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al Fivcetts Asticemen BaRonncn 2. ,_,, Hell Abita Bamoonen \ 0 PULSAR DO COTIDIANO 2 DE UMA ESCOLA DA INFANCIA Fablo Mazzonecto wceves Aeeuteien Baronnca lenece ABELLEIRA BaRDANcA © 0 PULSAR DO COTIDIANO 2 DE UMA ESCOLA DA INFANCIA Trabut fio: Cont TRANSLATIONS ‘editora “Tilo do original: Fl ltido de wr aula inf: elogio de la cotidunidad Copyright © 2020 by Octaedro Rditoral - Rose Sensat pulsar do cotidiana de wma escola da infancia Copyright © 2020 by Phone Editors ua Rul Barbosa, 408, CEP: 01326-010 Bela Vist — Ste Paulo ~ SP Tel: 11) 3141-1033 Sie: www phorte-com br E-mail phote@phortecom br "Nenhuma parte deste lio pode ser reproduzida ou iransmitida de qualquer forma, ‘sem autorizacdo previa por eserto da Phorte Editors Lida, ‘CIP-BRASIL, CATALOGAGAO NA PUBLICAGAQ SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B2z2p Bordanca, Angelle Abelleira ‘© pus do cotidiano de uma escola da infancia/ Angelle Abelleira Bardanica, isabel Abelleira Bardanca ;tradudo Goal Teansltions (Firma), - 1. ed. -Séo Paulo : Phorte, 2020. 382 pil; 24em, ‘Tradugto de : El laido de un aula infantil elogio de la eotidiantdad Incl bibliografia ISBN 978-65.990174.6.9 1. Faueacao infanil - Aspectas socials. 2, Autoconhecimento 1. Bardanca, Isabel Abelleira. Goal Translations (Firma). 1 Titulo, 20-65216 ep 372.21 DU: 3733 Camila Donis Hartmann - Bibliotecn phoa7s. RETA Ete iva fo avaiado ¢ aprovado pelo Conselho Editorial da Phone Faitore Tapresto no Brasit Printed in Brazil A Castlda, Julia, Manuel, Matco ¢ Olivia, ga ossus sobrinhos. que nis svabinane a ezcla dis con! «sti despreocupsda sincer dad 48 pessoas amigas que mos ennquecen ‘com o que [az 0 seu coracdo pi PREFACIO A EDICAO BRASILEIRA EscuTe o coxiiano de uma escola da infancia, Senet e escute Depois silencie eescute Mais tarde, silencte e escute ‘Aoamanhecer, silencie e escute... ‘Ao entardecer, silence e escute Ao anoitecer, silence e escute. ‘Agora, permita que a sua escuta esteja no compasso das batids do seu coragdo, Fescute demorado. Porque o coridiano de uma escola da infamcia precisa de tempo para poder pulsar. Entao, a0 tempo, fazemos um pedido: Salve a intereza da infancia, Salve a lucidez do educador. Tempo, tempo, empo, Salve a poesia dos encontros. Salve a misica do encantamento, Salve a esperanca dos comegos Salve a coragem do inédlto. Salve 0 confronto, o assombro € o outro ‘Tempo, tempo, tempo, Salve a ormagao da forma, Salve a memoria do esquecimento, Salve aalegria da anestesia Salve as criangas da pressa. Salve o que foi sentido e vivido nos encontos de todos os dis Salve as escolas da escolarizacao. Salve as criangas da adultizagio da infaineta Salve o tempo E se por acaso, por distragdo, o seu tempo insistirem correr apressado, Pare, silence, escute elembre-se: Dentro da escola da inftncia pulse 0 coracio de uma crianca os Rew Professora, pedagoga e cordenadora formativa PROLOGOS Floresta ProttTora: Coracio Dé Ouro Beaute Teva Marc ano Professora, histoviadorat da arte ¢ formadora de professores ‘Ao ebservar imagens da floresta amaz6nica ha cinguenta anos e com- paré-las com as de hoje, vé-se de imediato a perda de massa florestal, a auséncia arvores, a8 zonas vazias, desmatadas. E toma-se consciéncia apos: a devastacdo, a auséncia. Entao, percebe-se o problema. No entanto, se um observador viajasse de helicoptero pela primeira vvez ao longo da Condilheira Cantabrica, veria uma paisagem verde ¢ com- ppacta, Nao sentiria perda alguma, perceberia uma massa verde tinica endo teria consciéncia de uma caréncia real e erescente que, de fato, ocorte. Os eucaliptos tém substituido o