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Caviruto 3 TERRAS PUBLICAS No patriménio ptiblico nacional, a terra piiblica é a maior riqueza, sob o ponto de vista quantitative. © Brasil é um pafs de vocacdo agricola, o que indica serem prdspera suas terras. Diante da riqueza fandiéria, o direito agroambiental dispensa tratamento juridico adequado as especificidades das terras, publicas federais. © sentido é emprestar a terra finalidade que atenda aos interesses sociais. O estude das terras publicas merece acurado tratamento. Ei-lo, 3.1. Definigao e classificagao de bens pablicos Terras piblicas séo bens iméveis pertencentes ao poder ptiblico, de acordo com a destinagao legal. Sao, portanto, bens puiblicos. © atual Cédigo Civil, no art, 98, tratou sobre os bens puiblicos, conceituando-os como aqueles de dominio nacional de propriedade das pessoas juridicas de direito puiblico interno, ou seja, Unio, Estados, Distrito Federal, territérios, municipios, autarquias, associagSes puiblicas e demais entidades de cardter piblico que a lei assim definir. Os bens puiblicos podem ser, segundo a lei civil (Cédigo Civil, art. 99): a) De uso comum do povo, como os rios, as estradas, as pragas, as avenidas etc.; b) De uso especial, como os edificios, 05 terrenos ou os iméveis destinados a algum servico ou estabelecimento da administracao federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; ©) Dominicais, compostos pelo patriménio das pessoas juridicas de direito piblico, como objeto de direito pessoal ou real, de cada uma dessas entidades. A essa tiltima classificagdo, acrescentam-se os bens pertencentes as pessoas juridicas de direito piiblico a que se tenha dado estrutura de direito privado. 3.2. Caracteristicas As caracteristicas principais das terras piblicas, por serem bens publicos, sdo a inalienabilidade, a impenhorabilidade, a imprescritibilidade ¢ a nao onerabilidade. © primeiro trago caracteristico diz respeito impossibilidade de alienacéo por parte do poder puiblico dos bens de uso comum do povo e os de uso especial, enquanto conservarem tal qualificago, na forma que a lei determinar. As tinicas terras puiblicas passiveis de serem alienadas pelo poder pitblico sdo os bens dominicais, desde que as exigéncias legais sejam devidamente observadas”’, Outro ponto peculiar das terras publicas & a impenhorabilidade, que é a impossibilidade juridica de penhorar a propriedade publica. Assim, os pagamentos decorrentes de uma demanda judicial ou qualquer outro procedimento que resulte na onerosidade financeira do Estado devem ser feitos via precatério, A imprescritibilidade, terceira qualidade das terras puiblicas, é traduzida na inviabilidade de adquirir por prescrigéo aquisitiva, ou seja, usucapir a propriedade piiblica, independentemente do tempo que o posseiro permanecer na respectiva terra © iltimo predicado das terras puiblicas é a impossibilidade de serem dadas em garantia de divida, denominada nao onerabilidade. 3.3. Terras devolutas No Brasil, o modo de aquisicao da terra se iniciou em 1500, com 0 advento do regime das capitanias hereditérias e das sesmarias, que assegurava a propriedade do entdo recente dominio da Coroa portuguesa, fato que perdurou até 1822. Necessério que o possuidor, nessa época, confirmasse a propriedade que Ihe era dada pela Coroe portuguesa, por meio das doagdes com encargos, outorgadas no sistema das capitanias hereditarias, ou pelas concessies de data, nas quais as municipalidades transferiam a propriedade de areas nas cidades e nos povoados para a construcdo de benfeitorias particulares’. E aquelas terras que fossem abandonadas pelos concessionérios apés a cessio via sesmaria, a partir do no cumprimento das es legais, eram devolvidas a Coroa reinol. Surge, portanto, a ideia de terras devolutas. © termo devolutas & originado do latim devolutu, partindo do verbo devolvere, ou seja, 0 termo devoluto denota a ideia de devolugio, devolvido, vago. Na acepsao juridica, devoluta seria aquela terra concedida que se afasta do patriménio das pessoas juridicas de direito publico, sem se incorporar ao patriménio dos particulares”. A Lein. 601, de 18 de setembro de 1850, a chamada Lei de Terras, trouxe o primeiro conceito sobre terras devolutas no ordenamento juridico brasileiro, segundo o qual so a) as que no se achavam destinadas a algum uso puiblico nacional, provincial, ou municipal; b) as que nfo se achavam no dominio particular por qualquer titulo legitimo, nem fossem havidas por sesmarias e outras concessbes do Governo Geral ou Provincial, nao incursas em comisso por falta do cumprimento das condigées de medicéo, confirmacao e cultura; c) as que ndo se achavam transferidas por sesmarias, ou outras concessies do Governo, que, embora incursas em comisso, fossem revalidadas pela Lei n. 601/1850; d) as que nao se achavam ocupadas por posses, que, apesar de nao se fundarem em titulo legal, fossem legitimadas por aquela lei. © Decreto n. 9.760, de 5 de setembro de 1946, que dispde sobre os bens iméveis da Unido, denominou devolutas, em seu art. 5¢, as terras localizadas na faixa de fronteira, nos territérios federais e no Distrito Federal, que nao possuem destinacao piiblica, seja federal, estadual ou municipal, tampouco particular, 0 que as torna uma propriedade publica sem finalidade, podendo se dar: a) por forca da Lei n, 601, de 18 de setembro de 1850, do Decreto n. 1.318, de 30 de janeiro de 1854, e de outras leis e decretos gerais, federais e estaduais; b) em virtude de alienagio, concessio ou reconhecimento por parte da Unido ou dos Estados; c) devido a lei ou concessio emanada de governo estrangeiro € ratificada ou reconhecida, expressa ou implicitamente, pelo