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Copyright © Carlos Rodrigues Bréndio Capa: 123 (antigo 27) Artistas. gréficos Musiragées: André Cotrin Reviséo: Heitor F. da Costa José E. Andrade 01223 — r. general jardim, 160 sfo paulo — brasi a PESQUISAR-PARTICIPAR - Carlos Rodrigues Brandao PESQUISA SOCIAL E ACAO EDUCATIVA: conhecer @ teali- dade para poder transformé-la - Rosiska Darcy de Oliveira ¢ Miguel Darcy de Oliveira (IDAC) CRIANDO METODOS DE PESQUISA ALTERNATIVA: aprendendo a fazé-la melhor através da ago - Paulo breire ASPECTOS TEORICOS DA PESQUISA PARTICIPANTE: con- sideragdes sobre o i cipacio popular - Orlando Fals Borda jcado ¢ papel da cidncia ne parti- A CONDUGAO DO TRABALHADOR = Comissio de Transporte 4a Pastoral Operdria da Diocese de Nova Teuacu SALARIO E CUSTO DE VIDA: pesquisa dos wabalhadores ~ Fquipe da Acao Caidlica Operéria do Recife O MEIO GRITO: um e valor e a trabalho popular associados ao problema da salide 1 Goids - Equipe das comunidades de base ¢ de agentes da Diocese de Goids > sobe as con .5¢s, 08 direitos, 0 PESQUISA-CONFRONTO SOBRE CULTURA POPULAR: Ii ‘gbes de uma experiéncia do setor piblico - Ivandro da Costa Sates a4 a2 63 86 130 199 moradores da periferi ue, ccmo. 08 utp, de que s std Berthold Brecht Desse mundo desencantado, os deusés se exilaram, —\ mas a Ruzio conserva todos os PESQUISAR - PARTICIPAR Carlos Rodrigues: Brandéo Este € 0 primeiro livro de uma pequena série de escritos de vérias Pessoas e grupos esparramados pelo Mundo e que fazem, de algum a de compromisso popular, 0 seu modo e o ‘ar nele, Deste livro em diante os textos da colegio — itos nas linhas de frente — outra coisa senio dizer, do modo mai as idéias, as situagdes e os instrumentos do se pensados, criados ¢ vividos. A primeira colet to a respeito da qi ida uma ques- mais procuras, proceso mais p Os texios de Pesquisa Participante so 0 que foi possivel reunir até agora, de tudo 0 que jé se fer © escreveu sobre uma modal nove de conkecimento coletivo do Mundo e das condicaes de de pessoas, grupos ¢ classes populares. Coah coletivo, a ps de um trabathe, que recria, de dentro para fora, formas c dessas gentes, grupos ¢ classes participarem do dircito ¢ do poder de CARILOS RODRIGUES BRANDAO (org) pensarem, produzirem ¢ dirigirem os usos de seu saber a respeito de si préptias. Um conhecimento que, saido da prética politica que torna possivel e proveitoso o compromisso de grupos populares com grupos de cientistas sociais, por exemple, seja um instrumento a mais no reforco do poder do povo. Poder que se arma com a participacao do intelectual (0 cientista, 0 professor, 0 estudante, 0 agente de pastoral, © trabalhador social e outros profissionais militantes) comprometidos de algum modo com a causa popular. Por toda @ ps ida vex mais evidentes de que alguma coisa devia ser feita, Quanto mais rigorosos para com a sua ciéncia, tanto mais os ci quietantes que se comeca ou continua a ter depois que a pesq| feita © tudo parece, em teoria, tZo perfeito. Para o qué serve hhecimento social que a minha ciéncia acumula com a participagdo icu trabalho? Para quem, afinal? Para que usos ¢ em nome de poderes sobre mim ¢ sobre aqueles a respelto de quem, © que eu conhego, diz alguma coisa? Pior ainda. Aqueles cujas pesquisas “de realidade social” preten- dem estar integradas em projetes — ou seja ld 0 que for de “pro: , “desenvolvimento social", “iransformacio de es pouco a pouco descobrem ariimanha cticamente safada ¢ politicamente imposts, com graus variéveis de sutileza e aparente boa f6, que sempre houve na prética do conhecimento de cicntistas © ag tes sobre: comunidades, classes, categorias, Areas ou problemas sociais| “de marginalizados", “indigenas”, Na ver- dade, até aqui este tem sido o trabalho cientifico que divide o mundo sobre 0 qual realiza a pritica de “conhecer para ugir” em dois lados opostos: © ledo “popular” dos que so pesquisaclos para serem conhe- cidos e dirigidos, versus 0 lado “cientifico”, “técnico” ou “profissional’ de quem produz 0 conhecimento, determina os seus usos ¢ dirige “o povo”, em seu préprio nome ou, com mais freqéncia, no nome de para quem trabatha, A expressio eparentemenie neutra que existe na idéia de “objeto de pesquisa", muitas vezes subordina a idéia ¢ a intengio de que aqueles cujas “vida” e “realidade” afinal se “conhece”, sejam reconhecidos para serem objetos também da Hist6ria te hd sinais fas conscientes cogavam na cabeca perguntas i No entanto, aqui e ali, entre pesquisadores © pesquisados de um lado e do outro, surgem sinais de critica. Do lado subalterno do mundo, PESQUISA PARUiIPANTE Au das culluras das genies das classes populares que habitam as comuni- dades indigenas ou rurais © vivem nas periferias proletirias, cada vez com mais forga chegam perguntas que os prdprios cientistas por muito tempo esqueceram dp fazer. Perguntas de pessoas reais, muito m do que de categorias abstratas de “objetos”, que parecem descobrir, com 1 sua prépria prética, que devem conquistar o poder de serem, afinal, 0 sujeito, tanto do ato de conkecer de que tém sido 0 objeto, quanto do trabalho de transformar 0 conhecimento e 0 mundo que os transformaram em objetos. Conhecer u sua prépria realidade, Participar da produgdo deste conhecimento e tomar posse dele. Aprender & escrever a sua historia de classe. Aprender a reescrover a Histéria através da sua histéris, Ter no agente que pesquiss uma espécie de gente que serve. Uma gente aliada, armada dos conhecimentos cientifices que foram sempre negados a0 povo, aqueles para quem a pesquisa participante — onde afinal pes- quisadores-e-pesquisados so sujeitos de um mesmo trabalho comum, ainda que com situagbes e tarefas diferentes — pretende ser um instru- mento @ mais de reconquista popular. ¢ Agio Educativa: conhecer a realidade para po- der transformé-la” € um texto quase ploneiro escrito h alguns anos pela equipe do Instituto de Agio Cultural O IDAC foi criado em Genebra por Paulo