Carta Aberta Do Coletivo de Voluntários Que Atuou No Resgate de Pessoas e Animais No Viaduto José Eduardo Utzig

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Carta aberta do coletivo de voluntários que atuou no resgate de pessoas e

animais no viaduto José Eduardo Utzig, na zona norte de Porto Alegre

Nós, trabalhadores e trabalhadoras voluntários que atuamos no ponto de resgate e


acolhimento no viaduto José Eduardo Utzig, nas esquinas das avenidas Benjamin
Constant e Cairú, vimos por meio desta carta, comunicar à população o encerramento
das nossas atividades no dia 19 de maio de 2024.

Desde o dia 2 de maio de 2024, cerca de seis mil pessoas e três mil animais foram
resgatados dos bairros Anchieta, Centro Histórico, Farrapos, Floresta, Humaitá,
Navegantes, Santa Maria Goretti, São Geraldo, São João e Vila Farrapos.

Para receber os deslocados, construímos um circuito de acolhimento com tendas


estruturadas e uma série de atividades de auxílio e assistência para as pessoas que
foram obrigadas a deixar suas casas em razão das enchentes. Um aprendizado
coletivo e orgânico construído por pessoas que, em grande maioria, não se conheciam
e não tinham experiência em situações emergenciais.

Juntaram-se a nós voluntários de Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro,
Mato Grosso do Sul, Goiás, Maranhão e Acre.

Foram 18 dias de auto-organização e logística estruturada por voluntários, onde


acolhemos milhares de moradores da zona norte da capital, região historicamente
desassistida pelo poder público, sem praticamente nenhum apoio governamental. As
doações vieram de “anônimos”, pessoas ou empresas que contribuíram com materiais,
equipamentos ou dinheiro de forma espontânea. Para dar conta de atender todas as
pessoas, muitos voluntários dormiram a maior parte dos dias no chão, embaixo do
viaduto. Na última semana foram disponibilizados, com a ajuda de diferentes fontes,
quartos em hotéis a baixo custo para os voluntários. Durante esse período, ao menos
cem voluntários trabalharam de forma fixa, e centenas prestaram ajuda de maneira
esporádica.

Município, Estado e União prestaram serviço de segurança pela Brigada Militar,


Comando de Polícia Choque que fizeram escolta armada em água, Polícia Civil, e
Exército. A Força Nacional e o Corpo de Bombeiros do RS se fizeram presentes na
última semana. O Ministério Público Estadual também realizou doações e auxílio no
recebimento de doações, como cobertores, roupas, toalhas, materiais de higiene e
alimentos. Porém, a organização do processo de resgate e acolhimento se deu pela
base de trabalhadoras e trabalhadores voluntários.

Essa estrutura contou com os seguintes setores:

- Embarcações, combustível e mecânica;


- Resgate de pessoas e animais;
- Elétrica, montagem e desmontagem da estrutura;
- Assistência médica imediata;
- Farmácia;
- Acolhimento e assistência psicológica;
- Alimentação;
- Roupas e produtos de higiene básica;
- Assistência emergencial médica veterinária;
- Alimentação, suporte e encaminhamento dos animais resgatados para lares
temporários;
- Divulgação e suporte ao reencontro dos Pets resgatados com suas famílias;
- Acolhimento e encaminhamento para abrigos ou casas de familiares e/ou
amigos;
- Carona solidária para resgatados (pessoas e animais);

Embarcações, combustível e mecânica

Cerca de 55 embarcações foram utilizadas no fluxo e logística dos resgates. As


equipes contaram com 144 pessoas voluntárias, sendo que destas, ao menos 63
vieram de fora do Rio Grande do Sul.

O setor de combustível funcionou 24 horas por dia e recebeu, na forma de doação,


aproximadamente 30.000 litros de combustível para abastecer as embarcações de
voluntários e, em alguns momentos, as embarcações do Estado que estavam fazendo
escolta na região alagada.

