Lygia Militz Da Costa A Poecc81tica de Aristocc81teles

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Biblioteca—FFPNI série @ rincipios Ligia Militz da Costa Professora titular de Literatura Brasileira na Universidade Federal de Santa Maria A poética de Aristoételes Mimese e verossimilhanga Baigao revista. © Ligin Mite da Cos Dirtoredtria adjanto Ferndo Pact enadara editorial Gabriela Das ‘jt (Garor Medes Ros. ior assent Baty Sue Abo Revie Tray Peas Bin (coo) stags Dine Reznde Mots Bianca Sona ance aig Antonio Paks ‘sstnte Clase Canary Capa ros Tamer de Mlle & Troi Desion liragiskerénlea —— MeacitK Masaki Diregto ‘Sonia Yous Campedel Benjamin Aba Junin ‘Nea doe Reis. ‘Clann Dei de Andee as Joe Siva Fee Miko Takes cons, Lig Mii a, 12- A otic de Arse Liga Mit ds Costa 2, Sio Paul. ‘ics 2006 0p, (Prins 217) acu ibiografi coments ISBN #5.0¢102252 1, Atte. ota. 2. Mies err 1 Til. Série m0 cost Se say oreesooions stn) [RUDRA foramina emg eo ISBN T5-05100242(refemo) ‘a 2008 2% impressto "inpresio Ingres saabnc Grin Ave-Maia = “Todos os dios reservados pela Eitors Aca, 2006 i . [Av aie Alver de Lima 1400-80 Palo, SP CEPO2909-900 asc 299-2100 Fa (1) 3980-1784 S77 Inert: we ain combe-ewatcecainal com br —— Oiniclo 5 A questio da mimese s O texto aristatlico 6 Revisio comentada da Pottica © Abertura do texto (cap. 1, §§ 1€2) Citésis distintivos da mimese (cap. I, § 3, a» cap. 3) 10 A poesia e suas espécies (cap.IVe V) 19 ‘A tora da tragédia (cap. Via XX) 18 A teoria da epopeia (cap. XXIIle XXIV) 37 A poesia (arte literéria) ea verossimillianga (cap. XXV) 40 ‘A superioridade da tragédia sobre a epopéia (cap. XXVI) 44 A mimese e a verossimilhanga na Poética 47 Principais aspectos do texto 47 Proposigdes conceituais. 63 |. A permanéncia do conceito de mimese na teoria da literatura contemporanea 8 imese¢ lingUisticaestrutural_ 6 imese e representagio social $9 Mimese ¢ hermenéutica 64 5. Conclusio 70 Vocabulirio eritico 72 . Bibliografia comentada 75 j | 1 O inicio A questdo da mimese Nos comecos da civilizacdo grega, a palavra mimesis nao se apresentava com uma significardo tinica, A ativi- dade de imitar, que estava na base de todas as suas acep- ges, nunca correspondeu, entretanto, 2 qualquer realismo grosseiro, Entre os antigos, Platao (4277-347? a.C.) concedeu & palavra importéncia capital, compreendendo-a como um tipo de produtividade que nao criava objetos “origi- nais””, mas apenas eépias (eikones) distintas do que seria a “verdadeira realidade”. Platao é 0 primeiro a expor, com clareza ¢ fundamentacdo, as afirmacdes surgidas sobre as teorias do belo no inicio do pensamento ocidental. Ele expressa a ligagdo existente, em toda a Antigilidade, entre a concepeao de arte ¢ 0 carater ontolégico de valores meta- fisicos ¢ empenhativos. Vinculada a uma origem divina ¢ misteriosa, a arte participa, nessa concepedo, do ser originé- rio, devendo por isso “imitar’, no seu contetido, a reali dade das formas ¢ das idéias primigénias. Como na maioria das vezes isso ndo acontece, ou seja, a mimese € apenas oo verossimil e nao visa & esséncia das coisas, nem a verdadeira natureza dos objetos particulares, cla é falsa e iluséria, sendo prejudicial e perigosa ao discurso ideal do fildsofo. Distante das mais altas exigéncias pedagégicas e morais © limitada a representar, num terceiro nivel, as formas origi- ndrias, a mimese foi depreciada por Platao. Privilegiando fa verdade, © filésofo considerou as imagens miméticas como imitacio da imitacdo, ja que elas imitavam a propria pessoa e 0 mundo do artista, os quais, por sua vez, ja eram imitacao (sombra e miragem) da ‘‘verdadeira”’ realidade original, Discipulo de Plato, Arist6teles (384-322 a.C.) recebeu do mestre a palavra mimese. Refutou, contudo, 0 conceito platnico, enaltecendo o valor da arte justamente pela auto- nomia do proceso miméico face A verdade preestabeleci- da. Aristételes transformou a obra numa producdo subje- tiva e carente de empenho existencial e alterou, com isso, ‘a relagdo que ela apresentava com a sacralidade original. De ontoldgica, a arte passa a ter, com ele, uma concep¢ao estética, no significando mais “‘imitacio"” do mundo exte- rior, mas fornecendo “‘possiveis’” interpretagdes do real através de ages, pensamentos € palavras, de experiéncias cexistenciais imaginarias. Afastada da perfei¢ao, da divin- dade e da verdade primigénia, a mimese afirma-se como a representagao do que “‘poderia ser”, assumindo o cardter de fabula. O critério do verossimil, que merecera a critica de Plato por ser apenas ilusdo da verdade, torna-se, com ‘Aristételes, 0 principio que garante a autonomia da arte mimética, 0 texto aristotélico Reconhecido como 9 texto fundador da teoria da lite~ ratura do Ocidente, a Poética consiste no primeiro tratado sistematico sobre 0 discurso literdrio. E discurso literario, 1 no texto aristotélico, identifica-se com a nogao de mimese poética, Na verdade, a Poética ¢ um tex:0 eliptico e obscuro, ‘um conjunto de anotagées resumidas para serem utilizadas didaticamente por Aristételes nas suas atividades como pro- fessor. Os ennnciados nfo desenvolvidos que compéem seus 26 capitulos justificam a resisténcia que a obra apre- senta para uma elucidaeao mais univoca de seu contetido ao longo do tempo. ‘Mal conhecida na Idade Média, época ligada mais aos. problemas légicos e metalisicos, a Po¢tica passou a ser divulgada na Europa em prineipios do século XVI, quando humanistas italianos do Renascimento traduziram, comenta- ram ¢ interpretaram 0 texto, praticamente estabelecendo a doutrina aristotélica. A partir dai, exerceu ampla e significa- a influéncia nos séculos que se seguiram, A mimese ¢ reconhecida como a nogio de capital importéncia na Poética, ainda que Aristételes nao tenha chegado a defini-la nitidamente nos seus escritos, Junto com a mimese, 0 mito e a catarse formam a base de sua teoria da arte poética (literéria). O texto, contudo, circunscreve- se aos limites da tragédia e da epopéia, oferecendo apenas como promessa o estudo posterior de outras espécies de “‘poesia’", como é 0 caso da comédia, citada no inicio do capitulo VI. Nao ha, entretanto, nenhuma referéncia con- creta da existéncia de outro documento dessa natureza con- tendo a continuago prometida do estudo teérico das demais esp As edicdes existentes da Poética, atualmente, basciam- se sobretudo na tradi¢ao manuscrita de cinco documentos fundamentais: ‘dois manuscritos gregos: 0 Panssinus 1741, que data do século X ¢ € 0 manuscrito principal, e 0 Ricardianus 46, datado do século XIV, o qual, embora mutilado, com- plementa 0 Parisinus 174 ‘* um manuscrito arabe: a Versio Arabe, do século X, que remete ao texto grego através de uma versio siriaca; ‘* dois manuscritos latinos: 0 Toletanus, escrito em torno de 1280, e 0 Etonensis, de 1300, os quais testemu- nham a tradugao latina da Poética, efetuada em 1278 por M. Moerbeke. 