Freire ¢ outros companheitos brasileiros de exilio, ig0 foi escrito porque a pritica do grupo decafiava novos cami nnhos. Ele tenta sugerir respostas sobre #8 questoes do envolvimento do agente (cducador, cientisia, promotor social) com comunidades e grupos populares, A pergunta que o IDAC faz seta repetida aqui muitas vezes: quando se reconhece © principio de que © compromisso politico que torna legitimo © trabalho do agente junto as classes populares deve servi 20 projeto politico que a prétice destes classes realiza, como fica ‘a questio da producio de tipos de saber sobre elas, sobre 0s seus mun- dos ¢ sobre 0 horizonts do seu trabalho? Pesquisa Soci Assim como os autores de outros escritos do livro, a equipe do. IDAC faz @ erftica da pesquisa académica, soja por causa da social de uma bos parte dela, seja por causa dos seus maus sos ‘Nenhum conhecimento € neutro e nenhuma pesquisa serve teo q todos” dentro de mundos sociais concretamente desi idéia tradicional da observagéo participante na Antropologia Social pre~ | 2 CARLOS RODRIGUES BRANDAO (org.) tende cheger ao seu A participagdo nio enyolve uma atitude do conhecer melhor a cultura que pesquisa. Ela determina jentifico de pesquisa (ura clentista pa se quer conhecer porque se quer agir. Em “Criando Métodos de Investigago Alternativa: aprendendo a fazé-In melhor através da prética”, 0 educedor Paulo Freire escreve um de seus primeiros textos sobre a pesquisa par lando a estu- dantes, professores € cientisias soviais da Tanzan lo Freire. su- gere caminhos ¢ diregées de pensamemto sobre quesides de estratégia e prética de trabalhos de investigacdo da realidade social, como base para trabalho imediato de educagéo. Falando a africanos recém-libertados, ele desafia a imaginagio deles para que ali se pense um novo modelo de pesquisa social, Nao se pode abandonar # contribuigéo verdadcira que a ciéncia tem produzido. Mas se ide possui objetivos revoluciondrios definidos de transformacio de todas as celagdes de sua vida, entio & necessério que, do mesmo modo, tado o trabalho coletivo de produzir conhecimento a seu respeito seja repensado. Acaso pode colonizado que se libertou seguir conhecendo ¢ pensando 0 mundo que aoredita poder criar, com a mesma ea mesina lgica do colo- nizador? spectos Tebricos da Pesquisa Participante: consideragdes sobre pelo socislogo colombiano Orlando Fals Borda, um dos cientisias sociais hoje em dia meis diretamente participantes de tudo o que eavolve a ques tio da “investigecio participativa”, como se costuma dizer por toda a América Espanhola. Do mesmo modo como a equipe do IDAC e como Paulo Freire, ele faz a critica politica da neutralidade cientifica e propée que um trabalho politico libertador seja o critério central da eriagéo de uma nova cigneia do homem. De modo mais abrangente do que todos 0s outros autores deste livro, ele procura av: que a pritica revolucionéria tem para com a pesquisa social. Depoi de examinar as dimens6es imedialas de discute quesiSes muito coneretas a respeito da atitude a set tomada pelo investigedor, tanto por causa do que Ihe obriga a consciéncia do seu compromisso com a" {que o saber popular contém, Qualidades que a ciéncia na nova ciéncia popular, ele ‘ausa popular”, quanto por causa das qualidades icial ignora ow PESQUISA PARI ICIPANTE 5 8 examina de longe, sob grandes rétulos € que 0 compromisso que trans- forma nao s6 as idéias, mas 0 cotidiano do cientista militante, ndo pode deixar de ec ida. Chamo a atencio do leitor para os dois exemplos de usos politicos do conhecimento popular que Fals Borda lembra de descrever a0 final de seu estudo. ‘A Condugdo do Trabalhador” fol feita em Nova Iguagu, no Estado do Rio de Janeiro. Numa cidade com mais de um milhio de habitan- tes, que se despovoa de madrugada, enviando pare o Rio, Nitersi ¢ ia-os seus operirios, ¢ que os recolhe todas as tardes ¢ noites, um dos problemas fundamentais é 0 da condu- gio coletiva. Comunidades de Base pediram as equipes de pastoral po- pular da Diocese um esiudo sobre o assunto, Elas se responsabilizaram pelo trabalho de pesquisar as condigies do transporte do operdrio, cer e tomar como ponto de p outros polos préximos de ind: assinam a introdugao do estudo. Te tamente, vam, quanto aos projetos de aco resultantes. “Saldrio € Custo de Vida” é ums outra pesquisa col partiu de discusses e necessidades de operétios moradores de favelas. Em todes as suas etapas ela foi conduzida por operérios de Recife Olinda, a maior parte deles militantes da Acio Catdlica Operiria. Eles contaram com a supetvisio de um socislogo. Por devisio coletiva foram escolhidas duas com! feria de Recife. A\ meros da renda fa ido “das bases” a pesquisa voliou a elas ¢ serviu dire- cussio do problema, agora com os dados que falta- iva cuja idéia idades da. peri. foi feito um criterioso levantamento sobre os d= i dos moradores € sobre as suas estratégins de consumo, De w uumo que o dinheiro de ume familia de ope- do Nordeste do Bra: A preoeupagio da equipe a0 redigit um relatério, foi a de torné-lo um documento didé- fico claro e direto quando devolvido as bases de onde surgin a idéi de conhecer os nimeros da vida das gentes faveladas de Pernambuco, Nio hé nenhume diseuss4o te6rica como as dos atrazoados da pes- quisa académica. © seu lugar € ocupado por quadros ¢ graticos que procuram, mais do que apenas descrever uma realidade estudada, en- sinar — entre iguais — como ele deve ser ido “O Meio Grito” € um outro exemplo de pesquisa coletiva popular. Entre os que sZo apresentados aqui, ele é também 0 Unico exemplo de sinda permite exi 4 CARLOS RODRIGUES BRANDAO (ors.) ante realizada entre camponsses do A idéia de investigar “as condigdes ¢ os diteitos do povo & sade” nasceu do tabslho das “comisses de satide” esparramadas entre peri- ferias de cidades € “patrimdnios” da Diocese de Geis, Grupes forma- lavradores, lavradoras, lavadeiras, sub-empregados de “ponta queriam conhecer os seus direitos diante