A oficina contou com a presença de dois mecânicos chefe, que tiveram o apoio de mais
de 15 mecânicos, todos voluntários. Abastecida com doação de peças de barcos e
ferramentas, atuou gratuitamente. Foram realizados 298 consertos em embarcações,
principalmente em motores, hélices e casco, dentro da estrutura da oficina e, em torno
de 50 reparos em água. A oficina também funcionava durante 24 horas e o montante
de embarcações precisou de mais de um reparo. Barqueiros e mecânicos receberam
EPIS (Equipamento de proteção individual), botas de borracha estilo jardineira e mais
de 10 wetsuits (estilo long), fruto de doação.

Resgates

Os resgates foram feitos em sua quase totalidade por voluntários que se colocaram em
perigos constantes ao entrar todos os dias nas águas contaminadas e ao usarem
embarcações que não foram feitas para esse tipo de situação. Pequenos botes, jet
skis, barcos a remo, por exemplo, tiveram que ser adaptados para conseguir suprir as
necessidades dos resgates, além da dificuldade de mobilidade dentro das ruas
alagadas que chegavam a ter águas com mais de 5 metros de profundidade contendo
diversos obstáculos não visíveis (como carros, muretas, pilares, móveis, lixo, materiais
de construção, etc). O acesso aos locais eram complicados, como as entradas nos
portões das casas ou nas ruas estreitas, fazendo com que dificultasse a diretriz de
retirar o mais rápido possível as pessoas de casa quando pediam resgate.
A equipe se estruturou para receber e registrar a mão os pedidos de resgate, organizar
os endereços e encaminhar aos barqueiros. Os voluntários também eram responsáveis
por informar, via telefone aos familiares e amigos, se o resgate havia sido concluído ou
não.

Os pedidos de resgates chegavam para a equipe de voluntários a partir da solicitação


de parentes, amigos e tutores, presencialmente no viaduto José Eduardo Utzig, ou por
Whatsapp, e então registrados em cadernos.

Diante da complexidade de alguns casos de resgate, equipes especializadas eram


formadas para acompanhar os barqueiros e atender as demandas médicas,
psiquiátricas, psicológicas ou veterinárias.

Elétrica, montagem e desmontagem da estrutura

Ao menos oito pessoas atuaram na elétrica, todas voluntárias, que se revezaram em


turnos. Nos primeiros dias, apenas três lâmpadas refletoras ligadas em um carro
gerador deram conta de iluminar o local. Com o tempo, vieram mais doações de
materiais e pessoas se voluntariaram para ajudar. A arrecadação de mais de mil reais
entre a equipe, permitiu a compra de um suporte de quatro refletores. Um gerador
fornecido pela Brigada Militar, ajudou a equipe da elétrica a se manter até o final,
mesmo após a chegada da CEEE (Equatorial) para manutenção de alguns cabos de
luz em alguns postes da via pública.

Assistência médica imediata

As equipes de saúde foram organizadas de maneira multiprofissional e realizaram


atendimento humanizado no posto de resgate e diretamente nos locais atingidos.
Médicos(as), enfermeiros(as), técnicos(as), fisioterapeutas e psicólogos(as) entravam
nas águas da enchente, arriscando suas próprias vidas, para atender chamados de
emergência em locais de difícil acesso, manejando situações graves de saúde.

Recebemos uma grande quantidade de doações de medicações e insumos os quais


foram devidamente distribuídos para população necessitada. Foram montadas escalas
de plantão médico para o posto em terra seca, garantindo que sempre teriam pelo
menos dois médicos para atender os resgatados e os resgatistas que precisavam de
atendimento.

Farmácia

A equipe de farmácia foi originalmente formada pelos técnicos de enfermagem que


estavam no local como voluntários, no dia 6 de maio. Contaram com a colaboração de
farmacêuticas voluntárias e trabalhadores de outras áreas também voluntários, que se
organizaram para trabalhar conforme a demanda dos resgates, para que quem
chegasse ao setor tivesse o atendimento e orientações necessários.
Todos medicamentos, os materiais de curativo e de assepsia, as mesas, estantes,
cadeiras e materiais de organização do local foram doados pela população da região
ou de quem estava atuando como voluntário e ofereceu ajuda para melhorar cada vez
mais o atendimento ofertado.