2 Revisio comentada da Poética Uma leitura/reescritura completa da Poética, pautada no seu conteiido ¢ ordem sequencial stravés do cotejo de trés tradugdes! e das notas e estudos que as complementam, permite uma remontagem exegética do texto, capaz de fun- cionar, por um lado, com a objetividade de um sumério abrangente ¢, por outro, como um quatro referencial eluci- dativo para as indagacdes progressivas acerca da mimese. Considerando 0 tema de que trate, a Poérica pode ser seccionada em sete tépicos, conforme a disposi¢ao ¢ subdi- visdes apresentadas a seguir. Abertura do texto (cap. |, 85 1 e 2) — proposta de estudo da poesic e de sas espécies ‘como artes miméticas. No pardgrafo inicial do primeiro capitulo, Aristételes aponta a poesia como 0 alvo de sua investigacao ¢ dimen- T pnasrrees. Poca, Para Alegre: Globo, 1966, ARsTOTELES,HoRAci, Lowa. 4 postin elssica. Sio Palo: Cults, 1981; ARSTOTE, Lo podtique. Pans: Seu 1980. 10 siona, como num indice, a extensdo de seu estudo acerca da arte poética: tratard da poesia em si mesma (como géne- 10}; de suas espécies — consideradas segundo sua finali- dade prépria; da maneita como devem ser compostos os mitos (histérias ou fébulas), para que o poema resulte per- feito; ¢ da natureza das partes que constituem © poema. Quando diz, no final do pardgrafo, que comecard, como é natural, pelas coisas primeiras, fica evidenciado que se utili- zara do método de classificacao do naturalista, que obe- dece & ordem prépria da natureza, comeyando pelas nocdes mais elementares No segundo pardgrafo, o autor procede & enumeracao das espécies de poesia — epopéia, tragédia, comédia, diti- rambo, aulética e citaristica —, ressaltando, primeiro, 0 Ponto comum entre elas: todas so, em geral, imitagdes* (construgées miméticas); depois, fala de suas diferencas: diferem entre si porque imitam segundo meios, objetos ou modos diversos. Critérios di ivos da mimese (cap. |, § 3, a0 cap. III) — meios, objetos ¢ modos Ainda no primeiro capitulo so apresentados os meios através dos quais se da a imitagao. Citando as cores ¢ as figuras como meios utilizados por alguns artistas (pintores De maneira gerl, © tesmo srego mess € tradurida por “imitag womo aparece nay traduyBes de Eudoro de Sousa e Jaime Bruna. Na ‘endo francesa de Roselyne Dupont-Ros ¢ Jean Lalo, entrtanto, © lermo € tradusido por “repreventavaa™, preterido a “imitaeio"” por {uardar um sentido eatral e por vonter palivalénsia semantica propria 4a mimese: @ de nao priviyiar nem o abjeto-modelo, nem o objeto Produzido, contendo ambos simoltansamente (Introduction. In Aniiore La poctique. Pars: Seu, 1980, 9.1720) u ¢ escultores) e também a voz (suporte sonoro), Aristételes passa a enfatizar aqueles que so os meios préprios das artes posticas: 0 ritmo, a linguagem (canto) ¢ a harmonia (metro). A aulética e a citaristica excmplificam as artes que se utilizam somente da harmonia ¢ do ritmo; a danca serve-se apenas do ritmo e, desenhando coreograficamente figuras com 0 corpo, imita caracteres, emogdes ¢ agdes; mas a arte que se vale exclusivamente da linguagem como meio de imitacdo, podendo servir-se do ritmo (géneros ‘metrificados) ou no (prosa), como combinar diferentes ‘metros ou nao usar nenhum, nao possui denominagio espe- cffica.? Esse fato determina que as diversas composicdes imita- tivas, como os mimos de Séfron ¢ de Xenarco ¢ os didlo- 208 socraticos, no possam ser indicadas por um termo ‘comum. Ao contrario, 0 que acontece é a designacio dos poetas pelo tipo de metro que usam € nfo pela imitagdo {que praticam, como € 0 caso dos chamados “poetas elegia- cos” — 08 que usam 0 distico elegiaco: um heximetro seguido de um pentametro — e dos “*poetas épicos" — os que usam 0 metro herdico: hexametro dactilico, ‘Arist6teles ressalta criticamente a inadequagao do termo “poeta” a todo aquele que se vale do metro para expor um assunto, Cita Empédocles ¢ Homero para mostrar 0 primeiro como mais naturalista (fisidlogo) do que poeta, ¢ (© segundo, como poeta propriamente dito, apesar de os dois serem versificadores. Com isso, reforga a importancia do critério dos objetos sobre 0 dos meios na abordagem da arte poética e exemplifica essa posigio, estendendo e legi timando a condigdo de poeta a Querémon, que, mesmo 5 aime Bruna aponta o terme “literatura” para designar a reuniso des- {as composigdesimitativas (A poética cscs. Sao Paulo, Cult, 1981, cap. [, not 3, p. 19). Roxelyne Dupont-Roc ¢ Jean Lallotreferem esse conjuno geral como Composition en mots” (La poérigue, cap. I, nota 8, p. 150) 2 combinando todos os metros, construiu uma representacao: a rapsédia Centauro. capitulo I fecha-se voltando a sintese reiterativa de que ha artes que se utilizam no s6 da linguagem (canto), ‘mas também dos dois outros meios (ritmo e metro), como € 0 caso da poesia ditirambica, dos nomos, da tragédia e da comédia, que diferem entre si, porque os usam conjun- tamente e, outras, em separado, Na seqiténcia do estabelecimento das diferencas entre as artes miméticas, 0 autor passa a tratar do objeto da imi- tasdo, representado nos homens em acdo. Estes se caracte- rizam eticamente como bons ou maus, uma vez, admitido © principio de que o vicioe a virtude distinguem as pessoas em matéria de cardter. A imitaco que o poeta faz sera, necessariamente, de homens melhores, piores ou iguais a nds, a exemplo do que fazem os