de servicos piblicos servigo hé alguns anos, que escrevesse uma ~ Alguém sugeslu até mesmo o nome: Lamparina, porque, pelo menos sabre os problemas dos cuidados do corpo, como uma luz pra alumiar 0 nosso cami © inédico devolyeu 0 pedido com a idgia de uma pesquisa, que tornasse uma questo pouco conhecida em um conhecimento participado. relat6rio de “O Meio Grito” saiu em duas verses (alguma coisa como os “dois niveis” de que fala Fals Borda em seu artigo), Um deles foi dirigido aos agentes de pastoral ¢ a outros profissioneis militantes envolvidos a servico dos lavradores da regiiio, O outro foi escrito com a participagio direta de lavradores ¢ para eles. Retornou aos grupos de onde veio ¢ foi, durante algum tempo, um instrumento a mais no forta- lecimento de grupos populeres na regio. © leitor deve ter percedido que a quase ‘otalidade dos estudos apresentados até aqui lem a ver, de algum modo, com trabalhos de pastoral da Igeeja Catélica, Isto se deve a que, fora casos de excesio, no Brasil € no cruzamento entre a prética popular dos movimentos de bairros de petiferia, de operdrios ¢ de camponeses © a pastoral popular da Igreja, que foram realizadas alé agora quase todas as expetiéncias pioncicas de pesquisa participante, No entanto, isto no significa que a idéia seja uma descoberta feita neste “cruzamento” € nem que a sua . De toda « parte ¢ a partir das mais diferentes expe- contextos de compromisso entre classes po- is militantes, surgem ¢ crescem iniciativas de néo apenas criar um novo tipo de conhecimento que oriente a prética poli- tica de operdries ¢ cemponeses, mes tembém de produzit os seus pro- prios instrumentos de producio. Os trés primeiros estudos do livro su- getem outras dimensées e outros cruzamentos para a prétice da pesquisa participante. 10 sobre Cultura Popular” teata ser uma expe- Higncia de envolvimenté entre sujeitos do povo cientistas sociais, no Governo, de onde u.timamente (ou secu mos a esperar nada de bom, leitor, pelo menos Por isso mesmo o mais importante do rel fromto € justamente a confisséo das dificuldades ¢ contrad tradas, de etapa em etapa, para tornar verdadeiro 0 tr “Observacdo Participante”, “Inves Anvesligagdo Participativ isa dos Trabalhadare le, procede de origens, € parece aponiar para aqui € novo ainda e esté muito longe de ter s, 6 preciso perguntar se, entre seus autores © pratic fato “detinie” alguma idéia ou tomar «: ica de trabalho popular através dos inst Pesquisa Panticipante é um dos primeiros livros que rednes sobre 0 as- Em portugues é cado por Michel Thiollent: Critica Metodolégica, Investigagao Social ¢ Enquete Operdria (Polis, Sio Paulo, 1981). Em Portugal foi e na outra colet@inea de iniimeros artigos, alg muito semethantes és que foram eseritas para tase de Citncia ¢ (independénci 10 seja 0 Lisboa, 1980). Pequeno livio de exiremo valor: Causa Popular, Ciéncia Popular — uma metodologia do conhecimento cientifico através da ago (Publicaciones de Ia Rosca, Bogoté, 1972). Um socidlogo holendés, Anton de Schutter, que trabalhe atualmente no México, no Centro Regional de Edueagdo de Adults ¢ Alfabetizacién Funcional para América Latina, escreveu uum dos mais longos € completos estudos sobre a questio: La Investi- gacin Participativa en ta Educacisn de Adultos y a Capacitecion Rural (CREFAL, Pitzcvaro, 1980) 16 CARLOS RODRIGUES BRANDAO (org) Fora 0s poucos livros, hd artigos esparramados, cada vez mais, por toda parte, Alguns deles sio publicados em revistas de cireulagao mais ampliada, outros, em folhetos mimeogratados, em documentos que circulam apenas no dominio popular onde foram pensados, feitos © escritos. Chamo a atengao do leitor para eles. Caso Pesquisa Participante ajude 2 provar que os sonhes e Os tra bathos de que aqui se fala sfo verdadeiros e podem ser Gieis, € pensa- mento das pessoas que participaram desta primeira coletinea de relaté- rios, idéias € confiss0es, reunir mais adiante um outro conjunto de escritos em um outro livro. PESQUISA SOCIAL E AGAO EDUCATIVA: conhecer a realidade para poder transforma-la Rosiska Darey de Oliveira (IDAC) Miguel Darcy de Oliveira {IDAC) © presente texto 6 uma versio revista de um trabalho publicado em 1973 na Sulga, come néimero 10 dos Docuntents IDAC, scb 0 observall ante, une alternative socislogique”. O texto original fem francés foi traduside © publicado no Brasil em 1978 pela Edltora Tempo e Presenca como suplemen- to a 20 aos cadernos do CEI, Rio de Janeiro. POR QUE PESQUISAR A REALIDADE SOCIAL? Para a grende maioria das pessoas a palavra pesquisa vem sempre associada & elaboracio por especialistas ¢ estudiosos de volumosos © absirates trabalhos cic: icos, que iratam de temas complexos e, por nguagem inacessivel ao comum dos I, de universitario, que no tem isso, devem ser redigidos ni is CARLOS RODRIGUES BRANDAO (org) comprovar, diante de seus pares, sua competéncia e ser recompensedos com os diplomas ¢ honrarias acedémicas, O destino destes trabalhos € quase sempre as gavetas e estantes das jotecas universitécies onde sua tranqillidade s6 sér4 perturbada, de vez em quando, por outro estudante em busca de referéncias ou citacdes comecaram a se generalizar estudos da real ivos agora muito mais precisos e utilizaveis. Insti- Je agncias govemamentais até corporagées multina- \do € patrocinado projetos de pesquise cada vez mals objetivo € conhecer as condigées de vida, pautas de aidos ou enti considerados, pelcs donos do poder, como propensos 4 compos 10s rebeldes © contestatérios, Nos paises da América Latina, aram-se as pesquisas sobre as populagées indigenas, sobre grupos de favelados ¢ de moradores da periferia das grandes cidades, sobre operdrios industriais € estudantes, Nos Estados Unidos, especialistas des mais varindos ramos das ciéncias socisis se debrucarem sobre 0 comportamento das minorias cas, enquento que na Europa ocidental o foco passou a incidir sobre os grupos que 4 m 0 consenso e a ordem estabelecida como os jovens, as