Ressaltamos que a equipe da farmácia, apesar de multiprofissional e extremamente


capacitada, foi montada somente com trabalhadores voluntários, sem o intermédio de
qualquer órgão ou do município. O apoio e abastecimento foi fornecido pela população
do Rio Grande do Sul e por diversos Estados que enviaram doações para que o
atendimento pudesse ser continuado.

Todos os medicamentos e insumos médicos doados, que sobraram após o


encerramento dos resgates, foram distribuídos entre o bairro Lami, Quilombo dos
Machado em Porto Alegre, e alguns pontos dos municípios de Roca Sales e Canoas.

Vacinação

Em uma ação conjunta entre voluntários, Vigilância em Saúde e Assistência em Saúde


do município, também foram aplicadas vacinas contra influenza, tétano e antirrábica, a
partir do dia 9 de maio, das 14h às 20h.

Acolhimento e assistência psicológica

O trabalho psicológico no viaduto José Eduardo Utzig se deu em duas frentes


principais: primeiro socorro psicológico a quem foi resgatado, e a escuta e o
acompanhamento dos voluntários(as) que trabalharam nos resgates.

Assim que a categoria foi convocada para atuar neste espaço, contamos com no
mínimo uma dezena de voluntários que se revezaram e construíram escalas para
manter, pelo menos, dois profissionais da psicologia durante todos os dias da semana.
Alguns de nós participaram de resgates em água, principalmente depois da primeira
semana de inundação.

Em todo este trabalho, ficou nítida a importância do alinhamento profissional, com


diretrizes éticas que priorizaram a escuta, o cuidado frente ao trauma coletivo, e a
assistência frente a necessidades básicas (alimentação, roupa, abrigo). Entendemos
que o trabalho voluntário teve grande importância, mas também muitos limites,
devendo a Rede de Atenção Psicossocial ter mais protagonismo e força, com mais
profissionais contratados para atuar por meio do Sistema Único de Saúde e do Sistema
Único de Assistência Social.

Alimentação

Toda a alimentação servida para a população resgatada, voluntários que estavam


atuando no local e moradores de arredores vieram através de doações de
trabalhadores e cozinhas solidárias, sendo alimentos prontos, lanches e bebidas, bem
como alimentos não perecíveis. Esses alimentos não perecíveis foram distribuídos para
resgatados e moradores necessitados das comunidades.

A tenda da alimentação também serviu como ponto de entrega, coleta e distribuição de


alimentos e bebidas para abrigos e demais locais de acolhimento em Porto Alegre. A
equipe da alimentação também forneceu mantimentos aos moradores que
permaneceram em suas casas nos bairros Anchieta, Centro Histórico, Farrapos,
Floresta, Humaitá, Navegantes, Santa Maria Goretti, São Geraldo, São João e Vila
Farrapos, e também aos moradores ilhados na vila Dique.

Além disso, as equipes de segurança que estavam atuando no local (Brigada Militar,
Força Nacional, Corpo de Bombeiros e demais órgãos), também foram beneficiadas
por tais doações, em forma de alimentação e bebidas. Não houve mobilização por
parte da intendência das forças armadas e nenhuma unidade de logística alimentar foi
designada para ajudar. Toda doação que sobrou está sendo distribuída para os locais e
pessoas necessitadas.

Roupas e produtos de higiene

Uma tenda com roupas, calçados, toalhas, roupas de cama e cobertores foi estruturada
para fornecer roupas secas aos resgatados assim que chegavam no viaduto José
Eduardo Utzig. Um ônibus emprestado pela Sopal (Sociedade de Ônibus Porto
Alegrense) também ajudou a manter as roupas secas nos dias de chuva.