pintores, como Polignoto, que representou homens superiores, Pauson, inferiores, e Dionisio, homens semelhantes a nés. Essa diferenca quanto ao objeto de imitacao est pre- sente também na arte da danca, da flauta e da citara, como nos géneros poéticos que usam a linguagem em prosa ou verso como meio; a mesma diferenca ¢ responsével ainda pela distingdo entre tragédia e comédia: a primeira repre- senta os homens melhores do que so e, a segunda, piores. Nesse capitulo (II), Aristételes associa a mimese, a partir do dominio poético, com a transformacao ética do objeto- modelo, para melhor (como faz Homero) ou para pior (como Hegémon de Tasos e Nicécares). A Poética reconhece explicitamente como_géneros somente a tragédia,-a epopéia e a comédia) ou seja, as espé- cies miméticas que implicam a transformacéo do carater do modelo (homem comum) para melhor (tragédia e epo- péia) ou para pior (comédia). A representagdo de seres semelhantes aos comuns, como o fazem Dionisio (na pintu- ra) ¢ Cleéfon (na poesia), mesmo que dada como possivel B (§ 1, cap. II), nao engendra a formagio de um género poé- tico na tipologia de Aristételes. * (© modo como se realiza a imitacdo € 0 terceiro critério distintivo da mimese. Qs modos séo dois: 0 narrativo, quando se narra pela voz de uma personagem, a exemplo de Homero, ‘ou em primeira pessoa, ¢ 0 dramatico, quando as préprias pessoas imitadas agem, so os autores da representayau. ‘Comparando as artes miméticas, ¢ imitagao de Séfo- cles (autor de tragédias) e a de Homero (autor de epopéias) se aproximam, se for considerado o objeto que imitam: ‘ambas representam seres superiores aos comuns. Séfocles, igualmente, pode ser comparado a Aristéfanes (autor de ‘comédias), do ponto de vista do modo da imitagaio. Ambos imitam pessoas agindo, fazendo o drama. A partir do fato de que os poetas imitam pessoas em acio (drontas), Aristé- teles registra a afirmago, defendida por alguns, de ser essa a origem etimoldgica, a causa do uso da palavra ‘*drama”” para tais formas de composicao. O final do pardgrafo que conelui 0 capitulo III retine, no entanto, elementos que reve- lam a situagdo polémica quanto as origens da tragédia © da comédia, através da etimologia dos termos em que sio expressas. A poesia e suas espécies (cap. IV e V) 1) causas do aparecimento (IV) Duas causas naturais do conta do surgimento da poesia: ‘© 0 homem tem uma tendéncia congénita para imitar encontrar prazer nas imitagées; ‘* o homem tem uma disposicéo congénita para a melo- dia e 0 ritmo. “A observagto & desenvolvida por Roselyne Dapont-Roc ¢ Jean Lallot, {Quando cxaminam a8 relages entre a mimese ea ordem ética (0p. it, cap. 2. p. 157-8). Com relagao a primeira causa, 0 texto indica que a congenialidade da imitagio no homem manifesta-se tanto nha produgdo das representages como na sua recepedo, ou seja, no prazer que os hemens experimentam diante delas. ‘Aafinidade com a representagao mostra-se, entretanto, vin= culada a outra tendéncia também natural no homem: a aprendizagem, o conhecimento. A produgdo de representa- ses, consistindo num trabalho de abstragao da forma pré- ria, corresponde a ume aprendizagem, uma vez que se constitui numa maneira de 9 homem elevar-se do particular para o geral.* Por outro lado, 0 conhecimento decorrente da contemplagao das representagdes € explicitado pelas pro- prias palavras da Poética Nés contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas que olhamos com repugnancia, or exemplo, (as representagées de) animais ferozes © (de) ‘cadaveres. Causa & qu? 0 aprender no 30 muito apraz aos, filésofos. mas também igualmente, aos demais homens, se bem que menos participem dele. Efetivamente, tal &0 motivo or que se deleitam perante as imagens: alhando-as, apren- dem e discorrem sobre o gue seja cada uma delas, e diréo) por exemplo, "este é tal" © Evidencia-se, a partir dai, que 0 prazer para o qual a Fepresentacao aponta ¢ um prazer intelectual e de reconhe- cimento, que associa a forma imitada com um objeto natu: ral conhecido,” O autor inclusive salienta que “se suceder que alguém nao tenha visto 0 original, nenhum prazer the advird da imagem, como imitagéo, mas \do-somente da exe- * Essa forma de conhecimento eperada pela mimese, enquanta producto, explcada por Roselyne Dupont-Roe ¢ Jean Lailot top. sit cap. 4 hota tp. 164. Trad. de Fudoro de Sousa (ap. IV, Podtica, Porto Alegre: Globo, | 1986. p. 7h Sobre © praver que a represenacio proparsiona, Roselyne Dupont-Roe Jean alloy esslarecem: “C-quadro. que absirat a forma esata do ‘modelo apela para as faculdades de raciocinio © proporviona, atte do caconbecimento, 0 prazer da descoberta que é, 0 Mesa tempo. 9 raver do expanto € © prazer¢a compreensio: “Oiha, le, porianio, esta € sa forma particular "Yop, it-cap. 4, nota 3. p- 168) 1s ee C7 cucdo, da cor ou qualquer outra causa da mesma espécie”. § Se ndo houver, portanto, o conhecimento prévio do modelo natural, também ndo,poderd haver o prazer qué a mittese determina — o prazer de reconhecimento, que se acompa- nha de uma aprendizagem. A segunda causa para o nascimento da poesia é a dis- Posi¢ao também natural no homem para a melodia e 0 ritmo, 0 qual inclui os metros ou versos; essa tendéncia determinou improvisagdes por parte das pessoas mais bem dotadas, que, com isso, fizeram surgir a roesia, A diferenca do carter dos autores fez com que os gneros poéticos se iversificassem: os de indole elevada representavam acdes € pessoas nobres e compunham hinos e encémios, enquanto 05 de baixa inclinagdo imitavam ages igndbeis e compu- nham vitupérios. Da época anterior a Homero, nao existem rovas de que poemas desses géneros mais inferiores tenhiam sido produzidos. Com Margites e outros poemas semelhan- tes, nos quais foi introduzido © metro jarbico (usado para injuirias), Homero mostrou nao s6 ter trabalhado no género, como também que 0s autores antigos foram poetas tanto de versos herdicos como de jambicos. Homero sera considerado por Aristételes como 0 poeta supremo, no género austero ou sério, e o precursor tanto da tragédia quanto da comédia; a Miada e a Odisséia mani festam analogia com