srados, os grupos de bairr (05. moviment stas, etc. As temftieas que sfo objeto de estudo variam segundo cada contex- (0 s6cio-politico mas, por toda parte, um mesmo padrao de comporta- mento é adotado pelo pesquisador em relagio ao objeto de sua pesquisa: sio sempre os oprimidos e os contestatérios que sio identificadcs, ana- lisados, quantificados e programados de fora pelo pressor ou por aque- les que 0 representam. Sto sempre aqueles que detém o saber e © poder social que, com o autitio dos instramentos cientificos, determinam uni- lateralmente 0 que, como € quando deve ser pesquisado e que decidem sobre o destino a ser dado ou 0 uso a ser feito dos resultados da pes- quisa. Os grupes “observados” ndo tem nenhum poder sobre uma pes- quisa que 6 feita sobre eles © nunca com eles. Para o pesquisador, tais grupos séo simples obdjetos de estudo e pouco se Ihe importa que os PESQUISA PARTICIPANTE p dados © respostas colhidos durante a pesquisa possam ser utilizados pelos que financiam o seu trabalho para melhor controlar os grupos que amea- gam a coesilo social, Na verdade, 03 problemas cstudados néo sio nunca 0s problemas vivides ¢ sentidos pela populacdo pesquisada. E esta po- pulagdo em si mesma que ¢ percebida ¢ estudada como um problema dor ¢ domesticedor no é 0 ds ciéncias socis do ponto de vista dos que querem transformé-la, Em nosso trabalho no terreno da educacio de adultos, partimos sempre da premissa de que pesquisa da realidadle, capacitagdo de qua- Gros © aquisico de conhecimentos sao dimensdes insepardvei gadas de um mesmo itinerério polftico-pedag6gico. Pensamos que a fina- Tidade de qualquer agao educativa deva ser a produgia de novos conhe- cimentos que aumentem a conscigncia ¢ a capscidade de iniciativa trans- formadora dos grupos com quem trabslhamos. Por isso mesmo, 0 estudo da realidade vivida pelo grupo © de sua percepcio desta mesma redli- dade constituem 0 ponto de partida € a matéria-prima do processo edu. cativo. Como sempre nos lembra Paulo Freire, educagio nio € sindnimo ¢e transferéncia de coahecimento pela simples razfio de que nio existe um saber feito ¢ acabado, suscetivel de ser captado e compreendido Pelo educador e, em seguida, depositado nos educandos. O suber no € uma simples cOpia ou descrigao de uma realidade estética. A realidade deve ser decifrada ¢ reinventada a cada momento. Neste sentido, a ver~ dadeira educacio é um ato dinimico e permanente de conhecimento cen- trado na descoberta, anélise © transformagio da cealidade pelos que a vivem, Dentro desta perspectiva pedagbgica, que parte da situacéo vivide pelos educandos como um problema que os desafia, & evidente que a definicio do contetido programitica da acio educative néo pode ser feita apenas pelo educador. Esta definigao implica um trabalho conjun- to de pesquisa e discussio no qual participa educador e educandos mediatizados sempre pela realidade & ser conhecida © transformada. 0 DE PSICOLOSIA SOCIAL 765-GaA0UACAO « Puc-sp Lagorard, 20 CARLOS RODRIGUES BRANDAO (org) “B na realidade mediatizadora, na consciéncia que dela tenhamos educadores © povo, que iremos buscar © contetido progcamatico da educacio. (...) Esta € a razio pela qual nao se trata de ter nos homens 0 objeto a investigagio, de que 0 investigator seria o sujeito. O que se pretende investigar, realmente, no so os homens, como se fossem pecas anat6- ‘micas, mas © sew pensamento-linguagem referido 2 realidade, os niveis de sua petcepeaio desta realidade, @ sua visio do mundo, em que se encontram envolvidos seus ‘temas geradores’. (.. .) “O que temos de fazer & propor ap povo, através de certas contra- digies bésicas, sua situayio existencial, concreta, presente, como pro- blema que, por sua vez, 0 desafia e, assim, Ihe exige resposta, no 36 no nivel intelectual, mas no afvel da agi.” E neste sentido, conclui Paulo Freire, que toda pesquisa temética se fox agio pedagégica © toda auténtica educagdo se faz investigacio do pensar. (“Quanto mais investigo 0 pensar do povo com ele, tanto mais nos educamos juntos. Quanto mais nos educames, tanto mais continuamos investigando, Educagao e investigagao temética, na concepcdo problew tizadora da educagio, se tornam momentos de um mesmo process ¢ Bem entendido, esta maneira de conceber a pesquisa, ligadas as preocupagies e experitneias quotidianas do grupo com que se trabalha, difere em seu contetdo ¢ metodologia da utilizagio da ci {L_ social justamente paca suprimir 03 ¢0 De fato, em nosso trabalho quotidiano no IDAC desde o anos 70 até hoje, temos procurado pér em prética as pistas de trabalho Propostas por Rodolfo Stavenhagen como alternativas vétidas © vidveis 0 esquema tradicional, aparentemente neutio e objetivo, mas, no fundo, manipulador ¢ repressivo, inerente a este estudo dos oprimidos de fore para dentro. Stavenhagen propée dois caminhos para o cientista social Cuja opsdo € a de Colocar seus instrumentos a servign da construgfio de tuma sociedade mais justa e democr iga- $40 com um grupo oprimido, com vistas a constmuir, com o grupo e @ Partir de dentro da situagéo vivide pelo grupo, um conhecimento da ditetamente “| Paulo Freire, Pedagosia do Oprimido, Paz ¢ Terra, 1978 Os. tealidade que conduza a identificagio dos meios para superar a situagdo de opressio; seja privilegiar, como objeto de estudo, 0 outro pélo da relagio de dominacéo, com vistas a estudar os grupos dominantes e'o3 mecanismos pelos quais eles asseguram a manutengao de seus monopS- lios sobre o saber e o poder.