A cada leva de recebimento, as equipes de voluntários(as) faziam a triagem das


doações, separando o infantil, feminino e masculino. Tudo organizado por tamanhos
para que as equipes tivessem o melhor controle possível em meio ao cenário que
estávamos enfrentando na linha de frente. A demanda para atender as pessoas
molhadas, tanto para os resgatistas quanto para os resgatados, era de 24 horas por
dia.

Roupas de festa, saltos de bico finos e outros artigos que não eram necessários para
aquele momento, enviamos para abrigos e pedimos uma troca por artigos mais úteis no
momento, como tênis, chinelos, meias, peças íntimas e outros.

Fomos incansáveis dia após dia, pedindo doações para todos os locais, de igrejas, a
“anônimos”, pois a falta de roupas de tamanhos G, GG, EG e Plus Size era grande e
fizemos de tudo para conseguir atender a todos, no local e também fornecer um kit
básico para ir para o abrigo ou casa de familiar, incluindo cobertores, toalhas e lençóis.

Com o fim das atividades de resgate naquele ponto, o ônibus foi devolvido à empresa
Sopal e as roupas, cobertas e artigos de higiene que restaram foram destinados a um
novo centro de distribuição no Bairro Partenon e outras peças foram enviadas para
abrigos nas cidades de Alvorada e Canoas que ainda sofrem com a grande demanda e
escassez destes mesmos produtos.
Veterinária

Frente à necessidade de resgate e assistência aos animais de Porto Alegre e região


metropolitana neste momento emergencial, a categoria dos trabalhadores da
veterinária uniram-se para atuar nos diversos focos de resgate e acolhimento da
região, e no viaduto José Eduardo Utzig não foi diferente. Voluntários independentes,
sem vínculos prévios, sem quaisquer fins lucrativos e com subsídio próprio, atuaram
em conjunto em prol do atendimento emergencial, garantia da saúde, acolhimento e
bem estar de todos os animais resgatados nas regiões alagadas próximas.

Nesses quase 20 dias, foram atendidos quase 3 mil cães e gatos, além de pelo menos
10 suínos, 5 equinos, e em torno de 10 aves e pets não convencionais, dentre eles,
papagaios, coelhos e chinchilas. Isto só foi possível pela mobilização e apoio da
comunidade, por meio de voluntariado no cuidado, organização e alocação dos animais
recebidos, seja em lares temporários ou, quando possível, de volta a suas famílias,
como também através de inúmeras doações de rações, água, caixas de areia e de
transporte, potes, coleiras, guias, medicamentos e insumos médicos, como seringas,
luvas, gazes, dentre outros.

Infelizmente, muitos desses animais seguem em lares temporários, esperando voltar


para suas famílias. Para isso, a continuidade das doações, principalmente de rações, e
do trabalho voluntário é essencial.

Abrigos

Entre os dias 06 e 18 de maio (data da desmobilização das operações), foi possível


contar com uma equipe de voluntários responsável pelo encaminhamento das pessoas
resgatadas para abrigos. Como metodologia utilizada, ao chegar uma pessoa ou
família à tenda em questão, os voluntários que prestavam acolhimento, em conjunto
com psicólogos que estivessem à disposição, conduziam uma primeira conversa com
as famílias para atendimento de suas necessidades básicas (alimentação, troca de
roupa etc.). A partir desta conversa, ainda, anotava-se qual eram o(s) (a.) nome(s), (b.)
bairro(s) de origem, (c.) número(s) de integrantes, (d.) o(s) número(s) de animais de
cada família e se possuía contato próximo, para que fosse possível prosseguir com o
encaminhamento de forma adequada. A partir disso, puderam ser identificados pelos
voluntários, em linhas gerais, quatro perfis diferentes de pessoas/famílias atendidas e
que, por consequência, demandaram encaminhamentos distintos:

i. Pessoas/famílias desabrigadas pelas enchentes. Nestes casos, verificava-se qual era