a tragédia, assim como 0 Margites, com a comédia. Dependendo de sua inclinacao natural, os Poetas voltaram-se para um ou outro género de poesia: “Uns tornaram-se, em lugar de jambicos, comediégrafos, outros, em lugar de épicos, tragicos, por serem estes géne- 0s superiores aqueles e mais estimados”? © grau de per- feicdo atingido pelas formas tragicas, a ¢sse ponto de seu desenvolvimento, correspondia a uma outra questio; 0 importante para o autor, no momento, era 0 estabeleci- mento dos géneros poéticos, ' Tad. de Eudoro de Sousa. Op. cit, cap. IV, p. 71 Trad. de Jaime Bruna. Op. cit. cap. IV, p. 31 6 by historia da tragédia (IV) ‘Tendo apresentado a diferenciagao dos géneros, 0 texto passa ao desenvolvimento da historia de suas origens ¢ de sua evoluedo. Tanto a tragédia. como.a.comédia nasceram de improvisagOes; a tragédia originou-se dos solistas do dit ramibore a-comédia, dos solistas dos cantos félicos. ‘A tragédia, enquanto género, serd a primeira exami- nada pelo autor. Quando ele diz: *... até que, passadas muitas transformagoes, a tragédia se deteve, logo que atin- giu sua forma natural”, !° reitera seu raciocinio em termos naturalistas, ja que a historia da poesia é dada como um processo acabado, sendo a tragédia compreendida como ‘uma espécie natural, cujas transformagdes sofridas a teriam conduzido a alcangar sua natureza propria. '! O final do capitulo (IV) discorre sobre a evolucdo do género trdgico, através das modificagSes por que passou e que so de varias ‘ordens, como as referentes aos meios coneretos de realiza- cio da forma dramética — alteragdes produzidas por Esquilo e Séfocles — e 20 metro utilizado nas composicoes do género — 0 jambico —, que, por ser mais coloquial, substituiu o tetrdmetro trocaico, ¢) hist6ria da comédia (V) Retomando a definigo j4 formulada anteriormente em paralelo com a tragédia (cap. II), ou seja, de que a ‘comédia é imitacéo da aco de homens inferiores, 0 autor acrescenta-Ihe, como elemento novo, a relagdo do comico com 0 feio, Salienta, porém, que a comicidade se constitui em “um defeito e uma feitira sem dor-nem destrui¢do; um cexemplo dbvio € a mascara cOmica, feia e contorcida, mas 18 -Trad, de Eudoro de Sousa. Op cit. cap. IV. p. 72 11 A\visdo da tragédia, como expéci tansformavel até a medida prone {a atureza do gener, rewbe tatamento eo pelos traduores france: {fs Roselyne Dupont Ros e Jean Lallot (cit. cap. 4, nota 17, p. 173. n Ariatételes salienta que, a0 contrério do que ocorreu car ao askdlas a tradigao silenciou sobre a comédia, gra. Prove, QGPrio desprestigio do género deste seu inicio, Prova disso teria sido a tardia substiigdo do core de {oluatatios pelo coro de comediantes, fomesido pelo erconta Rome dos pottas eémicos somente apés o género jé ter for, snes Uefinidas, como o uso de mascaras, prélogo, plural dade de atores, etc.," as quais nao se sabe também, quem introduziu. A origem da comédia na Siclia, a composicao te suas fbulas ou histérias, pelos poetas Epicarmo e Fa Bho aes mmotlficagdes realizadas por Crates, em Atenas, sto assinaladas, na sequncia, pelo Estagirita ® comparacio entre a epopéia e a tragédia (V) O sénero nobre volta & cena da Podtica na comparae 80 entre a epopéia ea tragédia. Como o capitulo Il ama Gara, elas se assemelham no objeto que imitam — homeng Superiores — e, em parte, pelo meio de que se utilizes Tyimbss sam o verso. Diferem, entretanto, ainda com ‘elasio a0 meio — a epopéia vale-se unicamente do vans (ano meio, enquanto a tragédia usa o ve-30 ea meloptis (canto) e, também, com relaedo ao modo de fmitagic * sponta se realiza pelo modo narrative ea tragédia pelo {3 Td de Jaime Bruna. Op. cit. cap. V, p. 24 ® A exlcalo da palara "aronte farepovada segundo a tradugio ¢ Jaime Bruna (op. cit, cap. V, nota 15° 3a, “A gtumeraco desta formas aparece na trusts ancexa de Roselyne Pupont-Roe¢ ean Lallot (op it cap. 5, mola 3,5) » modo dramético. 1S Na extensdo, elas igualmente diferet a tragédia tem duracdo de a¢do limitada, é um posme, rela- a trageste curto; a epopéia tem duracao ilimitada ¢ €, 30 caario, tum poema longo. Quanto as pares, os dois Bene os tam alguma coisa em comum, sobressaindo-se a tr tha, primeiro, por possuir todas as partes da eponéia ¢ ainda sruvres exclusivas; segundo, por submeter-se a epopéia 205 Chitérios de valor préprios do género trégico. ‘A teoria da tragédia (cap. VI a XXIl) [A teoria da tragédia € a base de toda a teoria da arte contida no texto aristotélico. Dos 26 capitulos da Poéiica, Reese edo dedicados 40 estudo da tragédia. Aristételes ceegora a tragédia como a arte mimética por excelencia Sine concede um tratamento minucioso, que parte de sua Gefinigao, enquanto composigéo especifica, © atings 35 Gversas partes ¢ elementos nos quais se compoe ow Com (os quais se relaciona. a) definicao (V1) 'A twagédia & definida como uma forma especfica de snimese, segundo os critrios que diferenciam as artes rimné= TJoas eo efeito que a representaclo determina no esDesta- dor, Trata-se de uma representacdo de ages de homens de cardter elevado (objeto da imitacdo), expressa por uns Tinguagem ornamentada (meio), através do didlozo © do txpeticulo cénico (modo), € visando & purificaso das eho” goes (feito catartico), & medida que suscita 0 temor © & Pie= dade no espectador. Sobre as semethancase diferencas entre a tagédia © a pope, SA Sobre a eine natacisH0 de Eudoro de Souse, cap, V, Comes a eye. 117-8, ena tradusdo de Roselme Dupont Roe ¢ Jan allot, cap. 5, nota 1, p. 177, 19 =_S__ ©) Partes qualitativas: mito, cardter, pensamento, elocusdo, melopéia e espetaculo (VI) Ap6s a explicacdo do que significa linuagem orna- tee mada, s20 arroladas e comentadas, no texto, as seis pan {es qualitativas da tragédia; primeiramente, as externas oa serials, igadas & representacdo cénica: espetéculo, melo, Pee ime coral) © clocucdo (falas, expressio); e, em Sczuida, a5 internas:' carder (qualidade moral), pene de aaa smemto l6zico) € mito" (imitagéo e composicao © fato dea tragédia ser imitagdo de uma acdo qualife sade eticamente © de os caracteres serem nela subordinades a asdo impoe a necessidade de as personagens que agers Boo a nilidade do homem, ou seja, a'sia agio e vida, ¢ (aeigd fardter que o qualfica: “a supetioridade da arke ito) sobre o estado (caréter) é lugar-comum na filosans de Aristételes”. 