* Nossas linhas prioritérias de ago ao longo dos dltimos anos tém Procurado explorar estas duas pistas de pesquisa © de intervengio: © andlise critica das estruturas de poder ¢ dos mecanismos de domina- 580 como a escola e 0 sistema educativo, a repressio sexual, as polf- ticas de controle social, ei © envolvimento direto com movimentos sociais que, ao tentarem se eapropriar de sua identidade € autonomia, questionam 0 modo de organizagao social dominante ¢ inventam novos contextos de vida, de trabalho € de produgio de conhecimentos. Bo caso de nossa participagio na Europa junto ao movimento feminista e a0 processo rf formagéo dos operitios it menio de libertegéo da junto a experiéncias de educacio popular no contexto das comuni- dades eclesiais de base, principalmente em Sao Paulo? E, aliés, no quadro destas experincias junto a grupos € movimen- tos sociais, para os quais conhecer a realidade € condigéo de sua trans- formacio, que temos feito apelo 2 metodologia da pesquisa/asio. Nas iginas seguinies, procuraremos expor brevemente seus fundamentos tedricos bem como salientar sobre que concepcies da sociedade, da ciéncia social € do papel do pesquisador ela se apdia. PESQUISA PARTICIPANTE. QUEM EDUCA 0 PESQUISADOR? Durante muito tempo, os ciéncias sociais acalenterem 0 sonho e ilusio de poder estudar a sociedade da mesma maneira que as cigncias naturais estudaram a natureza, Conhecer os fenémenos, ser capaz de 8 Rodolfo Stave 4 Ver, for exempl Escola, Brasiliense, 1980 5 Equipe do IDAC, Vivendo ¢ Aprendendo, Br iales, Anthropos, 1972. do IDAC, Cuidado, 2 CARLOS RODRIGUES BRANDAO. prevé-los © de deserever seu funcionamento, qu: explicé-los, tais eram os obj ficé-los para melhor € 0s parimetros de uma . Dentro deste marco de referénc todas as agSes humanas, as pautas de comportamento dos grupos so 505, 08 acont 5 sonhos ¢ as esperancas, tudo de maneira obj a capacidade que deveriam ter os cientistas de dissecar os fatos sociais como se fossem coisas. Para tanto, era imprescindivel estabelecer € manter uma separa- 40 rigida entre o sistema de valores do ci to de sua observagio ¢ snilise. Estamos bem conscientes de que estamos desenhando uma imagem icada do corpo tedrico da sociologia p. ‘no enlanto, pode nos ajudar a eaptar o essenci ido e estudado la observa seus insetos. Entre que estuda a sociedade e a sociedade estudada por cle, 0 de observacdo e de andlise escolhido ¢ manipulado exclusivamente pelo pesquisador. Da mesma mancira que, num labora ador isola seu objeto de nagio, assim também pretendem os positivists que 0 conhecimento gerade por sua observacio desta realidade obj go tem qualquer implicagéo politica ou valoragao ética. A fin dha ciéncia € consater, deserever ¢ prever. Livre de qualquer preconc subjetive, desprovido de intencionalidade politica, o cientista social deve limitar-se 2 dissecar fates, comportementos ou go como se eles fossem meros objetos a seria, neste pérspectiva, a gera engano. repre- ados. A neutralidade da cientificidede, Ledo Na verdade, esta citncia que se queria neutra, apolftica ¢ descom- Prometida acabou sendo utilizada cada vez mais como uma ferramenta ial. Empregados por agéncias governam para a implantacZo gradusl de toda uma s igdes de controle social — descle a escola ¢ o hospit asilo psiquidtrico ¢ & prisio — cuje eo pestle, Phnricnennre (0 « do poder. Por outro lado, é da propria esséncia de uma sociedade de massas domesticadas ¢ uniformizedas a produgio de seus “‘marginais" Ao modelo do bom cidadéo vai se contrapor o do marginal, aquele que te, 0 louco, 0 grevista, « subversivo, o a meagado por estes comportamentos sai da nerma: o deli \bmalos, as ciéncias sociais vidualizar e anatematizar 0 ele cumpre 0 seu papel de asus “marginal” entra no citcul \de de modo a el de sua margin nar a causa de desordem restabelecer a paz soci Come péde se dar uma tal evol queria e se afirmava desvinculada de qua formou-se num podereso estabelecida? Jo? Como esta ciéncia que s¢ juer sistema de valores trans- ido fora da situagao que ele analisa segundo 0 qual tudo pode ser cap- leva em conta toda uma lerrogaces € questionamentos sobre as causas profundas dos fendmenos sociais e sobre seu dinamismo observador impart Na verdade, o ideal positivist que controlam os sempre reduzit a com A redugdio do complexo ao simples ¢ do dinémico 20 € do peasamento conservadar: sob esta ética, 0 que existe real possivel. Se a sociedade ¢ desigual co importa, Isto sio problemas que escap: e que devem ser tratedo 24 CARLOS RODRIGUES BRANDAO (org.) dem, de repente, nos colocar em oposigdo ae que 6, hoje, a realidade. Para ngo cair em armadilhas deste tipo, mais vale, entdo, estudar 0 que € imediatamente visivel © quanlificével,”sem querer remexcr ou desenterrar sonhos, esperancas € ilusées que podem revelar o desejo reprimido de mudanga ¢ desyclar um cutro real possivel. © ideal positivista de uma ciéncia objetiva ¢ exate nfo resiste, no entanto, a0 questionamento de suas premissas de base: € possivel con- gelar o movimento da vida soviar! de onde vim nossas proprias idSias? néo seria necessério considerar @ ciéncia ela mesma como um fato social em permanente elaborasiio e questionamento centro de cada situagio historia dada? néo seria indispenstvel analisar 2 acto do pesquisador como fator de consolidagdo ou de transformacéo do consenso social? De fato, 05 fatos socisis nfo sio coisas mas sim o produto de agoes humanas. Os homens e as mulheres fazem a sociedade da mesma maneira que so feitos por ela. Somos atores ¢ protagonistas de nossa histéria da mesma maneira que somos definidos ¢ condicionados por ela. Dentro desta relagio de interagio, ndo ha mais lugar para um pesqui- sador separado de seu objeto de pesquisa. O pesquisedor € um homem ou uma mulher com uma insergio social determinada ¢ com uma expe- ritncia de vida e de trabalho que condicionam sua visio do mundo, modelam 0 ponto de vista a partir do quel ele ou ela interagem com a realidede. B 6 esta visio do mundo, este ponto de vista que vai deter- minar a intencionalidade de seus atos, a natureza e a finalidade de sua pesquisa, a escolha dos instrumentes metodolégicos a serem utilizados. E totalmente impossivel imaginar uma separagio entre 0 sujeito da pesquisa (0 cientiste social) ¢ 0 seu objeto (a sociedade) se 0 sujeito € ele mesmo um ser social, se $20 as agSes humanas que modelam e transformam a sociedade da qual 0 pesquisador € parte integrante, podendo