o perfil da família desabrigada (atendimento de suas necessidades básicas/coleta dos
dados acima indicados) e conduzia-se o primeiro contato com os abrigos para consulta
acerca da quantidade de vagas ainda disponíveis e se possível o encaminhamento (a
listagem dos abrigos foi montada de forma autônoma pelos voluntários – nome do
abrigo, endereço, perfil de pessoas abrigadas etc.). Uma vez confirmada a
disponibilidade, a família era encaminhada ao abrigo em questão por alguma carona
solidária de voluntários que estivessem no local;
ii. Pessoas resgatadas com familiares que poderiam fazer o acolhimento em suas
casas. Já para estas, o atendimento era distinto. Passava-se por triagem inicial
(atendimento de suas necessidades básicas/coleta dos dados acima indicados) e, após
telefonema ao parente em questão, confirmada a situação do local em que seriam
deslocadas (se tinha água, luz, estrutura para receber a família etc.), era
disponibilizada carona solidária no local para transporte da pessoa até o familiar. Caso
o familiar viesse buscá-lo(a), aguardava-se em conjunto à família a chegada do
parente;

iii. Pessoas/famílias com alguma situação particular ou complexa que demandava


atendimento individualizado para que o encaminhamento fosse feito com segurança –
tanto à família em questão, quanto às já abrigadas. Para alguns casos específicos, em
que o grupo identificava que havia alguma singularidade que não seria recomendado o
encaminhamento imediato para o abrigo (tal qual: algum indício de dependência
química; situações familiares complexas (violência doméstica); membros de famílias
que buscavam encontro de outros familiares já abrigados e não havia sido possível o
contato até então; moradores de rua, etc.), eram encaminhadas para o Grêmio Geraldo
Santana, no bairro Santo Antônio, para passarem pela triagem estendida e acolhimento
da Prefeitura de Porto Alegre;

iv. Pessoas em situação de rua. Em decorrência de toda operação montada


(alimentação, água, roupas etc.), muitas pessoas em situação de rua passaram a
transitar no local e buscar atendimento. Nestes casos, quando solicitado atendimento,
às pessoas em situação de rua também foram acolhidas. Contudo, a falta de um
assistente social ligado aos órgãos públicos, e a ausência da própria FASC (Fundação
de Assistência Social e Cidadania) tornou o trabalho ainda mais desafiador. Nesse
sentido, quando verificado que a pessoa que buscava atendimento se tratava de
morador de rua, buscava-se contato da FASC para que se deslocassem até o local
para que fosse prestado o atendimento. Contudo, caso não fosse possível o contato
com FASC, encaminhávamos o morador de rua à triagem municipal (Clube Geraldo
Santana), para que a assistência fosse prestada no local.

Importante ressaltar que a Prefeitura de Porto Alegre disponibilizou transporte


municipal – ônibus – apenas para os casos encaminhados ao Clube Geraldo Santana,
de modo que, para os demais casos acima, o transporte das famílias resgatadas e dos
animais era feito integralmente através dos voluntários por caronas solidárias.
Ademais, outro ponto importante a se destacar é que toda a coleta de dados foi feita
por voluntários, a despeito das inúmeras solicitações feitas ao poder público para que
fosse realizado o mapeamento da população atingida, inclusive para fins estatísticos.
Nesse sentido, a partir do trabalho realizado nestes últimos dias, foi possível o
desenvolvimento de site para registro dos atendimentos e encaminhamentos
realizados. Acesso via https://www.resgateshumaita.com.br/. Como se pode-se
observar, não foram poucos os desafios da equipe de voluntários para
encaminhamento adequado destas pessoas/famílias para abrigos. Especialmente
porque, ao longo do período, não houve qualquer contato de autoridade municipal ou
estadual para que fossem prestadas orientações aos voluntários ou combinado como
seriam feitos os encaminhamentos destas famílias. É dizer, a metodologia foi sendo
desenvolvida por exercício de tentativa e erro ao longo dos dias de trabalho dos
voluntários – que, com muita boa vontade e recursos limitados, buscavam a constante
melhora dos processos para que todas as famílias fossem atendidas de forma digna e
adequada.