8 “A desinaso das partes qualitacivs raga, ome externas enter Cornea tra feta por Eudoro de Soua (op che tap Comentirio, $§ 28 seguintes p. 123). " © temo grego myihas€radvido por Endro de Sousa com “mio Peanime Bruna, como “Fébula, por Roselyne Dupont Res eng dade game histone”. Nese reexame da Poetics, a prelerinan et SEER 0 temo “milo”, de acordo com a tau de eet pane Sits Tntzodusto, p. 57), pela ambigtiade seminina eves Fomets SUeta slnifiando Yanto"apdo\& imi” (wales pa, como “asdo imitada” (abula, "A ghseraglo € de Eudoro de Sous (op. ct, cap. V1, Comenii, $52, p. 12). =% ‘Tanto a agio &0 elemento central da tragédia que, sem ela, o genero nao poderia exist, 20 passo que sem carat se Sor exemplo, hipotetizamente ela poderia realizar-ss, Gator do mito é novamente reiterado quando sto citadas Quas de suas partes, a peripécia e o reconhecimento, com) os principais meios de fascinaglo da tragédia. O mito ¢ rat: frendo como principio e alma da tragédia, somente depois vvindo os caracteres. ‘© final do capitulo VI trata das demais partes, apare- ‘cendo definidos 0 pensamento — capacidade de dizer 0 ue & inerente a.um assunto € © que convém; o carder = srnifestagao de decisfo, do fim para o qual tende ov Tepele; e a elocusdo ou expresso — enunciado dos penst: vrprtos por meio das palavras, com efetividade igual em prosa ou verso. A melopéia, nas partes restantes, oo°°S% Fonde ao principal oramento, enquanto 0 espetéculo cEnicoy Pmbora sendo o mais emocionante, é o menos artistico ¢ © sje estranho & poesia. A tragédia, na opinido do Estas ita, prescinde do espetéculo ¢ de atores para. determinar seus efeitos préprios, «) 0 estudo da tragédia como mito (VIL a XI) Sendo considerado como 0 elemento mais importante da tragédia, praticamente identificado com ela, © mito feeebe uma andlise especial na Poética através de determi nados tépicos: 19) a agdo corresponde a um todo de certa extensio ¢ ‘uno (VIL e VIII) 0s dois tracos principais do mito — agdo que forma tum todo e extensio — identificam-se como 0 contetdo- base desenvolvido no capitulo VI. Primeiramente, 0 “10> lor que aparece escarecido na sua definigdo ¢ mos ele- smentos que o compéem. Descrito como o encadleamento metenado de partes constitutivas (principio, meio ¢ fim), crnetrdise sob critérios de necessidade ou probabilidade, 21 A observancia a esses critérios é enfatizada a ponto de estar presente a afirmacdo normativa de que 05 mitos ndo podem ‘comecar e nem terminar a0 acaso: ao todo corresponde uma unidade que o necessario determina. O belo € designado nao sé como seado uma composi- ‘cdo ordenada de partes, mas correspondendo a uma deter- minada extensdo. Explicando-se, diz 0 autor que ndo pode- ria ser belo algo de dimensdo reduzidissima, porque a visto fornar-se-ia confusa; e nem algo imenso, porque faltaria 0s espectadores a visdo de conjunto, que permite contem- plar a unidade e a totalidade. Analogamente aos corpos € organismos viventes, 0s mitos devem ter certa extensio que a meméria.possa.reter. Ha vinculacao do belo e do mito com 0 efeito produzido no espectador; o olhar deste deter mina e controla a priori a ordenacdo e extensio do objeto mimético. © limite para a extensdo das tragédias corresponde Aguele que a prépria natureza das coisas impde: Desde que se possa aprender 0 corjunto, uma tragédia tanto mais bela seré, quanto mais extensa. Dando uma defi nigdo mais simples, podemos dizer que o limite suficiente de uma tragédia 6 0 que permite que nes ag6es uma a oulra sucedidas, conformemente a verossimilhanca © & necessi dade, se dé o transe da infelicidade & telicidade ou da felici- dade @ intelicidade. Na seqiiéncia do estudo sobre 0 mito, 0 texto passa a considerar a questo de sua unicidade (cap. VIII) quanto A agdlo, descartando uma possivel relaco entre essa unici- dade e’a presenga de um tinico herdi. Salientando o erro dos autores que compuseram Heracleidas ¢ Teseidas® ¢ ‘outros poemas congéneres, por acreditar que, referindo-se a um s6 heréi, as ages ganhariam unidade, Aristételes renova 0 elogio & superioridade de Homero, 0 qual, a0 9 Trad. de Eudoro de Sousa. Op. cit, cap. VIL p. 77 © Heractidas: poemas sobre Heracles (Hercules); Teseidas: poemas sobre ‘Teseu (cf Jaime Bruna, op. cit, cap. VII, nota 16, p. 27. 2 escrever a Odisséia, narrou sobre Ulisses somente os fatos cuja ocorréncia era deteiminada pela necessidade ou proba- ilidade dos outros..Homero compos a Odisséia e a Iliada em torno de uma acdo wna. ‘A.exemplo do que acontece com as outras artes mimé- ticas, nas quais a unidade da imitago depende da unidade do objeto, também 0 mito deve consistir na imitagdo de uma ago una e que forme um todo, onde qualquer parte que sofra deslocamente ou supressao determina a altera- Go ou a confuséo na ordem do todo. Se nao ocorrer alte- ragdo sensivel é porque o elemento deslocado ou suprimido no fazia parte desse todo uno. A unidade de ago do mito resulta, portanto, da unifi cacdo que a construcdo poética opera ao conjugar unidade histérica com unidade postica. 29) poesia e historia (IX) ‘A definicdo de mits como conjunto elaborado de ele- ‘mentos escolhidos e agenciados segundo uma ordem neces- séria, que se ope & diversidade aleatoria dos acontecimen- tos reais, subentende a distincao entre a obra do pocta ¢ do historiador, que servira de tema inicial para o capitulo IX da Poética. Cabe ao posta representar no. que aconte- ‘ceu realmente, mas 0 que poderia acontecer, ou seja, 0 pos- sivel, na ordem do verossimil e do necessirio. A diferenca centre 0 poeta e 0 historiador ndo est4 no meio que empre- gam para escrever (verso ou prosa), mas no contetido daquilo que dizem: enquanto o poeta representa o verossi- mil ¢ 0 necessério, historiador narra os acontecimentos que realmente sucederam. A poesia (arte literdria), entao, sendo anunciadora de verdades mais gerais (universais), & mais filos6fica do que a histéria, circunscrita a relatos de 21 Roseiyne Dupont-Roc ¢ Jean Lallotenfatizam os procedimentos de see ‘foe ordenagio dos faios como mareas diferencias da obra do poeta ‘om relagdo 4 do historiador (op. ct, cap. 9, nota 1, p. 221). acontecimentos particulares. © geral.ou.universal, prép: da poesia, decorre-do.encadeamento causal que estrutura 12 ago e se configura naquilo que ressonde.as exigéncias ogicas do espitita (necessério) ou & expectativa comum de todos os espiritos.