bosque originale, slenciosamente, tem tomado © terreno. Ha wma austneia dréstica desse bosque primitive de fhias, car- valhos, aveleiras, bétulas, azevinheiros... Mas, do alto, nao se percebe. (0s eucaliptos, como substitutes, no lugar do verdadeire bosque, tiram a di- versidade, absorvem a riqueza do solo, empobrecendo-¢ simnplificando-o E, o que € ainda pior, tamparn os buracos e fazem esquecer a perda Do mesmo modo, na sociedade atual, nas relagdes humanas, sociais, pessoats ¢ coletivas e em ambitos diversos, tem ocorrido uma substituigio do real, do autentico, do vital, do que nos toma tinicos, por substitutes de experiéncias globalizadas, homogéneas, virtuais, ficticias... E, como ja disse co grande Ramon Gomez de la Serna, *ai do dia em. que todos os substitutos se tomnem insubstitutveis!” ‘Aeducacao ndo esté alheia a esse fenémeno preocupante que avanca de ‘um modo invisivel ao nosso redor, As necessidades reais da infancia, de meni- nas ¢ meninos, estéo sendo suplantadas. E isso ndo ocorre somente no campo do tangivel, do matertal, do mensuravel, mas, também, em especial - 0 que € anda mais grave -, no terreno do patrimdnio imaterial: da cultura, do brincar, das tradigoes, das relagdes, da comunicacto etc. Brincar j4 no é brincar. Os Jongos tempos necessérios para crescer esto sendo invadidos por jogos vit- ‘ais, a estimulagio precoce dos pequenos acaba com o tempo da infancia, ea imposigao de tradigdes que nos s4o alheias vio avancando por todos 0s lados Por tudo isso € muito mais, a leitura deste novo livto das irmas Abelleira nos mostra algo to valioso, tao necessario € tao prioritério, Porque € uma chamada ao auténtico, ao real, a0 verdadeiro, ao que reside no nosso coragio, ‘0 que nos move € comove, em sintonia com nés mesmos, com 08 demais e como mundo em que habitamos, Recorda-nos — com um estilo claro e direto, provocador ¢ inspirador -, desde a primeira linha, o sentido real do nosso trabalho, da nossa vocacio, ¢ nos ajuda a diferenciare sepatar 0 joio do trigo. (Os substitutes se diferenciam por serem clones indiferenciados, ¢ este livro considera como um tesouro o que nos diferencia, o que nos torna dife- rentes, no autentico ¢ no diverso, E comovente, emocionante, esperancoso, sentir ¢ seguir o texto no qual estas autoras, de forma firme, valente, clara e ptofissional, abordam a necessidade de recuperar o senso comum para yecordar onde esta o nosso centro, 9 nossa eixo, o nosso foco: nos meninos: ce nas meninas, que sto o fim do nosso trabalho; o fato de compartilharmos juntos sentimentos, aleigdes, aprendizados, por meio dos quais sentimos ‘que existimos. Para conhecermos a nés mesmos, sabermes do cotidiano, do que nas € proximo, do que nos rodeia e de quem nos rodeia. 1a criangas na educagio infantil que ouviram falar da vida psicéxica de Van Gogh ou sobre esperangas, famas € cro- ‘n6pios," mas nfo sabem como se chama 0 seu pai ov a sua ime, © ntimero da casa onde moram, o tamanho de oupa que vsam, abrir um iogurte ou descascar uma banana. Partindo da linda metafora da forga do coragio e de suas batidas como motor € centro do que nos comove, do que gera vida, este livro € uma tei- -vindicacio do cotidiano como ponto de partida, Ele nos fala do mundo real, do qual cada um de nos deve aprender de forma diversa, tnica e diferente. uma bela ligdo sobre como abordar yma “disciplina” to séria e essencial como é aprender a viver, e, no entanto, to esquecida pelos livros e pelos manuais. Abordé-la desde a primeira infancia, com a firmeza e a patio que ‘Livro nos apresenta, entendendo a seriedade de levar a vida como somente ‘05 meninos e as meninas sabem fazer: com complexicade, com