inclusive sofrer as conseqiiéncias do projeto social que propde ©u das transformacées que sua aco pode provocar. E igualmemte ilussrio querer tratar os fatos socials como se fossem fenémenos naturais que podem ser previstos, provocades e controlados hum laboraiGrio, Mesmo nos contextos mais repressivos e autoritérios, 05 fatos sociais acontecem de maneira inesperada e surpreendeate. Eles se revoltam contra as tentativas de progtamscdo € de controle, reagindo 40 na medida mesma em que sio criedos por homens contra a domestic: 1 PESQUISA PARTICIPANTE 2 UL jeres livres, vale dizer, capazes de pensar e agir pela prdpria ca- inagées sexistas eps milénios de resignago silenciose, a angistia dos jovens que, segundo se dizia, esiavam inteiramente coop-1 tados pola sociedade de consumo séo alguns exemplos, proximos de nés, de fatos que desafiaram quslquer previsio. B, por outro lado, evi dente que tais acontecimentos, 40 questionar as idéias € preconceitos dominantes, também influem sobre 0 comportamento e os valores dos pidprios pesquisadores. Constitufdo pela sociedade e participante de sua construgio, 0 pesquisador no pode querer olhi-la de fora, do alto de sua tore de marfim. Estas torres so miragens que nao resistem a0 sopro da vida real © pesquisador, como 0 educador, o lider politico ou religioso e dirigente sindical também precisam ser educados ¢ esta educagio %6 ode vir no bojo de sua pratica dentro de uma realidade social que nao tem nada de fria, estética ¢ imutivel, Apreender a rede-de relagdes sociais ¢ de conflitos de interesse que constitui a sociedade, captar os conilitos © contradigdes que Ihe imprimem um dinamismo permanente, explorar as brechas ¢ contradicdes que abrem caminho para as rupturas © mudangas, eis o itinerétio a ser percorsido pelo pesquisador que se quer deixar educar pela experiéncia © pela situacio vividas Ume perspectiva critica € problematizadora das citncias sociais implica, portanto, na tecusa dos mitos da neutralidade © da objet dade ¢ obriga o pesquisador a assumir plenamente uma vontade e uma intencionatidade politicas. Ae invés de se limitar ¢ constatar como pen- sam, felam cu vivems as pessoas de determinada grupo social ou de Ptocurar prever o que seria necessério fazer com vistas a dissolver os Conilitos € reforgar a coesio social, nossa posture deve ser bem outra, © que nos interessa 6 mergulhar na espessura do real, captar a légica dinamica ¢ contraditéria do discurso de cada ator social ¢ de seu rela~ cionamento com os outros atores, visando a despertar nos dominedos o desejo da mudenca e a elaborar, com eles, os meios de sua reslizagfo. Partimos da premissa ce que @ forma hierérquica e desigual da onganizacao social atual nao esgota toda a reslidade nem constitui o% ‘nico real possivel. Debaixo de todo ordenamento social aparentemente % CARLOS RODRIGUES BRANDAO (org.) imutavel, fermentam, por vezes lenta e silenciosamente, altemativas, amadurecem rupiuras. Muitas vezes, 0 que existe hoje pode ¢ deve ser mudado. Para isso, .€ preciso interrogar constantemente a realidade, assumir 0 direito ¢ 0 dever de formular julgamentos de valor que con- duzam a denunciar e recusar tudo aquilo que, na ordem social, nega a liberdade © @ autonomia criadora dos movimentos sociais. O conceito mesmo de objetividade ¢ rigor cientificos devem ser redefinidos ¢ aperfeigoados, Diamte de uma realidade marcada por rela- ges de dominagio e de privilégio entre pessoas e grupos sociais, abje- tividade nao pode mais ser sindnimo de descomprometimento © de im- idede, sob pena de se transformar em cinismo e insensibilidede. Diante dz oposicao entre dominantes e dominados, ser objetivo signitica reconhecer ¢ analisar este enfrentameito inscr.to na realidade e colocar- se a servigo da supera¢io das estruturas que mantém ow reforcam 0 auloriterismo © « desigualdade. Como ja nos ensinava Marcuse, muitos anos atrés, ao expor os fundamentos da percepgéo dialética da realidade defendida pela Escola de Frankfurt “A realidade ¢ uma coisa diferente ¢ muito mais rica do que aq que est& codificado na Idgica e na linguagem dos fatos (...). O pensa- mento corresponde @ realidade somente na medida em que transforma 4 realidade ao captar ¢ decifrar sua estrulura contraditéria (...). Com- preender a realidade significa, portanto, compreender 0 que as coisas vordadsiraments sf, ¢ isto implica, por sua vez, na recusa de sua sim- ples facticidade”.” Nada disto pod ser feito por um cientista desejoso de se manter climpicamente fora © acima dos processos ¢ movimentos sotiais. E é aqui que intervém a metodologia da pesquisa/ago como uma proposia politico-pedagdgica que busca realizar uma sintese entre o estudo dos processos de mudanga social ¢ 0 envolvimento do pesquisador na dini- mica mesma destes processos. Adotando uma dupla postura de observa- dor exitico ¢ de patticipante ativo, 0 objetivo do pesquisador seré colocar 1s ferramentas cientificas de que dispde a servico do movimento social com que est4 comprometido. * Herbert Marcuse, Reizon, | Révolution, Minuit, 1968 PESQUISA PARTICIPANTE Fm outras palaveas, explicagio dos fenémenos so invés de se precupar somente com a is depots que eles aconteceram, a fina- idade da pesquisa/acio é de favorecer a aquisigio de um conhecimento € de uma conscigucia erftica do processo de transformacao pelo grupo que esté Vivendo este proceso, paia que ele possa assum cada vez mais lécida © autonoma, seu papel de protagonista e ator social de forma CONSTATAR’ OU QUESTIONAR? Uma vez feita esta caracterizacao geral, gostariamos, agora, de co- mentar, rapidamente, alguns momentos ou etapas significativos de um Ineratio de pesquisa-agdo, enfatizando as questoes seguintes: 0 processo de insergio do pesquisador, a coleta da te geradora do grupo com quem se trabalha, a organizacéo do material recolhida junto a0 povo sua devolugio si distancia que o separa do grupo social com quem pretende trabalhar, Esta aproximago, que sempre exige