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Ararajuba |: 95-98, agosto de 1990 Habitos alimentares e estratégia de forrageamento de Rostrhamus sociabilis no Pantanal de Mato Grosso, Brasil Claudia Alves de Magalhaes ‘ Departamento de Zoologia, Universidade Estadual de Campinas, 13091 Campinas, SP, Brasil Recebido em 7 de abril de 1989; aceito em 3 de novembro de 1989 ABSTRACT, Feeding habits and foraging strategy of the Snail Kite (Robirhanus socabils) in the Brazilian Pantanal. The foraging behavior of the Snail Kite, Rastrhamus sociablis, was studied during the 25,1 mm de abertura, Além disso, foram coletados individuos vivos de Pora- cea a0 longo de um transecto perpendicular a uma das mar- ‘gens de uma caixa-de-empréstimo usada pelos gaviées ob- servados, utilizando-se peneiras ¢ deteccio visual ou itil. Com isso, determinou-se a abundancia relativa de cada uma das tts classes de tamanho desses caramujos no ambiente, para comparacio com a freqiéncia de cada classe nos referi- 4dos pousos de alimentacfo, RESULTADOS E DISCUSSAO Atividade,diéria. Os individuos de R. sociabilis chegaram as dreas de forrageamento isoladamente, ‘com partidas e voltas ocasionais durante o dia. Verificou-se que os caramujeiros tendem a uti- lizar pousos de observacio fixos ao longo das mar- ‘gens dos corpos d’4gua, sem sobreposigfo de ocupa- co de pousos entre os individuos observados, quer simultfinea, quer alternadamente. © mesmo acontece com os pousos de alimentacio, freqientemente mais afastados da gua, embora ocorra de uma ave utilizar ‘© mesmo pouso para observacdo e para manipulago da presa. Um dos individuos observados possuta dois pousos de alimentacao localizados em meio ao arro: zal e quatro pousos de observacSo préximos das xas-de-empréstimo, Um destes foi ocupado a maior parte do perfodo em que 0 gavido esteve pousado (73,1 % do tempo). O outro gaviso possufa seis pousos de observaco, fazendo uso de trés deles também para manipulacSo de presas, Hé, portanto, uma exclusividade de uso dos pousos de observacdo para detecgio de presas. Co- mo a qualidade desses pousos deve variar em termos de visibilidade © abundfincia de presas, a posse de melhores pontos de observaco pode determinar in- tolerancia intraespecffica e conseqtiente inexisténcia de sobreposi¢ao de ocupaco dos pousos por mais de um indivfduo, De fato, Beissinger (1983) verificou que a den- sidade ¢ a distribuicio de tamanhos dos caramujos variam grandemente de local para local, tornando importantes para 0 caramujeiro as decisbes de que local escolher para busca e quanto tempo permane- cer no mesmo. Além disso, a0 encontrar um ponto adequado, valeria a pena defendé-lo de outros ga- vibes. Nao foi verificado qualquer tipo de agressivida- de interespectfica, As vezes, a mesma &rvore era uti- lizada simultaneamente pelo caramujeiro, por mar- tins-pescadores, gargas ¢ bigués, sem ocorrer qual: quer interacéo agonfstica entre os individuos. As di ferencas quanto aos itens alimentares dessas espé- cies justifica a falta de agressividade entre elas. Haverschmidt (1970) menciona a ocorréncia de agressividade interespectfica pelos caramujeiros afirmando, entretanto, ser este um comportamento pouco fregiiente, Beissinger (1983) verificou que comportamentos agressivos ocorrem em somente 0,1% do tempo de atividade de R. sociabilis. s valores percentuais de tempo alocado para diferentes atividades pelos gavides encontram-se na tabela 1. Os padrdes de atividade do gavido caramu- jeiro ndo mudaram significativamente com a hora do dia (teste “U" de Mann-Whitney = 13, NS), embora tenha ocorrido um certo aumento no perfodo de Pouso © uma diminuig&o no némero de capturas e, conseqiientemente, no tempo total de manipulagéo de presas, entre os perfodos da manhae da tarde. Nos perfodos da tarde as aves tenderam a per- manecer inativas. Durante as observacdes foram acompanhadas 37 capturas de presas, das quais ape- nas duas (5,4%) ocorreram a tarde. Beissinger (1983) realizou um estudo mais