Brasil, em tratado ou convengio de limites; 4) por conta de sentenga judicial com forga de coisa julgada; e) por se acharem em posse continua e incontestada com justo titulo e boa-fé, por prazo superior a vinte anos; f) por se acharem em posse pacifica ¢ ininterrupta, por trinta anos, independentemente de justo titulo e boa-fé; e g) por forca de sentenga declaratéria proferida nos termos do art. 148 da Constituigdo Federal, de 10 de novembro de 1937. A natureza juridica das terras devolutas é de bens dominicais, vez que nao podem ser enquadradas como de uso especial, justamente por nao serem destinadas a qualquer tipo de servigo ptiblico, tampouco serem bem de uso comum do povo, ja que constituem objeto de direito real da pessoa juridica de direito publico a qual pertenca, conforme dic¢ao do art. 99, III, do Cédigo Civil”. Ademais, as terras devolutas nao so passiveis de usucapido, nem de alienagio, devendo, em todo caso, serem observadas as exigéncias da lei Conforme dicgdo do Constituinte de 1988, so pertencentes da Unido as terras devoluta: indispensdveis & defesa das fronteiras, das fortificacdes e das construcdes militares, das vias federais de comunicacao, e a preservacdo ambiental, definidas em lei”. As demais terras devolutas nao compreendidas entre estas da Unio cabem aos Estados federados”. Por outro lado, nao era de esperar que todas as situagdes fundidrias envolvendo a concessio de terras desde a época da Coroa seriam facilmente solucionadas, tanto que, para isso, editou-se a Lei n. 6.383, de 7 de setembro de 1976, que dispée sobre 0 processo discriminatério de terras devolutas da Unido, regrando procedimento admit rativo prévio e judicial (agdo discriminatéria), Relativamente ao nus probatério da propriedade das terras devolutas, a jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal consolidou 0 entendimento de que a inexisténcia de registro imobilidrio de bem objeto de agéo de usucapiéo néo induz & presungio de que o imével seja puiblico (terras devolutas), cabendo ao Estado provar a titularidade do terreno como ébice ao reconhecimento da prescrigao aquisitiva®. 3.4. Terras de faixa de fronteira As terras de faixa de fronteira (150 km de largura ao longo das fronteiras terrestres) séo aquelas compreendidas na faixa de até 150 quilémetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, consideradas fandamentais para a defesa do territério nacional, sendo sua ocupacio e utilizagao reguladas em lei (art. 20, § 2%, da Constituigao Republicana ¢ art. 1° da Lei n. 6.634, de 2 de maio de 1979), As faixas de fronteira tiveram sua primeira acepgdo na Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850 (Le de Terras), quando dispés sobre a possibilidade de concessdo das terras situadas nos limites do Império com outros paises, em uma zona de até dez léguas (aproximadamente 66 quilémetros), reforcada pelo Decreto n. 1.318, de 30 de janeiro de 1854, regulamentador da Lei de Terras, A primeira Constituicgo Republicana, de 1891, no art. 64, transferiu as terras imperiais aos Estado: federados, deixando & Unido somente a porgao do territério que for indispensavel para a defesa das fronteiras, fortificagGes, construgées militares e estradas de ferro federais. Por outra via, no art. 83, manteve vigente a legislacao anterior que a ela ndo contrariasse, ¢, por tal forca, a Lei de Terras de 1850 manteve sua vigéncia, e, assim, a faixa de fronteira criada por essa lei imperial. A Constituigio Federal de 1934, ao seu turno, no art. 20, dispés que sdo bens da Unio os que a el pertencem nos termos da legislagao entao vigente. E tratou sobre a faixa de fronteira no capitulo sobre seguranca nacional e previu a impossibilidade de concessdo de terras ou de vias de comunicagao ¢ a abertura de estradas, bem assim a instalacdo de induistrias de interesse & seguranga nacional, dentro da faixa de cem quilémetros ao longo das fronteiras, sem a audiéncia do Conselho Superior da Segurangz Nacional (art. 166) A Constituiggo de 1937, em seu art. 37, regrou que sio do dominio da Unido os bens que a ele pertencem nos termos da legislagdo entdo vigente. E, no art, 165, aumentou a faixa de terras de fronteira para 150 quilémetros, proibindo a concessio de terras ou de vias de comunicacéo, bem como a instalagdo de induistrias que interessem a seguranga nacional, sem audiéncia do Conselho Superior de Seguranga Nacional. aos Estados-membros Com a inauguracéo da Reptiblica, em respeito aos principios federativos, passaram a pertencer as terras devolutas, reservando o Constituinte & Unido apenas a faixa de terra pare a protecao e a defesa da fronteira e a integridade do territério nacional. Todavia, os governos estaduais € municipais concederam terras devolutas nas faixas de fronteira a particulares, sem a anuéncia da proprietéria, a Unido. Praticaram, portanto, transferéncia a non domino. Por isso, em 1939, 0 Decreto-lei n. 1.164, de 1° de marco, subordinow as concessdes de terras nas faixas de fronteira feitas pelos governos estaduais e locais & revisio por uma comissdo especial nomeada pelo Presidente da Repiiblica, e proibiu qualquer negociagéo sobre essas terras até que referide comissio ratificasse aquelas concessdes. A democratica Constituigdo Federal de 1946 versou sobre a faixa de fronteira no art. 34, declarandc que so bens da Unido a porco de terras devolutas indispensdvel a defesa das fronteiras, as fortificagdes, As construgdes militares e as estradas de ferro. A continuada pratica ilegal da concessao de terras nas faixas de fronteira por parte dos Estados ¢ municfpios impés a manutengao da adogao de medidas capazes de convalidar aqueles atos, sob pena de grassar a inseguranga juridica a