paciéncia e honestidade, & a con- 0 grupo, com a pal tas € ndo simples abjetos. ses © otimismos excessivos cessdrio que 0 pesquisador no seja visio como um intruso, ou um corpo estranio, © que desperia, de imedialo, # desconfianga © a ret céncia de gente que tem tode uma experiéncia penosa de ser manipulade isador deve esforgar-se para ir sendo, pouce 1, como alguém que vem de fora, que se dispde a realizar, com © grupo, um estudo que pode the ser til, mas que, num determinado momento, iré embora. Parece nos iluséria a atitude, aparentemente ra: ical, mas, no fundo, mistificadora, de pesquisadores que desejam desa- parecer enguanto cientistas e se fundir totalmente na comanidade. A nosso ver, a tentativa, ainda que inconsciente, do pesquisador de esconder seus verdadeiros motivos, bem come sua recusa em assumir 2 CARLOS RODRIGUES BRANDAO (org) sua condligao especitica em nome de um desejo de integracdo total com 0 ‘grupo, so posturas que revelam uma falta dgyéonfianga na capacidade de comunidade de compreender ¢ de aceitar 0 sentido de sua interven- so. Trats-se de uma alitude ambigua que reproduz, ao menos implici- tamente, 0 esquerma tradicional do intelectual que decide sozinho 0 que convém dizer a0 grupo ¢ 0 que é preferivel guardar para si, Se 0 pesquisador quer tomar-se apenas um membro a mais do grupo, ele acaba por se anular e se negar si mesmo, perdendo sus Fazio de set ¢ seu diteito de estar ali, Se se deixa absorver pela quoti- \\Siansidade_ae_se_perTe 16 aivamo, Timitando-se_a seguir ceganiente as pautes de comporlamieia Wo-grepo;-elé renuncia & utilizacdo critica dos _instrumentos tedricos de quo _dispoe F-6e—puca_€ idade de seu papel ¢ da contribuigdo que ele pode oferecer sem mo nem no hasismo, De feto, se © objetivo do pesquisador é contribuir para uma pro- blematizagio e uma clarificagio da prética vivida pelo grupo, ele deve preservar uma distancia crftica em relagao & realidade e & aggo quoti- diana do grupo. A verdadeira insergo implica, portanto, numa tensfio permanente entre o risco de identificarao excessiva do pesquisador com 0 protagonistas da situagiio em que esté inserido ¢ © necessidade de manter um recuo que permita uma reflexdo critica sobre a experiéneia ‘em curso, E preciso, justamente, aleangar uma sintese entre o militante de base e o cientista social, entre 0 observador e © participante, sem sacrificar nenhum dos dois pélos desta relagio. Como vem de salientat, uma vez meis, Paulo Freire, em um texto recente, “ao sejcitarmos a manipalagéo do educador autoritério, rejei tamos também a anulacio do educador, contida em propostas ingenua- ‘mente libertadoras, segundo as quais 0 educador, em nome do respeito aos educandos, os deixaria entregues a si mesmos. Na verdade, nfo hé por que deva 0 educador democritico ter vergonhe de ser educedo: A identificacdo da temética geradora & o trabalho de campo através cair nem no. © compreender 0 discurto do poo” em Igreja de Sao ligcese de SA Paslo, 1980. 7 Pauly Freire, “Ouvi Paulo: a caminhada da poo, A PESQUISA PARTICIPANTE \9 2 do qual o pesquisador procura observar a vide social em movimento da comunidade com que esté envolvido, procurando captar a rede de 1 iais que atravessa i comunidad, os problemas que 2 desatiam € a percepeio que a populacao tem de sua prépria situagao © de suas te Wabalho implica em dois outros. mo- © a construgio, pelo pesquisador, de suas hipéteses de base, elaboradas 4 partir de sua intuigao de ume determinada problemética ¢ de sua observagao dos diferentes aspectos da vida social da comunidade; © verificagio de validade © da consisténcia destas hipSteses iniciais 2 partir de entre idas com os protagonistas da experiéncia. Antes mesmo de engajar um istemético com a comu- nidade, 0 pesquisador pode ir desentiando um perfil provisorio do grupo. Para este trabalho preparat6ric, as fontes so as mais diversas, j& que da de documentos oficiais © 0 depoimento de joa observagiio da vida quotidiana, as manifesiagoes culturais € religiosas, a identificagio das formas de ati videde econémica ou dos mecanismos de poder intemo ¢ externo, ‘Uma vez elaborado um marco de referéncia que englobe as hips- teses de base, o pesquisador se defronta com a escolha de uma técnica de entrevista através da qual seja realmente possivel captar o que o Povo pensa ¢ diz, ao invés de ouvir como resposta um de sua propria pergunta, A este propdxito, os questionSrios tradicionais, no estilo pergunta-resposta, to ao gosto dos institutos de sondagem Jo nos servem. O formato mesmo © surgimento de dados novos e inespe dentro de um quadro teérico rigido, mai tarem a confirmar ou desment abrir brechas ou espagos para a elaboragio de outras hipdteses, Jaa técnica da entrevista livre, concebida como um diélogo aberto onde se estimula a livre expressio da pessoa com quem se conversa, ampli © campo do discurso que passa a incluir no s6 fatos e opinides bem delimitadas, mas também devaneios, projetos, impressoes, reticén- cias, etc. Sem divida, a entrevista livre, para néo partir em diregdes, deve ter um fio condutor, uma estrutura de base 30 CARLOS RODRIGUES BRANDAO (org) nicleo temético a ser pesquisado. Porém, dentro desse campo temitico, tudo € pertinente, nada € desprezivel. Muitas yezes, nio € unicamente que ¢ dito explicitamente que € si lexGes, as hesitagdes, as pausas e Os siléncios dizem muita coisa. Freqiientemente, é nessas dobras do discurso que se esconde a ambi- gilidade e a contradicao entre 0 pensar e 0 agir que importa ceptar © desvelar. Os fragmentos de discurso, o “nfo dito” e 0 “mal dit por medo, por pudor, por desconfianga ou porque dizé-to seri oso demais — so (Go ou mais importantes quanto as resposias su- perl Na verdade, sio todas as dimensées de vida quotidiana de ume determinada comunidade — inclusive seus sonhos, aspiragses e projetos — que constituem 0 discurso a ser descodificado, E, no interior deste discurso, 0 que nos interessa sobretudo é fazer emergir as contradigoes € incoeréncias entre o falar © 0 agir, entre a percepgio da reslidade e de sie as pautas de comportamento quotidiano, enire o sonho e a rea~ lidade, entre o real e 0 possfvel. Neste particular, compartilhamos 0 ie que, a0 apresentar a metodologia da ponto de intervengio sociolgica, salienta: “As relagées sociais nfo sio perceptiveis 2 olho nu; bem ao contrério, elas sto mais ou menos encobertas por uma ordem estabe- lecida © por uma esirutura de dominago. (...) Se admitirmos que elas estio recobertas pela ordem ¢ pela dominagdo, € preciso entéo recorrer, antes de mais nada, ao que esté dominado e submetido & ordem, ao que protesta e a0 que esté marginalizado, Nao para privilegiar estes con dutas ou as ideologias que as sustentam, mas para fazer emergir a parte reprimida, escondida das relagdes sociais de modo que estas possam parecer em sua inteireza e totalidade”.