(verossimil),” ‘A comédia é citada como exemplo de caréter univer- sal da poesia, porque nela a designacio das personagens or nomes inventados também se subordina & composicéo da fabula, segundo a verossimilhanca. Na tragédia, entre- tanto, so mantidos os nomes que realmente existiram, sendo 0 fato explicado pelo Estagirita em razdo de que 0 possivel € persuasivo (erivel, plausivel) ¢ as coisas que ja aconteceram esto livres de suspeita de serem impossiveis. Por outro lado, fica declarado que tal p-ocedimento é varié- vel na tragédia, podendo haver nela mistura de nomes comhecidos com ficticios, ou até descorhecidos (ex.: Anteu de Agatdo). O sucesso da tragédia junto ao piiblico index pende, assim, do reconhecimento de herdis conhecidos, ou de fatos particulares, ndo havendo, pois, necessidade de fidelidade aos mitos tradicionais, que séo 0 assunto das tragédias. poeta é definido mais como aquele que compée his- t6rias (mitos), do que como versificador, jé que se identi- fica como poeta pela representacdo de acdes, que podem até, verossimilmente, provir de eventos reais. Seu campo de aco cobre todo 0 dominio do persuasivo, ou seja, daquilo que o espectador aceita crer. Seu fazer corresponde a capacidade de organizar uma historia, um mito, nao Ihe sendo exigidas, por Aristételes, nem & invencZo original, nem a fidelidade aos mitos tradicionai 32) niveis de qualidade do mito: episédicos (inferio- res) e com efeito de surpresa (superiores) 2B Bsns colocagdes para o entendimento do “necessirio" e do erossi- mil” estao de acorda com a interpretagio dos ‘adutores franceses (op. sit, p. 220. Pn Quanto & qualidade, os mitos classificam-se em epis6- dicos e com efeito de surpresa. Os episédicos so aqueles em que a relagdo entre um outro episédio nao é necess4- ria nem veross{mil, sendo por isso considerados como os piores. ‘Os mitos com efeito de surpresa, nos quais as emo- ‘ges se manifestam a partir de fatos inesperados para 0 espectador, sd consideracos os melhores, ainda que devam ser decorrentes, de preferéncia, do encadeamento causal, verossimil e necessirio das agdes. 42) espécies de mito: simples e complexos (X) © capitulo X apresenta os mitos em espécies — sim- ples e complexos —, segundo 0 tipo de acdes imitadas, ¢ passa ao seu estudo. Os mitos complexos se diferenciam dos simples porque operam a mudanga de sorte através de dois elementos: a peripéria e/ou o reconhecimento. Com (8 mitos simples, a mudanca ocorre sem esses elementos. (© autor sublinha, extretanto, que a peripécia ¢ 0 reco- nhecimento devem surgir da estrutura interna do mito, 0 ‘que significa que devem decorrer da causalidade propria a0 encadeamento necessério ou verossimil dos fatos, situa- ‘80 que em muito difere da mera sucessividade cronol6gica. 5°) partes do mito: peripécia, reconhecimento e catés- trofe (XI) As trés partes do mito, peripécia, reconhecimento © catdstrofe, so definidas por Aristételes. A peripécia corres- ponde a uma mutagao de agdes em.sentido contrério, mas sempre obedecendo as Iris do verossimil do necessétio. Reconhecimento € a pessagem do néo-conhecimento 20 conhecimento, situagiio que ocorre com o fim de revelar ‘uma alianga ou hostilidade entre personagens do drama, culminando para um estado de felicidade ou infelicidade. ‘Ainda que haja outras formas de reconhecimento, 0 m: 25 belo é 0 que acontece junto com a peripécia, ® porque € © {que mais se integra ao mito € & ago, ¢ determina, a partir do conjunto que forma, os sentimentos de temor e piedade, presentes nas acdes que a tragédia imita ‘A par de outras possibilidades de reconhecimento, © texto define a terceira parte do mito, a.catéstrofe, como agdo representada que produz destruigdo.u dor,-efeito vio- lento, a exemplo das mortes cometidas en cena, das dores vyeementes, ferimentos, ete. 4) partes quantitativas: prélogo, episédio, éxodo, coral (pé- rodo ¢ estasimo) € kommds (XII) A teoria do mito complexo, desenvolvida de inicio no capitulo XI e continuada no XIII, vé-se sruscamente inter- rompida pela insere&o, no capitulo XII, éas partes quantita~ tivas da tragédia. Por isso, 0 capitulo XII, na opiniao de muitos estudiosos, é considerado como suspeito de inautén- tico ¢ interpolado.** Examinando a tragédia quanto & extenstio e as secdes em que pode ser dividida, Aristételes nela estabelece as seguintes partes constitutivas: prélogo — “parte completa da tragédia, que precede a entrada do coro”; episodio — “parte completa entre dois corais’”; éxodo — “parte com- ppleta, & qual ndo sucede canto do coro”; coral — “entre 6s corais, © parodo é o primeiro, e 0 extdsimo € um coral desprovido de anapestos € troqueus”; Kommds — “canto Tamentoso da orquestra ¢ da cena a um tempo”. Enquanto © prologo, 0 episddio, o éxode ¢ 0 coral sdo comuns @ 3 [1 no Eaipo, auem veio com © propésito ce dar alegria a Eipo ¢ tibertig do temor com relagao & mae, a0 revaar quem ele era, fez 0 Conds.” Este ¢o exempla que Aristoteles di para o esonhesimento Sumo com a peripéia, A tradugdo é de Jaime Sruna (op. cit. cap. XI, ».30) 20 afirmasdo aparece em Eudoro de Sousa (op. cit, eap. XI, Comenté 130) gem Roselyne Dupont-Roc e ean Lallot (op. ci cap. XU 1, p. 235) 2 Tad. de Eudoro de Sousa. Op. cit., cap. XI. 81 26 todas as tragédias, 0s cantos dos atores sobre a cena e os Kommds sao peculiares apenas a algumas ©) situagdo e her6i tragicos Tratando do mito complexo, o capitulo XIII relaciona- se diretamente com 0 zontetido do capitulo XI. Objetiva apontar as situagées que devem ser buscadas ¢ evitadas uando se compéem 0s mitos, bem como os meios a serem. utilizados para que seja alcancado o efeito da tragédia. Uma vez que a estrutura da tragédia mais bela é com- plexa e que ela deve representar fatos que despertam o temor e a piedade, cabe averiguar que espécie de peripécia rovocard essas emogdes, ou seja, qual serd a configuracio trigica ideal para que se produza 0 efeito préprio do género. Aristételes expde situagdes possiveis para 0 trégico, enyolvendo implicitamente dois fatores: a presenca da felici- dade/infelicidade, como pardmetros naturais do sentido da reviravolta, e a qualificapdo ética das personagens, por meio da_virtude/vicio ou. da bondade/mediocridade.?