centenas de milhares de trabalhadores rurais naquelas regiées. Editou-se, entéo, a Lei n. 4.947, de 6 de abril de 1966, a qual estipulou, em seu art. 5%, § 1° 2 competéncia do Poder Executive para ratificar as alienagdes e concessies de terras jé feitas pelos Estados na faixa de fronteira, se entendido que se coadunam com os objetivos do Estatuto da Terra®! A Constituigao de 1967, com a redacao dada pela Emenda Constitucional n. 1/69, no seu art. 4° dispés que se incluiam entre os bens da Unido a porcdo de terras devolutas indispensdvel & defesa nacional ou essencial ao seu desenvolvimento econémico e a que a ela ja pertenciam, pelo que incorporou ao patriménio nacional as terras devolutas necessérias a sua seguranga e ao desenvolvimento, ficando, desse modo, resolvidas possiveis diividas sobre o assunto. A legislacao infraconstitucional, mormente a partir da década de 1940, continuou a prever, pela Uniio, a ratificagao dos titulos outorgados irregularmente pelos Estados e municfpios, transferéncias a non domino, relativos a iméveis situados na faixa de fronteira. A convalidacdo pela Unido era premente, jo que tais concessdes eram nulas, pois transferidas 2 particulares por quem nao era titular do dominio e por preterir solenidade exigida em lei, a saber, 0 assentimento do Conselho de Defesa Nacional, a partir da Constituig’o Federal de 1934, ou érgax equivalente nas Constituigdes posteriores A Lei n. 6.634, de 2 de maio de 1979, passou a regular as terras na faixa de fronteira, assim compreendida a faixa interna de 150 quilémetros de largura, paralela & linha diviséria terrestre do territério nacional, considerada rea indispensavel & Seguranca Nacional, e por tal motivo profbe qualquer ato negocial com terras devolutas af localizadas, ou a construgao de vias de comunicagio, industria ou empreendimento, sem que haja o assentimento do Conselho de Seguranca Nacional. A Constituicdo Federal de 1988 clausulou, no art. 20, que sdo bens da Unido as terras devoluta indispensdveis & defesa das fronteiras, sendo a faixa de até 150 quilémetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, considerada fundamental para a defesa do territério nacional, sendo sua ocupagao e utilizagao reguladas em lei ordinéria. A lei que regulamenta a disposicao constitucional permanece a Lei n. 6.634, de 2 de maio de 1979, por ter sido recepcionada pela Constitui¢ao Republicana de 1988, ¢ afirma que nessas areas pode haver © dominio privado, seja pelo processo de ratificagdo anteriormente concretizado ou a partir do assentimento do Conselho de Defesa Nacional. Ao que a Unido nao renunciou, todavia, foi seu dominic sobre as terras devolutas localizadas nessas reas, fato sedimentado pelo préprio Supremo Tribunal Federal”, Superior Tribunal de Justiga, ao seu turno, entendeu que qualquer alienagdo ou oneracdo d« terras situadas na faixa de fronteira, sem a observancia dos requisitos legais e constitucionais, é nula de pleno direito, como diz a Lei n. 6.634/79, especialmente se 0 negécio juridico imobilidrio foi celebrado por entidades estaduais destituidas de dominio". A Corte Superior também pacificou que compete a0 Conselho de Defesa Nacional, segundo o art 91, § 18, III, da Constituigao Federal de 1988, propor os critérios e condigdes de utilizagao da faixa di fronteira. Trata-se de competéncia firmada por norma constitucional, dada a importincia que as Constituigdes, inclusive as anteriores a partir da Carta Republicana de 1891, atribuiram a essa parcele do territério nacional. A indisponivel, somente autorizada a alienacdo em casos especiais, desde que observados diversos , a faixa de fronteira é bem de uso especial da Unido, pertencente ao seu dominic requisitos constitucionais ¢ legais. 3.5. Terras de preservacao ambiental As terras de preservacao ambiental, também entendidas como espagos territoriais especialmente protegidos, so aquelas correspondentes as dreas com caracteristicas naturais relevantes, objetivando a conservagéo e regulagéo da respectiva utilizagdo, a partir dos limites impostos pela legislagao infraconstitucional, sob o regime especial de administracao. Desde a Constituigio Federal de 1988, o legislador esteve concernido com a protegio € 0 usc sustentével do meio ambiente, tanto que estipulou e elevou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado a status de direito fundamental, imprescindivel & sadia qualidade de vida, devendo ser protegido pelo poder piblico em conjunto com a coletividade. A Floresta Amazénica brasileira, a Mata Atlantica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-grossense ¢ Zona Costeira foram considerados pelo Constituinte como patriménio nacional, regulamentando sue utilizagdo na forma da lei, dentro de condigdes que assegurem a preservagio do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais, A Lei n, 9.985, de 18 de julho de 2000, esponsdvel pelo regramento do art. 225, § 1°, 1, II, IT VII, da Constituigéo Republicana, bem como pela instituigdo do Sistema Nacional de Unidades d Conservagao (SNUC). As unidades de conservacao sio espacos territoriais e seus recursos ambientais, incluidas as éguas jurisdicionais, com caracteristicas naturais relevantes, legalmente instituidos pelo poder piblico, com fins de conservagao e limites definidos, sob o regime especial de administrac3o, aos quais se aplicam garantias adequadas de protecao. Para a Lei n. 9.985/2000, a conservacao da natureza corresponde ao manejo humano dos recursos naturais, compreendendo a preservacdo, a manutencdo, a utilizagdo sustentavel, a restauragdo ¢ a recuperagao do ambiente natural, objetivando a produgdo do maior beneficio, em bases sustentaveis, as atuais