilito ¢ interminivel, é a impossibilidade de uma “cura” em psicandlise. E impossivel atingir um ponto de normalidade absoluta que possibilitaria uma profilaxia, uma protesao do sujeito contra “abalos” do seu psiquismo. Esse assunto @ abordado por Freud em “Anslise termindvel e intermindvel”, texto de 1929, em que a preocupasao fieudiana ~ em parte explicada pelo contexto no qual se encontrava se confinde com um certo pessimisino em relagio ao que a psicanilise pode, de fato, prometer. Freud diferencia duas compreensdes acerea de o que seria um “fim de andlise”. A primeira é caracterizada pelo simples rompimento do proceso, quando analista analisando deixam de dar continuidade ao processo analitico. Esse primeiro sentido seria Psicanétise é& Barroco em revista v.10, 1.2 , dez.2012 68 Claudia Ciribelli Rodrigues Silva melhor designado por andlise “incompleta” do que por “inacabada”. J4 a segunda compreensio tem como condigio, nas palavras do proprio autor, [Jem primeiro lugar, que o paciente nao esteja mais softendo de seus sintomas © tenha superado suas ansicdades © inibigdes; em segundo, que o analista julave que foi tomado consciente tanto material reprimido, que foi explicada tanta coisa inintligivel, que foram vencidas tanta resistencias internas, que nia ha necessidade de temer uma repetigno do processo patoldgico em aprego. (FREUD, 1937, p. 238) © que Freud questiona & um terceiro significado, segundo ele, umito mais ambicioso, que seria atingir um nivel de “normalidade absoluta”. Sendo o contlito inerente & experiéneia humana, n&o nos é possivel prever ou extinguir um conflito que s6 esta presente de forma virtual, tampouco controlar as condigdes para que ele nao emerja Assim, no fim da parte VII de seu texto, Freud acrescenta ‘Nosso objetivo nio sera dissipar todas as peculiaridades do carater humano em teneficio de uma “normalidade” exquemiticn, nem tampouco exigi que a pesson que fot “completamente analisads” nto sinta peixdes ov desenvola_conflitos interes, A'missdo da andlise € garantir ax telhores condigdes psicologicas ppossiveis para as fungdes do ego; com isso, ela se desincumbiu de sua tarefa (p 267). Nisio (1999) vem lembrar que a cura é um beneficio por acréseimo, para Lacan, & em anexo, para Freud. Ela nto & o objetivo da anilise, ainda que essa traga, nao raramente algum efeito curative. Uma anilise nfo visa A cura, menos ainda a supressio do sintoma, A finalidade desta, antes de tudo, seria proporcionar ao sujeito a possibilidade de se colocar de forma diferente diante da falta ov, como diz Freud (1895), transformar o sofrimento neurético em infelicidade comum, Esses pontos parecem se aproximar da discussdo de Canguilhem sobre saiide © cura. Quando ele afirma que “o doente & doente por s6 poder admitir uma norma” (p. 138), aproxima-se de Freud, segundo o qual, 0 sujeito neurético faz uso de uma selego de mecanismos de defesa que se fixam em set ego e, a0 invés de defender 0 ego de perigos passam, eles préprios, a se constituirem perigos, sendo utilizados mesmo quando nao so mais vidveis ou necessirios. Assim, a rigidez da satisfagio sexual imposta pelo sintoma faz dele uma “norma inferior”, no vocabulério canguilhemiano. Em contraponto, talvez pudéssemos supor que o objetivo da anilise € encontrar uma “norma superior”, isto & aquela que “comporta o que esta titima permite e também o que ela nao permite” (CANGUILHEM, 1943, p. 135). Expandir a normatividade do sujeito. Psicantilise & Barroco em revista v.10,n.2 : 62-73, dez 69 Reflexoes sobre o normal e o patoldgico e a ética da Psicanslise Dessa maneira, ouso sugerir que a anilise teria seu fim quando o sujeito se encontrasse em estado de saiide, Esse estado de satide ao qual me refito considera a possibilidade da doenga, ou seja, “estar com boa saitde & poder cair doente e se recuperar” (CANGUILHEM, 1943, p. 150). £ poder, sempre, estabelecer uma nova norma, Em resumo, Ser sadio significa nao apenss ser normal em umsastuagso determined, mas se, também, normativo, newa situagdo e eit outas sittayes eventuas. O que caracteriza a sande & possbildade de whrapassar a norma que define © notmal ‘momentineo, 2 possibilidade de tolerar infiagdes 4 norma habitual e de instituir rnormas novas em situagées novas. (CANGUILHEM, 1943, p. 148). Tanto Freud quanto Canguilhem consideram que nao hé como prever ou conter 0 meio. O meio & “infiel”, E “sua infidelidade € exatamente seu devir, sua historia” (CANGUILHEM, 1943, p. 149). Assim, ser saudével implica ser tolerante @ infidelidade do meio, para Canguilhem, e ampliando essa ideia para a psicanilise, ser tolerante & nossa propria infidelidade. Psicanétise é& Barroco em revista v.10, 1.2 , dez.2012 70 Claudia Ciribelli Rodrigues Silva Referencias ANSERMET, F. Da psicanilise aplicada as biotecnologias, e retomno. Lattsa digital. Rio de Janeiro: Escola Brasileira de PsicanAlise — Segio Rio de Janeiro, n.1, ano 0, ago. 2003. p. 1-11 Disponivel em: < http:/www.latusa.com bripdf_latusa_digital_1_a3.pdf>. Acesso em: 09 dez. 2011 CANGUILHEM, G. (1943). 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Thus, it is proposed to draw similarities and differences between these two theoretical frameworks, emphasizing the importance of this discussion for understanding the psychoanalytic ethies. KEYWORDS: Normal. Pathological. Ethies. Psychoanalysis. REFLEXIONS SUR LA PSYCHANALYSE NORMAL ET PATHOLOGIQUE ET ETHIQUE RESUME: Le présent document vise 4 articuler le concept de la normale et pathologique, basée sur la réflexion fourni par le philosophe Georges Camguilhem dans son ouvrage classique "Le normal et pathologique» avec la théorie et Ia pratique psychanalytiques, en pensant comment ces concepts iimprégnent la fois la construction la théorie de la psychanalyse freudienne comine tne direction de traitement. Ainsi, il est proposé ’établir des similitudes et des différences entre ces deux cadres théoriques. en insistant sur Timportance de ce débat pour comprendre léthique psychanalytique. MOTS-CLES: Normale. Pathologique. De l'éthique. De la psychanalyse. Recebido em: 24-04-2012 Aprovado em: 05-05-2012 Psicanétise é& Barroco em revista v.10, n.2 : 62-73, dez.2012 2 Claudia Ciribelli Rodrigues Silva (©2012 Psicanélise & Barroco em revista w.psicaneliseebarroce.pr Nuicleo de Estudos e Pesquisa em Subjetividade e Cultura ~ UFIF/CNPg Programa de Pos-Graauacio em Meméria Social - UNIRIO. ‘Memeria, Subjetividede e Cacao. wwwv.mameriacocial.pro.br/areposta-ar revista @psicanaliseeberroco.pro.br wwnv.psicanaliseebarrece,pro.br/revista Psicantilise & Barroco em revista v.10,n.2 : 62-73, dez

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