respeito por cada individualidade, com o frescor de abrir as portas a0 cotidiano, ao ines- perado, ¢ sem perder com isso uma pitada de rigor e de fundamento. Tudo ‘isso, € muito mais, ¢, sem ditvida, o que encontraremos ao ler este livro: como garantir as bases para um aprendizado que vai durar a vida toda. © “Conhece-te a ti mesmo”, que Plauio ja indicava, no esté nos conjuntos de temas ase tratar na escola e, no entamto, &0 eixo essencial que vai determinar como percorreremos o caminho de toda a nossa existéncia como pessoas. A felicidade de aprender do mundo real nao vem de fora, Vern de nos rmesmos ¢ funciona como 0 movimento de sistole ¢ de diastole do coragao: "EN. do E.: coneeito criado pelo escritor argentino Julio Cortazar na obra Historias de cronopios ¢ de famas, Refere-se 2 seres verdes ¢ Smmicos. tudo surge de 6s para colocar para fora, de onde nos volta maior ainda, com maior complexidade ¢ mais ricos em experiencia Fote livro € urn leque multifacetado de demonstragies rigorosas, for mais e poéticas do caminho que se encontra aberto para todes, e nos lembea de que, sem coracio, nada € posstvel. Amar 0 que fazemos, aprender jun- tos, sermos flexiveis, dar o melhor a quem espera tudo de voce, olhar com ‘esperanca ¢ com confianca, querer sem julgar, sem classificar, sem avaliar, ‘pressupde agir como guias, mas ndo como salvadores. Porque cada um é li- vvre no caminho do autoconhecimento, “Exercitar 0 aleto conscientemente”, ‘como as autoras nos dizem, come base de todo aprendizado, 6, ainda mais nos tempos atuais, um ato de posicionamento e de valentia, implicando uma bela provocagio. Porque a sociedade atual se move ¢ oscila entre a frieza das relagdes e o sentimentalismo piegas, substituto da auséncia de um verdadeiro coracao. ‘Como disse 0 pedagogo Viceng Arnaiz, para poder ter tensdo cogniti- va, € necessario ter calma e seguranga afetiva. Nosso papel, como docentes, € 0 motor gerador de um olhar atento, © olhar esperangoso de uma professora pode ser deter _minante para o futuro de um meine ou de uma menina, Se estivéssemos conscientes disso, talvez nao perdessemos tanto tempo forrmulando questées, aprendende a elaborar criterias de avaliagdo ou buscando como medir os domi- nios de competéncias Se ha palavras que podem definir a esséncia desta obra, para mim, a primeira seria coeréncia, porque conecta ¢ liga, de modo magistral, a esstncia, 0 pensamento, com a forma e a ago concreta, Isso significa que, no livro, percebe-se, de modo tangivel, a coesto, a engrenagem impecavel entre o dizer, o pensar, © sentir ¢ 0 fazer, em uma demonstragao de rigor € de responsabilidade no trabalho diario que enobrece ¢ engrandece a nossa profissao e, depois de Ié-lo, nos reivindica com orgulho, diante de nés mes- mos ¢ dos demais, o que significa a vocacao de ser docente, Outros termos que para mim caracterizam esta obra sao valentia e sinceridade. Ler este texto € algo que provocs, inspira, com toda a forca a palavra coerente, plena de sentido, Afirma-nos da importancia do nosso papel como docentes, como caalisadores, como referencia, como guia, le- vantando uma bandeira: a da nossa forga € da acao consciente e ativa. Sem ser siiditos, nem criados, nem carrascos das ideias dos outros: + Nem das press6es da etapa de ensino fundamental, que, em certas, ‘ocasites, pretende que as ctiangas passem por um “exame final da educagao infantil’, com alguns conhecimentos que em nada nos interessam, e isso antes de entrarem no primeiro ano. + Nem de fichas didaticas, com atividades sem sentido, somente a servigo de uma ideclogia nica, alienate, cliché e mercantilista, + Nem das modas, das metodologias ¢ das atividades ludico-festt- vas importadas, desconectadas do nosso mundo, globalizadoras, alheias a n6s, ao nosso contexto ¢ aos interesses reais da comuni- dade educacional. Isabel ¢ Angeles nos alertam e nos ajudam a diferenciar 0 falso do auténtico, © externo do interno, 0 que & vago € falso da esstncia coerente @ plena de sentido. Auxiliam-nos a distinguir 0 verdadeito coragao, que move ¢ impulsiona, dos substitutos,tolos, sentimentaloides, cliches carentes de sentido que nos rodeiam e que, de modo sutil e interesseiro, inserem-se centre nés. ‘Nao nos esqruecamos de que toda moda ou metodologia que vem de fora e nos ¢ vendida como inovadora tem sempre uma ideologia que subjaz sem palavras, E, rmuitas vezes, tende-se a adotar essas modas sem reflexto previa, seja por falta de tempo, seja por boa-fé. Porque subjaz, de modo nao verbalizado, no nosso cantexto que seremos melhores e mais importantes profissionais se nos modernizarmos a todo custo, com propostas vindas de qualquer lugar. Assim, torna-se quem as segue em siditos e em carrascos de um imaginario abstrato, de vocabulario pomposo, que mede a infancia € a restringe a um critério prosaico, igndbil ¢ empobrecido, que munca vai a esséncia das necessidades auténticas das criangas € jamais explora as miltiplas capacidades de um individuo, sempre nico e diferente dos demais. Nesta obra, as irmas Abelleira nos tevam a nao adotar modas por si 36, mas a refletir profunda ¢ rigorossmente sobre tude aquilo que € intro- uzido na escola, a buscar a sua esséncia oculta, seu porque. E, em especial, estimulam-nos a nao perder o norte, a seguir a crianga, ¢ nao 28 programa- «Ges (de uma citacdo extraordinaria que incluem de Loris Malaguzzi), a nao nos deixar levar por quem nos vende ilusdes carentes de sentido, Ha, neste livto, uma chamada a tomar o pader pela escola, pelos pro- fissionais, educadoras e educadores que somos, a nos empoderar na tomsda de conscigncia e de agao intencionada e seletiva de tudo aquilo que os meios nos irazem. Tudo isso para intervir de forma critica. Ser um filtro meditado € protetor, um guia no caminho, para evitar o fazer por fazer, em uma espiral sem sentido, o que outros desejam que fagamos. Em consondneia com essas reflexes, as autoras nos convidam a set- ‘mos criticas com uum aspecto que também sucumbiu em muitas ocasies & bbanalizacao ¢ « artificios. Nos nos referimos ao espaco educacional, chamado teroeito educador. Angeles e Isabel nos alertam, com muito senso comum, sobre uma realidade crescente: 0 risco de transformar o espaco escolar em ‘uma linda decoracao, um mero elemento extemno, que vende uma boa ima- gem para exterior, mas que pode ficar nisso, em turn catdlogo de decoragio, em uma simples imagem aparente, que carece de significado ¢ se toma, assim, um pouco mais do que um censtio falso, quase vireual. Aqui, ndo {quero retirar nem um pouquinho da importancia que o ambito do ambiente escolar € a sua intervencao profissional tem, mas isso deve se dar sempre em prolunda coeréncia com a flosofia educacional. Sim, desejo, porém, fa- zer uma teflexio sobre o risco de ficar apenas nas aparencias. Nessa linha de pensemento, ha, no livro, uma lembranga emotiva, sugestiva ¢ linda a Don Gregorio, o professor de A lingua das mariposas,® que dizta que se pode ser docente a beira do rio, na montanha ou nos momentos mais intimos, N40 importa onde, mas como. As irmas Abelleira tratam de temas que sao classicos sobre a identi- dade da nossa etapa de ensino ¢ que tem sido nosso campo de batalha na educacto infantil hi muito tempo, mas dos quais € necessario fazer uma revisfo a Inz das novas correntes tecnocratas