geracdes, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e as aspiragées das geracées futuras e garantindo a sobrevivéncia dos seres vivos em geral esses termos, a conservacdo da natureza tem intima relagdo com o desenvolvimento sustentavel, preconizados na Carta Magna de 1988, no art. 225, ao prever o dever de defender e preservar o meic ambiente para as presentes e futuras geracées. Saliente-se que a Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012 - Cédigo Florestal -, instituiu as reas de preservacao permanente (art. 3°, IT), que sao as dreas ambientalmente protegidas, cobertas ou néo por ‘vegetacio nativa, com fungio ambiental de preservar os recursos hidricos, a paisagem, a estabilidade _geolégica e a biodiversidade, facilitar 0 fluxo génico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar 0 bem- estar das populagées humanas. Esse mesmo diploma legal instituiu as reservas legais, correspondentes as areas localizadas no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitadas a partir das caracteristicas do ambiente em que © imével esté localizado™, com a fungdo de assegurar 0 uso econdmico de modo sustentavel dos recursos naturais do imével rural, auxiliar a conservacdo ¢ a reabilitagéo dos processos ecoligicos & promover a conservacio da biodiversidade, bem como o abrigo e a protegdo de fauna silvestre e da flora nativa. Essa amplitude de regides de areas ambientalmente protegidas demonstra a aten¢ao especial que Estado tem dado a tutela da natureza e de seus recursos naturais, legitimando o uso a partir de préticas sustentéveis, que respeitem a vocacao natural da terra ¢ os potenciais produtivos de cada localidade. 3.6. Terras indigenas Terras indigenas so as pores de terra tradicionalmente ocupadas pelos indios e por eles habitadas em cardter permanente, bem como as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindiveis & preservacdo dos recursos ambientais necessérios a seu bem-estar ¢ as necessarias a sua reproducao fisica e cultural, segundo seus usos, costumes e tradigdes, Devido a umbilical ligago com a natureza, o indigena tem a si reconhecido, em ambito constitucional, o direito de viver nas terras onde tradicionalmente habita. Mas as terras indigenas nao sio de sua propriedade, como se particular fosse. Muito pelo contrario: a Constituigo Federal, no art 20, XI, preceitua como bem da Unido as terras tradicionalmente ocupadas pelos indios. As terra: indigenas fazem parte, assim, do territério brasileiro. E uma parte do todo: o territério nacional sobre cujo espaco deita a soberania brasileira. Nesse sentido, os indios mantém vinculos juridicos com a Uniao, pois tém o apossamento constitucional de terra a ela pertencente. © Supremo Tribunal Federal reafirmou como bens da Unido os que Ihe pertencem ou que lh« vierem a pertencer (art. 20, I, da Constituicdo Federal) e as terras tradicionalmente ocupadas pelos indios (art. 20, XI, da Constituigao Federal), excluindo os territérios de aldeamentos extintos, ainda que ocupados por indigenas em passado remoto®®. £ que deixaram de integrar 0 patriménio fundidrio da Unido, na qualidade de devolutas, as terras de aldeamento indigena abandonado antes da Constituigae Federal de 1891, por restarem desafetadas do uso especial que as gravava, e, assim, passaram a0 dominio dos Estados federados, por efeito da norma do art. 64 da Constituigdo de 1891, a primeira republicana, As terras indigenas sdo de interesse piblico, justamente para efetivar a protecao da categoria social (comunidades indigenas). Essa tutela efetiva no é concretamente um servigo administrative, mas hé um objetivo social perseguido pelo poder publico, motivo pelo qual esses bens configuram-se na categoria de uso especial”. O direito agroambiental se volta para as terras tradicionalmente ocupadas pelos indios, na medida em que nesse espaco sio praticadas atividades agrérias, especialmente o extrativismo, a lavoura ¢ a pecuéria pela propria comunidade indigena, devendo nao ser exploradas por nao indigenas. Na época da Independéncia, havia a preocupacao com a causa indigena no que se refere & invasic em suas terras, especialmente no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e em Sao Paulo. Afinal, 0 passadi retratava como praticas comuns a dizimacio, a escravizacdo e a expulsio dos silvicolas de regides que interessavam aos portugueses’”. No Império, a Lei n. 601/1850 contempla a reserva de terras as comunidades indigenas, ao prever < necessidade de o Governo reservar as terras devolutas em favor da colonizagao dos indigenas**. A primeira Constitui¢ao Republicana a regulamentar as terras indigenas foi a de 1934, a qual previ a necessidade de respeito das terras onde se localizassem as comunidades indigenas em carter permanente, sendo-Ihes, no entanto, vedado aliené-las. A Constituicao Federal de 1988 reconheceu as terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades de indios como de propriedade da Unido, com a arregimentagio legal no art. 231 e pardgrafos. Aos indios é destinada a posse da terra devidamente ocupada em carater permanente, para fins de organizacao, habitacao, realizacdo de suas praticas sociais, como costumes, linguas préprias, crengas e tradigées, sendo-lhes garantida a posse definitiva sobre a terra respectiva, bem como o usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades ali existentes. Embora de propriedade da Unido, as terras indigenas so elemento fundamental a partir do qual o: indigenas estabelecem sua afirmagio identitéria. As comunidades tradicionais, como os indigenas, possuem critérios de organizacao social préprios, com relativa autonomia produtiva, reprodugao social sem dependéncia direta de um poder central, longe