® Os casos apresentados sintetizam-se da seguinte forma: nao devem Sef representados homens nem muito bons e nem muito ‘maus, que passem da boa para a mé fortuna, nem da ma Para a boa fortuna. A rejeicdo dessas situagdes é justificada pelo fato de elas no satisfazerem do ponto de vista dos efei- tos exigidos pela tragédia ou, ainda, porque se afastam dos sentimentos humanos, O caminho certo estaré na representa- 0 do herdi em situacao intermediria, que € a situacao: do homem que ndo se distingue muito pela virtude e pela Justica; se eal no infortinio, tal acontece no porque sea vil @ maivado, mas por forga de algum erro; e esse homem ha de ser algum daqueles que gozam de grande repulaego efor tuna, como Edipo ¢ Tiestes ou outras insignes representan. tos de familias ilustres.?” % Quem sponta dois tatores pura a situagdo trigica é Roselyne Dupont Roce Jean Lallot (op. cit, cap. 13, note 2, p. 239) 2 Trad. de Budoro de Sousa’ Op. cit, cap. Xlll, p82. n a) Esse homem ¢ 0 que equilibra a virtude e c vicio, sendo falivel ¢ passando da dita & desdita (“cai no infortinio’), em conseqiiéncia de um erro (hamartia). ® Recapitulando alguns dados, Aristételes prescreve con- ise para 0 sucesso do mito: ele deve ser antes simples do que dup, isto é, concluir apenas com acao de desgraca € ndo com duas acdes diferentes; deve passar da felicidade & infelicidade, em conseqiiéncia de um grave erro por parte de um herdi “‘intermediario”, ou, de preferéncia, melhor Que pior. A freqtiéncia, na época, de tragédias cujos herdis Sofreram desgracas terriveis, é exemplificada no texto com vistas a comprovacdo das afirmagdes, quanto a estrutura da tragédia mais bela. Euripides é citado por Aristdteles como o mais trgico dos poetas por ter observado com cor. reedo a estrutura da tragédia, ainda que fosse merecedor de critica quanto a economia da obra. O final do capitulo XIII atribui o segundo lugar a tra- gédia de dupla intriga, que tem, para agrado do piblico, desfechos_difetentes.para.os.bons ¢ os mais; a Odissciat mesmo sendo uma epopéia, é dada como exemple, Com, plementando o assunto, o autor diz que o prazer resultante a tragédia de dupla intriga mostra-se como mais proprio da comédia, porque corresponde ao desaparecimenter da. desgraca e da violencia, como no caso de Orestes ¢ Ezisto ue se conciliam, nenhum sendo morto felo outro. A trage. dia, propriamente dita, exigiria, ao contrétio, que fosse satisfeita verossimilmente a condigdo de desgraca dos bons % Roselmme Dupont-Roc ¢ Jean Lallot relacionan: 9 ero tric com a ‘erossimithanga da apio, na ordem ética, © com ¢ recouhecenna, rag resumo: (a) Temos como evidente que o erro, do ponta de vist da Poo, tea, tem como funséo estencial, ao manifesta &falibidade dorheck, ontribuir para a verossimilhanca da aco, na ordem dia dessa ieee, Enquadrando-se na légica da katharsis. (8) Temos como platsivel og o.clemento de ignorancia, que far pare intesrante do eco else & ialeticamente com o momento consitutivo da ao complens ave g.feconhecimento; por essa razio, 0 erto integrese vigorocaene oe Sistema de fatos que € a historia tiga” (a tradgdo de texto cae hare #5 para o portugués€ nossa Op. cit cap. 13, rota 3p 345) we 1) 0 efeito proprio da tragédia ¢ as apes que levam & sua producdo (XIV) Reportando-se & tese de que o temor ¢ a piedade devem, freferencialmente, proceder da intima conexio dos fatos, fresmo que também possam surgir do espetaculo, Aristéte- tes enfatiza a composicéo do mito como a responsivel pela producao daqueles efeitos, a tal ponto que, apenas com a audigio dos fatos que se sucedem, sem a visio de sua repre- sentagao, surgem naturalmente os sentimentos de temor ¢ ‘compaixao. Edipo, de Sofocles, € mais uma vez citado como exemplo, agora, quanto ao papel da mediacdo da palavra na instalacdo do efeito catértico. O espetéculo tido como aspecto exterior & arte, sendo um erro procurar através dele 0 monstruoso, como elemento trdgico, pois © prazer proprio da tragédia provém da piedade ¢ do temor, provocados pela imitacdo decorrentes da imitacdo dos fatos. ‘Detendo-se nos eventos relacionados ao temor € & pie- dade, o autor estipula que as agdes desse género, violentas, ever suceder-se_no_coragdo_das.aliancas,.como:_irmao contra irm&o, fillho contra pai, etc..Na realizagdo dessa tarefa, 0 poeta deve servir-se dos mitos tradicionais, no os alterando essencialmente — como evitar 0 matricidio ide Clitemnestra e Erifila —, mas usando artificialmente os dados da tradiedo, isto é organizando um sistema de fatos ‘capaz de produzir o efeito trégico. As ardes, como as pen savam os antigos, podem ser praticadas de trés formas: — a personagem conhece os fatos ¢ age violentamente (ex.: Medéia, de Euripides, matando os filltos); — a personagem age, desconhecendo que hé malvadez nos seus atos, s6 sabendo disso depois (ex.: Edipo, de S6fo- cles); "a personagem ird agir de forma terrivel, por desco- nhecimento, mas, antes de fazé-lo, reconhece a vitima. 