de- talhado, dividindo as observacées em trés perfodos de tempo, verificando também um decifnio do forra- geamento € um aumento dos perfodos de pouso com © decorrer do dia. O autor atribuiu o fato a dificul- dades por parte dos gavides para detec¢do visual das presas com a diminuig&o gradual da luminosidade do dia, Outra possfvel causa seria saciago. Comportamento de caga. Foram observadas 44 investidas de caca dos gavides caramujeiros, das quais 37 (84%) foram bem sucedidas, sendo que nu- ‘Tabela 1, Valores percentuais de tempo dedicado por ativi- dade pelo gaviio-caramujeiro, Rostrhamus sociabilis, durante forrageamento em Poconé, Mato Grosso, Observacio de dois individuos por um perfodo de cinco dias. Perfodo Atividade Manhi Tarde pousado 88,6, 91,9 ‘manipulagio da presa 80 13 vvbo entre pousos 09 13 v0 de reconhecimento 10 0,0 higiene 1s 55 EY Forrageamento de Rostrhamus sociabilis 97 ma delas 0 gavilio deixou cair a presa ap6s algum tempo de manipulacéo, Esta era um exemplar de Pomacea de grande tamanho (comprimento da abertura da concha = 48,2 mm), posteriormente re- colhida viva sob 0 pouso de alimentagao do gaviio, e que provavelmente foi perdida devido a dificuldade da ave em manter 0 caramujo entre as garras en- quanto tentava extrair animal da concha. O opér- culo da concha apresentava diversas ranhuras e es- carificagées que devem ter sido feitas pelo bico da ave, Em seu trabalho, Beissinger (1983) registrou um valor de 78% de capturas bem sucedidas, em ar- rozais na Guiana. O valor de eficiéncia de captura mais elevado verificado no presente estudo pode ser atribufdo a um confinamento ¢ conseqiiente supero- ferta de presas nas caixas-de-empréstimo durante 0 perfodo de seca. Os Iongos perfodos de pouso do caramujeiro podem estar relacionados a uma precisa busca ¢ lo- calizago da presa antes de investir energia na sua captura, A elevada eficiéncia no forrageamento indi- ca ser esta a melhor estratégia para a espécie. Quanto ao modo de cacar,o gavido-caramujeiro captura sua presa com uma das patas, voa direta~ mente para um pouso de alimentagfo ¢ af ingere a presa aos pedacos, deixando cair a concha ou restos. Snyder ¢ Kale (1983) j& haviam descrito este com- portamento, relatando, entretanto, a rejeicéo dos opérculos das conchas, 0 que nfo foi uma regra em nossas observagées. Itens da dieta. Das 37 capturas observadas, 94,6% foram caramujos do género Pomacea, 2,7% foram caranguejos Dilocarcinus pagei ¢ 2,7% cara- ‘mujos do género Marisa. ‘Os caranguejos podem ser 0 componente prin- cipal da dicta dessas aves no perfodo das chuvas (Dalcy de Oliveira, comun. pess. 1986), quando os caramujos nfo estariam confinados em grande n(- ‘mero em corpos d’égua restritos, como acontece na seca. Coincidentemente, Mader (1981) verificou que, durante as chuvas, caranguejos do mesmo género si a principal presa de R. sociabilis na Venezuela, per- fazendo 68% das capturas, enquanto Pomacea cor- respondeu a somente 32%. Marisa era um caramujo bastante abundante em nossa area de estudo €, no entanto, foi muito pouco predado. Isso pode ser atribufdo as dificuldades que ‘© caramujeiro teria em retirar o animal de sua con- cha, pela forma que a mesma apresenta (planispiral), or sua pequena abertura € pelo fato de que o opér- culo e a inserc&o do misculo columelar nesse molus- co se retrai ou se localiza mais para o interior da concha do que em Pomacea (Snyder ¢ Kale 1983). Snyder ¢ Kale (1983) encontraram uma fre- qiéncia inédia trés vezes maior de conchas de Poma- cea nas pilhas sob 0s pousos de alimentagio de R. ZA corpo a'bgua 20 O pouses 687 oe 505 ~0) 30 E 205 — 20 4. 