da economia de mercado e de consumo, bem como centradas em representacdo politica particular, autonomia de gerenciamento dos recursos ambientais e um saber proprio que se manifesta em concepgao propria de territorialidade™. Nessas_condigé s, as terras indigenas tanto quanto os demais bens agroambientais a que os indigenas tém seu modo de vida vinculado constituem direitos fundamentais do agrupamento social. Afinal, “é preciso considerar que, assim como o étnico extrapola o biolégico, a nogéo de territorialidade extrapola a terra como recurso natural”””. Urge, entao, que o locus indigena seja demarcado, 0 que & de encargo constitucional da Unio. As terras tradicionalmente ocupadas pelos indios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes 0 usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. ‘A demarcacdo das terras indigenas e sua previsio constitucional séo vitérias das populagdes indigenas e se inserem dentro das politicas puiblicas de tutela da diversidade étnica brasileira, sendo de competéncia do Executivo federal feita em procedimento administrativo regulado em lel. Por varios motives, é necessiria a demarcagio das terras indigenas, no apenas sob o angulo antropolégico-cultural, mas até mesmo devido 3 eugenia, na medida em que se constata que 0 avango da sociedade tecnolégica sobre suas terras atenta contra a prdpria existéncia dos indigenas. Por exemplo, em Mato Grosso do Sul ocorreram nove contaminagdes por agrotéxicos no pove Guaran Kaiowé, sendo um dos contaminados um recém-nascido de 18 dias de vida. Outros casos de contaminacdo por agrotéxicos na populacdo indigena brasileira foram verificados, também, em Santa Catarina, Parand, Minas Gerais, Espirito Santo e Bahia. Com a demarcagao, a fronteira agricola nao ultrapassa o limite das terras indigenas. © Supremo Tribunal Federal decidiu, entre virios outros pontos paradigméticos para a caus: indigena, que as terras ocupadas pelos indios devem ser demarcadas continuamente, ¢ ndo em ilhas, tipo “queijo suico” (clusters)”” A Constituigdo prega o reconhecimento dos direitos origindrios (primevos) dos indios sobre ac terras tradicionalmente ocupadas. O propésito constitucional, portanto, é deixar que a populacao indigena desfrute de espaco fisico do meio ambiente natural necessério a sua subsisténcia e reprodugdo cultural, econémica e social A norma qualificada que reconhece as terras indigenas respeita sua identidade cultural, plasmando a fixagio do perimetro dessas terras, perimetro que deve levar em consideracdo os quatro circulos concéntricos referenciados pelo Supremo Tribunal Federal, a saber: a) habitagdo em caréter permanente ¢ ndo eventual; b) as terras utilizadas “para suas atividades produtivas”; ¢) “as imprescindiveis dos recursos ambientais necessdrios ao seu bem-estar”; d) as que se revelarem 92 “necessérias &reprodueao fisicae cultural” de cada uma das comunidades indigenas’*, Nesse sentido, o regime constitucional das terras indigenas autoriza a demarcacao continua do espaco geogréfico onde esté a comunidade tradicional, por funcionar ai o locus pretendido pelo Constituinte ao indigena. A demarcagio continua se faz dentro de uma mesma comunidade indfgena, em geral formada por ‘uma s6 etnia, mas sendo possivel duas ou mais como séi acontecer com a Terra Indigena Raposa Serre do Sol”, em que cinco etnias convivem pacificamente, comungando dos mesmos ideais, crenca, usos, costumes, tradigao, tronco de lingua, religiio ¢ demais elementos culturais que identifiquem aborigenemente uma comunidade™, As terras indigenas, por serem de propriedade da Unio Federal, nos termos do art. 20, XI, di Constituigéo da Republica, sdo inaliendveis, indisponiveis e imprescritiveis”. E direito constitucional indigena a posse permanente sobre as terras que ocupam tradicionalmente. Como os indios detém o direito origindrio sobre as terras, ou seja, 0 primeiro dos direitos em era primeva, para exercé-lo plenamente ha de ser acompanhado de posse qualificada, A qualificagdo da posse indigena reside no fato de ser tradicional, histérica, anci8, com morada habitual da tribo indigena, cultura efetiva da terra, operando em estreita relacao com 0 meio ambiente natural. O exercicio dos direitos possessérios permanentes se faz por meio da férmula juridica do usufruto vitalicio. A vitaliciedade usufrutudria se di no tomando como referéncia indio individualmente considerado, mas coletivamente, de sorte que enquanto houver a coletividade indigena de determinada etnia, existiré o usufruto comunal Além de vitalicio coletivamente, 0 usufruto é exclusivo da comunidade indigena. O caréter de exclusividade tem significado juridico de que o nao indigena ou o indigena de outra etnia no tem direito a usufruir, Os direitos de usufruto recaem sobre as riquezas do solo, dos rios e dos lagos que existam nas terras indigenas. Implica o direito & posse, a0 uso e & percepgao das riquezas naturais e de todas as utilidades existentes nas terras ocupadas, bem assim 0 direito ao produto da exploragio econémica de tais riquezas naturais e utilidades. A Carta Republicana nao inclui no direito de usufruto indigena 0 aproveitamento dos recurso: hidricos, inclusive os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra dos recursos minerais. A exploracao econdmica dessas riquezas pode ser feita por nao indigenas, contanto que haja, em qualquer hipétese, autorizasao do Congreso Nacional (art. 49, XVI, da Constituigéo Federal), sendo garantida & etni indigena a participacdo nos resultados da lavra (renda), na forma da lei. Todavia, tal aproveitamento econémico, além de seguir procedimento legal permissivo, tem de respeitar 0 socioambientalismo local, nomeadamente