que imperam. Ganhos que, ha alguns anos, eram considerados assegurados na etapa 0-6, como a nossa propria identidade; o fato de ndo estar subordinada aos objetivos do ensino fundamental; o afastamento de fichas de atividades ¢ livros desnecessirios; a aproximagao de paradigmas interativos, construtivistas etc, tudo isso volta a estar nas entrelinhas. Expresses que, ha alguns poucos anos, nao eram ver- Dalizadas, ou teriam feito enrubescer, hoje sSo expressas abertamente. Tado isso indica que hé um avanco silencioso de paradigmas profundamente tea- ciondrios que, em vez de serem expressos abertamente, passam por nos sem «querer, em formas aparentemente inocentes. Poucas vezes tivemos a oportunidade de escutar falar de questdes t40 necessarias de modo tao claro e com um nove olhar. Assim, sto tratados assuatos importantes, como: o que representa programar com base nos in- teresses dos meninos ¢ das meninas; qual o sentido de preparar os temas de antemao; a postura sobre os cadernos de atividades; 0 que é trabalhar em 2N. do E._ filme espanhol de 1999, dingido por Jost Luis Cuerda, adaptado de tres ‘contos do livro Que me quieres, amor?, de Manuel Rivas. Ambientado na Guerra Civil Espanhola, nium povoado galego, a histéria taz a rlacao professor-aluno que ‘vai além da sala de aula: pata a vide, equipe; a relacdo com o ensino fundamental; a relacao com as familias; 0 nosso papel como docentes, o uso de tecnologias; o que significa avaliar ec. O rigor ¢ 0 amor ao conhecimento so outro eixo que me impacta e me faz refletir ao ler esta obra, Partindo, no primeiro capitulo, de um posi cionamento acerca dos seus principios de filosofia educacional, de intencao € de reflexdo, 0 livro oferece, nos capitulos seguintes, uma multiplicidade de exemplos de vida e de acko didtia em classe, Com isso, é realizada uma demonstracio palpavel, esmagadora, indiscutivel ¢ rigorosa ~ para aqueles que ainda duvidam disto — de que a vida néo pode ser programada, mas é a fonte, por exceléncia, de todo aprendizado; de que nao ha armadilha nem problema em escutar 4 riqueza do cotidiano, que nao faz falta impor temas pré-pensados, mesino que sejam suavizados com nomes atraentes, infanti- lizados. Aprender com a vida didtia é deixar e permitir, é abrir as portas ao que a incerteza nos apresenta, ao que chega na escolaa cada dia. E isso nto € improvisar, muito menos ir sem rumo nem guia, na tealidade, é totalmente © contririo, Angeles e Isabel nos mostram o qudo importante é ter esclarecidos estabelecidos certos critérios de intervencao e de acto que, como um eixo, como um leque de possibilciades, estrururam a agao disria E sensato e oportuno, tranquilizador, escutar as palavras das autoras sobre & norma, a Tei oficial dos pris fpios educacionais da etapa, que nos avaliza e nos ampara, protege-nos, o texto oficial, que em nada se contradiz em relagdo a uma pedagogia que parte do conhecimento de nés mesmos € dos demais. Fm terapos obscures, nada melhor que buscar a protecao da teorta ¢ do texto fundamentado, Também nos vem 4 meméria o pers- picaz relatdrio de Delors, escrito por volta de 1996: aprender a conhecer, a ser, a viver, a fazer. Porém, os “requerimentos documentais realizados” tem violado esses principios. Extenos, artificiais, que sustentam uma filo- sofia educacional barata, rerograda, que nao se sabe de onde nem de quem procede, fontes documentais incertas ou inexistentes, que somente perse- -guem o adestramento, o controle ¢ a homogeneizacao. ‘Como nos disseram as autoras com lindas palavras, © fio condutor da dldatica infantil nao pode ser nem a ane, nem a musica, nem a literatura, nem as emogbes, nem as 4reas, nem