24 _ 05-150 © 15:1-250 2254 Comprimento da abertura da concha mm) Figura 1, Froqdéncias relativas de tamanhos de caramujos do genero Pomacea em corpos dégua restritos e sob pousos de alimentagio do gavio-caramujeiro, Rostrhamus sociabilis, ‘em Poconé, Mato Grosso, durante €poca de seca, sociabilis, do que de conchas de Marisa. Também realizaram uma avaliago das taxas de insucesso na remogo da concha de moluscos capturados por R. sociabilis, verificando que a taxa para Pomacea foi de apenas 8%, enquanto a taxa encontrada para Ma- risa foi de 38%. Segundo esses autores, as capturas de Marisa pelos caramujeiros seriam “erros” na dis- criminago entre essa espécie ¢ Pomacea ¢, uma vez capturado um individuo da “espécie errada”, valeria 4 pena tentar a sua retirada da concha, Selecdo do tamanho da presa. Forarii coletadas 22 conchas de Pomacea nos pousos de alimentagéo de um gaviGo-caramujeiro, Estas foram consumidas em um perfodo de 24 h, por um Gnico individuo, en- tre a limpeza das freas abaixo dos pousos ¢ 0 reco- Ihimento das conchas no dia seguinte. Na busca de caramujos em oferta no ambiente, coletamos 42 individuos vivos de Pomacea. No houve diferenca significativa entre as mé- dias do comprimento da abertura das conchas dos pousos ¢ do corpo d'4gua (t = 1,83, NS), Entreian- to, a diferenca foi altamente significativa entre as, freqUéncias das classes de tamanhos de caramujos disponfveis no ambiente ¢ aquelas escolhidas pelo caramujeiro (X* = 39,79 *, GL = 2,a, = 0,05). Na figura 1 aparecem as freqiiéncias relativas das trés classes de tamanho de conchas encontradas nos pousos € nos corpos d’4gua. O caramujeiro re- jeitou a classe de menor tamanho, que é bastante abundante no meio, preferindo amplamente a classe 98 C. A. de Magalhaes mais rara dos caramujos grandes ¢ capturando tam- bém alguns individuos da classe intermedifria, que foi a mais freqiente nos corpos d’4gua. ‘Como os tempos de manipulagao das presas fo- ram bastante regulares durante as observages (cerca de 90 s), conclui-se que € claramente vantajoso para © caramujeiro selecionar os caramujos maiores, que fornecem mais contetido energético pelo mesmo es- forgo de captura € manipulagio. Além disso, os ca~ ramujos de maior porte podem ser mais facilmente detectados pelas aves. Beissinger (1983) encontrou uma maior fre~ giiéncia de conchas médias nos pousos de alimenta- do que examinou na Guiana, Entretanto, os cara- mujos daquele local eram de maior tamanho, visto que os valores para a sua classe de tamanho médio (comprimento da abertura da concha = 24-28 mm), correspondem & classe de tamanho grande deste tra- balho (comprimento da abertura da concha > 25,1 mm). E possfvel, entdo, que o principal fator envol- vido na escolha das conchas a serem capturadas seja ‘uma adequagdo do tamanho do caramujo com 0 ta- manho da pata do predador. Haveria, ent, um ta~ manho mAximo de presa capturdvel, em funcfo de limitagées para agarrar e manipular conveniente~ mente a presa, Este ajuste de tamanho 6timo envol- veria aprendizagem por parte do caramujeiro, AGRADECIMENTOS ‘Ao professor Daley de Oliveira (UFMT), por todas as informagGes sobre os caramujeiros e sobre o Pantanal, Ao Dr. Carlos Joly, pelo curso de campo e pela identificacio da vegetacio, Aos colegas de curso, pela ajuda inicial no traba~ Iho, Ao CNPq pela bolsa do curso de mestrado — UNICAMP. ‘A Maria Alice dos S, Alves, pelo desenho © pelo incentivo. E, finalmente, aos professores da UFMT, pela acolhida e pela. vvaliosa experiéncia transmitida, REFERENCIAS Beissinger, S. R, (1983) Hunting behavior, prey selection, ‘and energetics of snail kites in Guyana: consumer choi- ce by a specialist, Auk 100: 84-92. Haverschmidt, P, (1962) Notes on the feeding habits and food of some hawks of Surinam, Condor 64: 154-158. (1970) Notes on the Snail Kite in Surinam, Auk 87: 580-584. Mader, W. J, (1981) Notes on nesting raptors in the-llanos of Venezuela, Condor 83: 48-51. Sick, H. (1985) Ornitologia brasileira, wna introdugdo, 1. ‘Brasfia: Editora Universidade de Brasfia, Snyder, N. F. R, ¢ H, W. Kale Il (1983) Mollusk predation by snail kites in Colombia, Auk 100: 93-97. Sykes, P. W, (1979) Status of the Everglade Kite in Florida ~ 1968-1978. Wison Bull. 91(4): 495-511. Sykes, P, © H, W. Kale II (1974) Everglade kites feed on ‘honsnail prey. Auk 91: 819-820.

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