a biodiversidade e a cultura indigena, pois a gandncia pela riqueza natural (por exemplo, o minério) coloca em risco as terras indigenas, os redutos de biodiversidade e da cultura do grupo. Por exemplo, um garimpo de ouro, em dreas indigenas na Amazénia, destréi o curso d’gua, contamina os rios com merciirio, desmata a floresta, degrada o solo e provoca a caca de animais silvestres. O Texto Magno veda a remocao dos grupos indigenas de suas terras, com excecao de catastrofe ou epidemia que ponha em risco sua populacdo, hipétese em que é exigido 0 ad referendum do Congresso Nacional, ou, ainda, no interesse da soberania do pais, exigindo-se, também, a deliberacdo do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipétese, o retorno imediato logo que cesse 0 risco. Outrossim, séo nulos e extintos, sem producao de efeito juridico, os atos que tenham por objeto a ocupasao, 0 dominio e a posse das terras ocupadas pelos indios, bem como a exploracdo das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Excetuam-se, todavia, para os casos de relevante interesse publico da Unio, segundo o que dispuser lei complementar. A nulidade e a extingdo do ato nao geram direito & indenizagao ou a agdes contra a Unido, salvo, na forma da lei, quanto as benfeitorias derivadas da ocupacéo de boa-fé. A Lei n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973 - Estatuto do Indio -, regula a situagao juridica do: indios. Ela foi recepcionada pela Constituigao Federal de 1988, mas h4 dispositivos legais que sc tornaram incompativeis constitucionalmente. © Texto Constitucional possibilita que as comunidades indigenas e suas respectivas organizagées sejam partes legitimas para ingressar em juizo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o “Ministério Publico em todos os atos do processo. A legitimidade processual conferida pela Carta Magna em favor dos indios somente ¢ confirmada se houver integracdo & comunhao nacional, j4 que, em nao havendo a respectiva incluso, haverd necessariamente de reconhecer a incapacidade relativa, devendo as comunidades indigenas serem assistidas pelo seu érgao tutelar, a Funai”. 3.7. Terras quilombolas ‘A Constituicio Federal, em sua contemplacio étnica plural, tratou sobre a situacio juridica das terras quilombolas. No art. 68 do Ato das Disposigdes Constitucionais Transitérias, reconheceu 0 direito de propriedade coletiva definitiva aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras, devendo o Estado emitir-Ihes os titulos respectivos. © Supremo Tribunal Federal decidiu que o art. 68 do ADCT deve ser cumprido, atendendo & garantias fundamentais previstas em favor dos quilombolas, conforme se depreende do voto da Ministra Rosa Weber, que afirmou que a compreensio sistematica da Carta Politica nio soment« autoriza como exige, em casos de incidéncia de titulo de propriedade coletiva particular legitimo sobre as terras ocupadas por quilombolas, que seja o proceso de transferéncia do dominio para estes, mediado por regular procedimento de desapropriacdo, sendo esse imperativo constitucional regulado pelo art. 13 do Decreto n. 4.887/2003”, Com feito, a ordem constitucional, sob © primado dos direitos humanos, assegura aos remanescentes das comunidades dos quilombos a titulagdo coletiva definitiva do imével sobre o qual tradicionalmente mantém posse ¢ vinculacdo teliirica ao meio ambiente, ainda que a area seja terreno de marinha, de propriedade da Unido, como séi enunciar o Recurso Especial n. 931.060/RJ, de Superior Tribunal de Justica”®. © Decreto n. 4.887, de 20 de novembro de 2003, dispae sobre o procedimento para a identificacao, © reconhecimento, a delimitagao, a demarcacao e a titulagdo das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Consideram-se, a partir desse diploma legal, remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuigao, com trajetéria histérica prépria, dotados de relagbes territoriais especificas, com presuncdo de ancestralidade negra relacionada com a resisténcia & opressao histérica sofrida. Competem ao Instituto Nacional de Colonizagdo e Reforma Agraria (Incra) a identificasao, « reconhecimento, a delimitagdo, a demarcagio e a titulago das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuizo da competéncia concorrente dos Estados, do Distrite Federal e dos municipios. Com 0 fito de ordenar o territério, em regulariza¢ao fundisria, os Estados federados e os municipios tém legitimidade para outorgar 0 titulo definitivo da propriedade coletiva aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras. A atestagao da caracterizagao dos remanescentes das comunidades dos quilombos sera realizada mediante autodefinicao da respectiva comunidade, que seré inscrita no cadastro geral junto & Fundagdo Cultural Palmares, expedindo-Ihes a certidao respectiva, na forma do regulamento. As terras remanescentes das comunidades de quilombos tém natureza de bem ptiblico de uso especial, na medida em que servem para preservar a identidade dos grupos ali localizados, com a manutencio de suas praticas, costumes e culturas, em respeito ndo somente 4 protecdo ao direito fundamental de moradia, mas & prdpria dignidade da pessoa humana, em face da intima relagdo entre a identidade coletiva das populagées tradicionais e o territério por elas ocupado™”. Portanto, essas terras so dotadas de todas as caracteristicas inerentes &s propriedades piblicas, a saber: inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade e nao onerosabilidade. 