Dentre estes desafios, pela importância, cumpre destacar que o atendimento às


crianças desacompanhadas, mulheres em situação de violência doméstica, dentre
outros casos complexos indicados no item “iii.” Acima, foram realizados exclusivamente
por voluntários. Nestes casos, como não havia qualquer representante municipal ou
estadual fixos no ponto de resgate do viaduto José Eduardo Utzig, incumbiu aos
voluntários envolvidos o acompanhamento individual e estendido destes casos, por
meio de contatos autônomos (por exemplo, que as crianças estavam sob a
responsabilidade dos voluntários para que então um conselheiro tutelar pudesse
acolhê-las). Acreditamos que se as equipes tivessem tido apoio municipal ou estadual
nessas circunstâncias, poderíamos ter acolhido essas pessoas de maneira mais
humana e civilizada dentro daquilo que são seus direitos.

Inobstante tudo isso, o que podemos afirmar é que, mesmo diante de todas estas
limitações, foi possível acolher todas as pessoas e famílias que cruzaram o local com o
máximo de respeito, carinho e afeto possível, fazendo com que se sentissem
minimamente seguras apesar de todo o contexto. Guardamos com carinho inúmeros
relatos destas pessoas e famílias atendidas que fizeram contato para agradecer a
maneira como foram acolhidas pelos voluntários. Algumas, inclusive, ainda seguem em
contato direto com os voluntários e, após o primeiro atendimento, ainda têm solicitado
auxílio para, por exemplo, envio de suprimentos; realocação para novos abrigos;
caronas para novos deslocamentos que se fizeram necessários – ex.: alagamento de
casa de familiar onde estavam etc. A situação é complexa e demanda intervenção
urgente das autoridades necessárias.

Encerramento

Tendo conhecimento sobre os desmontes das políticas de proteção ambiental, de


saúde e de assistência em âmbito municipal, estadual e federal, considerando os
estudos científicos que apontam sobre as mudanças climáticas e o avanço das águas
em áreas urbanas ocupadas por falta de planejamento urbano nos municípios,
entendemos o desastre natural que afetou o Rio Grande do Sul nas últimas duas
semanas, ganhou tamanha magnitude por negligência do poder público sobre os
diversos estudos e projetos ignorados ao longo dos anos.

Depois de duas semanas ininterruptas de muito trabalho, os voluntários estão exaustos


física e psicologicamente e precisam “retomar” suas vidas e seus respectivos trabalhos.

Entendemos que desde o início a responsabilidade de todo o processo de evacuação,


resgate e acolhimento deveria ter sido do poder público e das instâncias que o
compõem. Nesse sentido, reforçamos que existe um dever e uma necessidade deste
assumir a responsabilidade do cuidado com as pessoas e animais que estão em
abrigos, casas de familiares/amigos ou ainda desabrigados dando um encaminhamento
justo e digno para os mesmos.

É imperativo que o poder público se mobilize para o acompanhamento das pessoas


afetadas dentro dos parâmetros preconizados nas políticas de saúde mental, reforma
psiquiátrica, no sistema único de assistência social e alinhado com as melhores
evidências disponíveis para as intervenções relacionadas a emergências e desastres.
Assim como precisamos respeitar as evidências sobre a situação climática, também
precisamos oferecer atendimento pautado na mesma perspectiva.

As crianças atingidas precisam voltar às aulas apenas quando estiverem seguras, as


pessoas atingidas precisam voltar aos seus trabalhos apenas quando estiverem
seguras, e para que isso ocorra, as pessoas precisam e merecem voltar às suas vidas,
com moradias dignas, trabalhos estáveis com garantia dos direitos trabalhistas,
acesso à saúde e a assistência públicas e de qualidade.

Agradecemos a todos e todas por tudo que já conseguimos juntos e juntas nessa rede
de solidariedade deste coletivo que se formou e pedimos que sigamos fortes e unidos,
para cuidarmos dessas tantas vidas que a nós chegaram e de nós seguem precisando!

Assinam esse documento: os voluntários que atuaram no resgate de pessoas e


animais no viaduto José Eduardo Utzig, na zona norte de Porto Alegre.

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