* Em outras palavras, poderfamos dizer que a iavestigagdo da temé- fica geradora de uma comunidade compreende nic apenas os dados da reatidade vivide como também a percepgdo que as pessoas tem de sua realidade, Isto porque a toda infra-estrutura de dominagio corresponde ‘sempre um conjunto de representagdes ¢ de comportamentos ao nivel da consciéncia que sio seu reflexo ¢ sua conseqtéacia, De fato, muitas vezes no inicio de um trabalho-pesquisa com um ‘Touraine, La Voir ef le Regard, Set 1980, PESQUISA PARTICIPANTE an grupo social oprimido ou marginalizado — quer se trate de mulheres, de popu ios indus- irlais — cor num sentimento vago © difuso dem: gio conereta em que esido inseridos. Revelam, assim, uma percepcdo elementar, ainda fio consciente ¢ nfo elaborads, de que “assim nio dé mass”, de que “tudo vai de mal a pior”, “Contente ninguém esté, Em todo canto, a conversa é 2 mesma, Mas nfo conseguimos descobrir por que esta tudo assim tao ruim. Mais diffcil ainda € descobrir o que fazer para mudar.” * Como nfo se compreende bem quais as causas profundas da situa- 0 vivida e, sobretudo, como ndo se sabe o que fazer para mudé-la, 0 sofrimento € 0 descontentamento desembocam num sentiments de im= poténcia € de desespero que, por sua vez, podem levar a passividade ¢ A resignagio, Confrontadas com a angistia de ter que conviver com uma sitvagao em si intoleravel, as pessoas se protegem, pondo em fun- cionamento um mecanismo de defesa que consiste em “esquecer” # rea- lidade em que viver, Assim, 20 negar a existéncia da situacdo opressiva, da qual niio podem escapar nem contra a qual podem hutar, acaba-se, também, por negar a possibilidade da mudanga. Como penetrar nesta “cultura do silén:io” ¢ favorecer o despertar de tudo que foi reprimido ou esquecido? Como questionar esta “cons- ciéncia dominada” pela qual os oprimidos it teriorizam a visio do mun- do ¢ o'discurso de seus dominadores? Como romper o circulo vicioso em que situacdo material de opressdo, ser joténcia © resig- nagio mental se reforgam m I forma que se chega a considerar 2 dominagio con fato normal e natural, como parte da ordem natural das coisas? ‘A nosso ver, este & justamente 0 desafio a que deve responder a pesquise-acio enquanto proposta politico-pedagsgica comprometida com a mudanga 50 estado de imersio na quoti transforma a reatidade em algo de impenetrével € de incompreensivel Por outro lado, & preciso observar de perto todos os meandros do dis- curso popular, em busca de tudo aquilo, por mais fnfimo que seje, que © Depoimento da comunidade de base de Andradine (Sto Paulo), #111 reuniso necional de comunidades de base, JoB0 Pessoa, 1978. 3 CARLOS RODRIGUES BRANDAO (org) desminta a resignagio ¢ a passividade. Na verdade, a resignagio nunca € completa, Os individuos e grupos oprimidos desenvolvem estratégias de sobrevivéncia, de defesa, de luta © de fuga, ainda que, explicitanente, 20 nivel de sua percepeao da realidade, nfo acreditem em sua propria idade de mudé-la, Dai a importincia de identificar e trabalhar as cordancias e incoeréncias entre pensamento ¢ aco, adaptacio ¢ senho, conformisme ¢ sevolta que so a expresséo deste desnivel entre a realidade vivida e a realidade percebida A parr da matéria-prima fornecida pela investigagio da temé- tiea geradora do grupo, € possivel conceber o desenvolvimento de um processo de educacao politica pelo quel o pesquisador/educador ajuda 6 grupo e tomar distancia de sua realidade vivida e colocar-se, diante dela, como diante de um objeto ie estudo e agto. O papel do pesqui- sador/educador seri 0 de criar as condigies para este recuo critico ¢ 0 de organizar a temética geradora de tal forma que os protagonistas pos- sam, diseutindo-a, decifré-la ¢ agir sobre ela amos 0 ponto de vista de Antonio Grams- tebrica ou a “cultura” das clesses domi- nadas apresenta sempre dois planos ou faces contraditérias: uma coisa 6, por exemplo, © que 0 operdtio faz, sua atividede conereta como membro de um grupo com uma insercio hist6rico-social precisa; outra coisa, bem diversa, € aquilo que o operétio pensa ou sabe, seu nivel de percepgéo de si mesmo, dos outros e da realidade social, que 6, rmuitas vezes, confuso e acritico. Bis-no, de novo, confroniados com desniveis ambigilidades 20 nivel do discurso entendido como pritica social de um individuo ou de lum grupo: de um lado, a vivéncia quotidiana de tuta dos operérios na fabrica e no sindicato atesta seu desejo de mudar os aspectos mais re~ pressivos € alienantes de sua realidade; de outro lado, a despeito de seu desejo de mudanga e, em certos casos, até mesmo de sua milit politica, sua percepgio do mundo ¢ das coisas tende a ser superficial e fragmented, Para o operdrio — e, ainda muito mais fortemente, para 0 favelado ou 0 lavrador — é dificil superar 0 dado ‘concreto, imediato, da experigncia quotidians, € dificil imaginar coisas longinquas, formuler alternativas © projetos vidveis, estabelecer nexos ¢ relagdes nfo ime- Giatamente vishveis, ir As raftes mais profundas e &s causas estruturais

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