3.8. Terras de marinha e acrescidos de marinha Os terrenos de marinha e seus acrescidos esto dispostos no Decreto n. 9.760, de 5 de setembro de 1946, conceituados como as dreas localizadas em uma profundidade de 33 metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posi¢ao da linha da preamar média do ano de 1831, relativamente aos iméveis situados no continente, na costa maritima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faca sentir a influéncia das marés, bem como as terras que contornam as ilhas situadas em zona onde se faga sentir a influéncia das marés. Por influéncia das marés, entende a lei ser a oscilacdo periddica de cinco centimetros, pelo menos, do nivel das éguas, que ocorra em qualquer época do ano civil. Os terrenos acrescidos de marinha correspondem aquelas porgdes de terra somadas (acrescidas) natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios ¢ lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha Compete & Secretaria de Patriménio da Unido (SPU) a determinacao da posigéo das linhas d preamar média do ano de 1831 e da média das enchentes ordinarias (art. 9° do Decreto-lei n. 9.760/46), ppara fins de identificagdo dos terrenos de marinha e acrescidos. Esses terrenos sio considerados piblicos, por determinagdo da Carta Republicana, conferindc propriedade & Uniao'”®, Sao, portanto, inaliendveis, imprescritiveis, ndo onerosos e impenhoraveis, ainda que possam ser objeto de aforamento, ocupacdo ou de arrendamento"™ Por serem de dominio federal os terrenos de marinha, os registros de propriedade particular de iméveis af localizados nao so oponiveis & Unido, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiga’””, Isso significa que se o particular for proprietario de imével, localizado em drea de terreno de marinha, com o titulo devidamente registrado no Registo de Iméveis, ainda assim, nao poders ser considerado proprietario em oposigio a Unido. ‘A Unio, por seu turno, deve providenciar a demarcagio da rea de marinha pelo procedimente administrative préprio, como exige 0 Decreto-lei n. 9.760/46, e, caso nao o faca, fica sujeita a ver 0 imével em terreno de marinha suscetivel 4 usucapido, embora as terras sejam imprescritiveis. E que se © particular ingressar com ago de usucapido de determinada rea que esteja localizada em terreno de marinha, a usucapido poderd ser deferida, vez que 0 particular néo pode permanecer 4 mercé da atividade discricionaria da administragao publica em realizar a demarcacdo a que esté obrigada, nos termos ja assentados pelo Superior Tribunal de Justica'®. © Decreto-lei n. 9.760/46 regulou a possibilidade do uso dessas éreas pelos particulares pelo regime da enfiteuse, também chamado de aforamento ou emprazamento, ¢ se dard quando coexistirem a conveniéncia de radicar 0 individuo ao solo e a de a Unido manter o vinculo da propriedade puiblica. Pelo aforamento, a Unido, senhorio direto da propriedade, transfere o dominio util ao particular, enfiteuta, tendo este a obrigacao de pagar anualmente um valor financeiro a titulo de foro ou pensio e de pagar também, no momento da transferéncia onerosa do dominio titil ou cessio de direitos por ato inter vivos a um terceiro, 0 laudémio, quando o senhorio nao exercer a preferéncia sobre a propriedade!™’ © aforamento se daré quando coexistirem a conveniéncia de radicar-se o individuo ao solo ea de manter-se o vinculo da propriedade piiblica. E a cessio, por sua vez, sera feita quando for de interesse da Unido concretizar auxilio ou colaborago que entenda prestar, com a permis 0 da utilizagao gratuita de seu imével. A ocupagio dessas areas, conforme o Decreto-lei n. 9.760/46, exige que haja o cadastramento prévic dos ocupantes pela Secretaria do Patriménio da Unio, bem como o pagamento da taxa de ocupagio, destacando que o ato administrativo que autoriza o particular a ocupar o terreno de marinha respectivo € discricionério e esté sujeito & conveniéncia da administragao federal para, caso precise do imével, promover a desocupacao suméria, sem que o particular tenha direito & permanéncia Far-se-é a locagdo quando houver conveniéncia em tornar 0 imével produtivo, conservande, porém, a Unio, sua plena propriedade, considerada arrendamento mediante condicées especiais, quando objetivada a exploracao de frutos ou a prestacdo de servigos 3.9, Terras marginais O termo marginal significa “relativo & margem”, na beira, no limite, e é aplicado as terras localizadas as margens dos rios, dos lagos e por esses contornadas. Foi utilizado pelo Decreto-lei n. 9.760, de 5 de setembro de 1946, entendendo-se como aqueles terrenos banhados pelas correntes navegaveis, fora do alcance das marés, e vo até a distancia de quinze metros, medidos horizontalmente para a parte da terra, contados desde a linha média das enchentes ordinarias. Pertencem a Unido, apresentando, portanto, as mesmas caracteristicas comuns aos bens puiblicos. © Cédigo de Aguas (Decreto n. 24.643, de 10 de julho de 1934), em seu art. 31, atribui < propriedade aos Estados sobre os terrenos reservados as margens das correntes e dos lagos navegéveis, se, por algum titulo, néo forem do dominio federal, municipal ou particular. Assim, 0 mesmo entendimento aplicavel as terras devolutas aqui retorna: os terrenos localizados &s margens dos rios navegaveis, em regra, sio de propriedade dos Estados, somente nao sendo caso sejam federais, municipais ou particulares, devendo ser provada a propriedade por titulo que indique sua transferéncia pelo poder puiblico. A Siimula 479 do Supremo Tribunal Federal consignou que as margens dos rios navegaveis so di dominio puiblico, insuscetiveis de expropriacao e, por isso mesmo, excluidas de indenizagao. © particular pode, em todo caso, conseguir comprovar o titulo de propriedade dos terrenos marginais, desde que prove a transmissdo legitima da drea. Ademais, sobre esses terrenos incide a servidio de transito em favor da administracdo publica, durante a execugao de algum servico administrative’. 