as competéncias, nem a matematica, nema lingua (O verdadetto etxo deve ser o conhecimento de si mesmas e dos demais, do local que habitam ¢ do que ocorre rele Olivto também ¢ um tesouro raro, por nanar, por descrever com rique- zade detalhes o decorrer do diaa dia na sala de aula. E uma delicia ler e seguir ‘0 cotidiano, as mrudanas ¢ 0s interesses didrios de um grupo de criangas ¢ de sua professora, as dividas, as mil perguntas, um mundo ~0 nosso = povoado de temas fascinantes: as pegadas no chao, a primeira palavra pronunciada, 2s posturas ao dormir, o que levamos nos bolsos, os mapas das viagens, buscado- res de versos nas ruas, 0 colega ausente, a rosa dos ventos.... Um sern-fim de propostas que nos movem a utilizar todos os meios ao alcance para satisfazer ‘0 desejo de conhecer e saber, a convocar todas as linguagens expressivas, 0 objetivo ¢ o subjetivo, o concreto ¢ o abstrato, a sermos cientistas € artistas, a admitar a poesia, o sabor de uma fruta, uma melodia ou o aroma do pio, ‘em perfeita harmonia com a verificacao € a comprovago em tabelas, mapas & interpretacio de guias em mil e uma experitncias diferentes. Na linha dos diatios de classe, como faz Paulo Freite, Mario Lodi e nossa querida amiga Matt Carmen Diez, com quem tenho o prazer de com- parilhar este prologo, descreve-se 0 viver cotidiano para mostrar como 0 inesperado, o casual, entra e flui pelo sistema venoso do coragio da escola, para nutri-lo de paixao e de seriedade, de conhecimento, de redes, de afetos, ‘em resumo, para enriquecer ¢ encher de complexidade e rigor, de razdo ¢ coragto, o fluir da vida didria em wma escola infantil Em €pocas precedentes, as professoras ¢ os professores sabiamos distinguir o retrogrado, os paradigmas da escola conservadora. Hoje, esses setores, revestidos de teenocracia, tém-se tornado infames, astutos. E ne- cessario estar mais alerta do que nunca, pois 6 substituta ¢ o falso coragao estdo dobrando a esquina, Fazem proprias as palavras de grandes pedagogos para nos vender como boas agdes de usurpar a infancia. Sabem se escamo- tear, escondem-se sob disfarces de aparente modernidade. Os paradigmas positivistas, de ideologia liberal, est4o entre nds e, como no conto infantil sto lobos disfargatlos de vovozinha, ou, talvez, sejam os homens de cinza de Momo, que nos vendem um sistema suavizado que nos diz 0 que fazer com ‘0 nosso tempo e com a nossa vida. A ausencia do brincar, a competitividade ‘ea vida antficial sto seus emblemas. Quando escutamos, com aparente ino- céneia, 0 quanto € positive para uma crianca pequena aprender na escola, © mais cedo possivel, comperencias proprias dos adultos, temas que Ihe sio alheios, para que, o quanto antes, se tevele como um grande esportista, miisico, pequeno empresario, programador de informatica etc, € muito facil cair na armaditha! E talvez pensemos: “Por que nao? Por que nfo o quanto ‘antes? Se eles gostam”. Lembremos, no entanto, que o tempo que se passou um tempo roubado de infancia, o tempo feliz para se perder ganhando-o, para sermos nés mesmos com toda a liberdade, sem limites nem fronteiras sobre o convenienté ou © oportuno, Esse tempo, se nao € concedido, nao re- tora jamais. E tert graves consequéncias na esséncia futura ¢ irrecuperavel do que nos torna humanos 2 N, do E. altsao a0 romance infancojuvenit Momo, escrito pelo alemto Michae! Ende, publicado originalmente em 1973. Nessa obra da literatura fantastica, a pro- tagonista é Momo, uma menina encontrada nas ruinas de wm anfiteatro, que, além de ser analfabeta, ndo sabe de suas origens, mas tem uma grande habilidade de es-

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