3.10. Grilagem de terras publica Grilagem ¢ a pratica de se apropriar ilegalmente de terra alheia, preferencialmente a piiblica, sem 0 devido titulo fundigrio, ou, com o uso da fraude ou falsificacao de titulos de propriedade, forjando legalizagao de documento, a fim de aparentar ser auténtico. Visa obter a posse c/ou propriedade ilicitamente. Os atores dessa pratica sio chamados de grileiros. A grilagem esta atrelada a inimeros crimes, traduzindo uma verdadeira constelagdo de delitos: crime de usurpagao de terras, fraude, falsidade documental, esbulho possessério, homicidio, lesSes corporais, incéndio doloso, corrupsao ativa, quadrilha ou bando™ ete. O termo grilagem foi atribufdo a essa pratica tendo em vista que o fraudador, para dar aparéncia de documento antigo, coloca 0 documento fundiério novo em um ambiente fechado, geralmente em gavelas, contendo grilos em seu interior, que liberam dejetos que torna o papel amarelecido, e, assim, confere aspecto mais antigo, semelhante a um documento original, com aparéncia de veracidade nas informagées nele constantes. A pratica da grilagem pode ocorrer em qualquer tipo de terras ou dominio imobilidrio (terras devolutas desocupadas ou ocupadas, terras indigenas, terras privadas), sendo mais comum na zona rural, devido a uma série de fatores, entre os quais a falta de cadastro idéneo da terra publica, 0 que favorece a esperteza dos grileiros. Em terras devolutas desocupadas, quando a grilagem acontece, a tinica vitima verificada ¢ o proprio poder pubblico, seja federal, estadual ou municipal, que, embora nao esteja fazendo uso imediato e direto da propriedade, é0 titular legitimo do dominio da terra respectiva. Em terras devolutas ocupadas, a seu turno, as vitimas sdo tanto 0 posseiro que esteja depositando sua forca de trabalho no cultivo da terra e dela se utilizando para moradia, como o poder piiblico, por ser o legitimo senhor da respecti a porcio. Em terras privadas, a grilagem, embora ocorra com menos frequéncia pelo fato de estarem ocupadas, é mais comum entre pequenos e médios produtores, que se fizeram pioneiros nas fronteiras agricolas e que ja possuiam 0 titulo juridico habil de exercicio da propriedade. Nesses casos, os grileiros se utilizam da falsificagdo documental a fim de questionar 0 titulo dos legitimos donos da terra, apresentando-Ihes uma cadeia dominial mais perfeita’”, A grilagem também pode ocorrer em terras indigenas, mas a propriedade jamais serd objeto de questionamento em favor dos grileiros, vez que o dominio sobre as terras é de exclusividade da Unio, e seu respectivo usufruto é também exclusivo da comunidade indigena. De certo & que a grilagem pode ocorrer nas terras indigenas ndo demarcadas. De todo modo, a pratica ilegal encontra solugées na legislagio infraconstitucional, ainda que nao literalmente, até porque na pratica se trata de um conjunto complexo de atos formadores do assenhoreamento ilegal da propriedade alheia. © Cédigo Penal apresenta a possibilidade de legitimar a responsabilizacao do grileiro a partir de previséo dos crimes de falsificagio de titulos e outros papéis puiblicos (arts. 293 e seguintes do CP), extorsio (art. 158 do CP), usurpacao de terras (art. 161 do CP), dano (art. 163 do CP), bem como « estelionato e outras fraudes (arts. 171 e seguintes do CP), entre outros crimes. A Lei n. 4.947, de 6 de abril de 1966, responsavel pela fixagdo das normas de direito agrario, que dispoe sobre o Sistema de Organizacdo e Funcionamento do Incra, trouxe, no art. 19 a possibilidade de responsabilizagao penal do individuo que se utiliza, como prova de propriedade ou de direitos a ela relativos, documento expedido por aquele érgéo fundidrio federal para fins cadastrais ou tributérios, em prejuizo de outrem ou em proveito préprio ou alheio. Em ambito civel, dependendo da natureza do tipo de grilagem, se tiver havido a participaao de servidor puiblico, ou se houve conivéncia de oficial de cartério, enfim, de acordo com a participacao criminosa do agente, haverd as consequéncias previstas em lei Em havendo conluio de cartérios, 0 Estado, cessiondrio dos atos dos cartordrios, também é responsabilizado pela pratica criminosa, vez. que deve velar pela atividade de seus funciondrios, diretos e indiretos, cabendo, em todo cas seus prepostos, » acdo regressiva contra os Ademais, quando verificada a ocorréncia da grilagem, o registro imobilidrio ilegal ¢ anulado, retornando o registro piblico ao status quo anteriormente constatado, visando 4 reparagao dos prejuizos ocasionados as vitimas, bem como impossibilitando 0 enriquecimento ilicito dos beneficidrios do ato O direito agroambiental, por sua vez, encontra em suas vestes uma medida acautelatéria da pratica da grilagem, que ¢ a acdo discriminatéria. Esse procedimento, regulado pela Lei n. 6.383, de 7 de dezembro de 1976, é responsdvel pela fixagdo das normas sobre o processo discriminatério de terras devolutas da Unio, segundo o qual se apartam das terras devolutas particulares. Atualmente, a grilagem tem sido reduzida drasticamente em territério nacional, gracas ao aprimoramento da legislacdo, que prevé, por exemplo, a utilizagdo da tecnologia a servico da regularizagao fundiéria, como o uso do georreferenciamento para a identificag3o da érea. Outros instrumentos permitem também paulatino avango no combate a grilagem, tais como: 0 manejo da legislag3o pelo Ministério Publico com o ajuizamento de acdo civil publica, o controle dos érgios fundidrios e ambientais estaduais e federais, bem assim a atuagao do Judiciario e da policia.

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