29 ee) A presenca ou auséncia do conhecer e do agir, sob com- binagdes diversas, determinam, portanto, a forma de acao Para 05 poetas. Na hierarquia dessas combinagGes, a pior € a da personagem que conhece a situagio, propde-se a aco endo age, causando a repulsa, mas ndo 0 tragico, pois ndo hé efeito violento (ex.: ameaca de Hémon a Creonte, seu Pai, na Antigona, de Séfocles). Caso melhor & 0 da aga0 executada na ignorancia e seguida de reconhecimento, por- que ndo ocorre a repulsa e produz-se 0 efeito de surpresa do reconhecimento. A combinagdo superior a todas é a da ersonagem que esta para agir com monstruosidade, por ignorancia, mas, reconhecendo a malvadez de seus atos, antes, nao os pratica (ex.: Mérope, que deixa de matar 0 filho, no Cresfonte), 8) 0 estudo dos caracteres e da verossimilhanca (XV) Discorrendo sobre os caracteres, o capitulo XV busca tracar 0 perfil normativo da personagem tragica. Quando as palavras ou acdes revelam uma escolha determinada, hd caréter, segundo o autor. Quatro propriedades caracteri- zam esse elemento qualitativo da tragédia: bondade, conve- nigncia, semelhanga e coeréncia. Ha, portanto, obras em ‘que tais exigéncias nao sao observadas, como no Orestes, onde Menelau representa desnecesséria maldade de carter, Arist6teles acentua a importdncia de a representacdo dos caracteres estar sujeita A lei do verossimil e do necessé- io, quanto ao agenciamento sistematico dos fatos no mito. As regras do verossimil e do necessério devem justificar tanto as palavras e atos das personagers de caréter como ‘08 sucessos de ago para aco no mito. Dai, segundo a Poética, ser evidente que os desenlaces também decorram do préptio mito ¢ néo do deus ex machina, a exemplo do_que.ocorre na Medéia, que se evade no carro.do sol (aparelho cénico) apés matar os filhos,™ e na Iliada, na 2% Trad. de Eudoro de Sousa. Op. cit, cap. XV, p85 2A explicago é de Jaime Bruna (op. cits cap. XV, nota 27, p. 3), ‘cena do embarque: ““A deusa Atena intervém para impedir os aqueus de embarcar de volta, desistindo.da.guerra de ‘Troia’”.21 As restrigdes ao emprego desse artificio dramé- tico so alinhadas a partir das situagdes em que ele é adh sivel: ‘A intervengéo_divina se recorre para fatos fora do drama, ‘Que anteriores, que um homem no possa saber, quer poste flores, que demandem predi¢go @ anincio, pois aos deuses ‘iribuimos 0 poder de tudo ver. Nas acdes no pode haver hada de irracional, ou entao que se situe fora da tragédia, ‘como no Edpo de Sétocies. °° Como o objeto da tragédia é a imitagdo de seres melho- res do que os comuns, a representago que os bons retratis~ ‘tas fazem & um exemplo a ser seguido. Reproduzindo a forma peculiar dos modelos, os pintores, além de respeitar a seme- Thanga com o original, embelezam-na. © mesmo procedi- mento ¢ transformacao deverdo ser operados pelo poeta, se representar homens coléricos, apaticos ou com outros defeitos de cardter, como Homero fez com Aquiles, repre- sentando-o como bom e semelhante a nds. h) espécies de reconhecimento (XVI) No capitulo XVI, Aristételes volta a falar do reconhe- cimento, distinguindo-Ihe cinco espécies ¢ hierarquizando- as na ordem crescente de seu valor artistico. © primeiro tipo apresentado ¢ dado como o menos artistico, por no decorrer da necessidade I6gica interna da acéo, ¢ com a possibilidade de ser usado para melhor ou pior. E 0 reconhecimento por meio de sinais (exteriores), {que podem ser congenitos (naturais) — como a “‘lanca que em si trazem os Filhos da Terra” —* e adquiridos, que podem encontrar-se no corpo, como as cicatrizes, ou fora 3 Cf. Jaime Bruna. Op. cit. cap. XV, nota 28, p38. 2 Trad, de Jaime Bruna, Op. ct, eap. XV, p38, ¥ Trad, de Eudoro de Sousa. Op. cit, cap. XVI, p. 84 Biblioteca-FFON"" u Ty dele, como os colares, ou ainda a cesta, exemplo de sinal ue promoveu o reconhecimento em Tivo. A segunda espécie é © reconhecimento forjado pelo poeta, exemplificado na [figénia, com ¢ modo como Ores, tes se dé a conhecer, dizendo o que 0 poeta deseja © ndo 0 que 0 mito exige A terceira é 0 reconhecimento devido @ uma lembranca esclarecedora da meméria, provocada por uma impressao visual, como nos Cipriotas de Dicedgenes, onde a persona- gem chora ao olhar o quadro. Em quarto lugar, vem o reconhecimento por silogismo, como 0 que acontece nas Coéforas de Esquilo, oride 0 silo. gismo é de Electra: * “‘alguém chegou, que me é semelhante, mas ninguém se me assemelha sen Orestes, logo quem veio foi Orestes’’.*5 Essa forma de reconhe: imento apre- Senta uma variante fundada no falso raciocinio dos especta, dores: 0 paralogismo, 3 No Ulises, Falso mensageiro, supor que Ulisses se daria a reconhecer Porque declarasse que Tecomheceria 0 arco, sem o ter visto, ¢ um paralogismo, porque o fato de que somente ele poderia armar 0 arco é mera ficeo do poeta. Enquanto o reconhecimento Por silo- sismo € instaurador de uma conclusdo yerdadeira, o pata. Jogismo ¢ responsdvel por uma conclusio falsa. A quinta e ttima espécie & a melhor: trata-se de reco- rnhecimento. que decorre das préprias ages, produzinds, S€ 0 choque da surpresa segundo as vores do verossimil. Em Edipo, de Séfocles, por exemplo, ao investigar 0 assas- sinato de Laio, seu pai, Edipo acaba descobrindo ser ele Préprio 0 assassino.” A forma melhor dz reconhecimento , assim, a que deriva da prépria intra e corresponde a0 efeito tragico ideal, vindo, em segundo lugar, a3 que pro. vém do silogismo. 514 explicacdo é de Jaime Bruna (op. ct, cap. XVI, nota 36, p. 37) 3 Trad, de Eudoro de Sousa. Op. cit, sap. XVI, p. 86 ¥ 0 paralogismo seréretomado pelo autor no cap, XXIV, *7A explicagdo € de Jaime Bruna (op. ct, cap. XVi, nota 38, p. 37) 2 {) normas a serem observadas pelo poeta tragico (XVIT ¢ XVII) 0s capitulos XVII e XVIII retinem uma série de téeni- cas, a par de outros aspectos, que 0 poeta deve seguir para ‘que haja o maximo de corveniéncia no arranjo ¢ na criacdo das ages do mito. O critério impositivo do verbo “‘dever’” fou das expressdes ““é preciso” e **faz-se necessério” reitera- se com insisténcia nessa parte do texto. ‘Ao organizar a histéria ¢ elaborar as falas das persona- ‘gens, 0 poeta deve como que ver as agdes, para que descu- bra 0 que convém e escape a0 maior mimero possivel de contradicées. Na linha dos meios que 0 poeta deve empre- gar para produzir um efeto de proximidade dos fatos repre sentados, para com o espectador, esté, tanto quanto poss vel, a reproducdo dos gesios, complemento teatral acrescen- tado ao texto quando de sua representacio. As mais persua- ‘sivas so as pessoas que vivem violentamente as emocdes, porque elas as passam com veracidade aos outros. © poeta, por isso, pertenceria aos seres.talentosos ou inspirados, Outra norma a ser obedecida refere-se aos argumentos de que 0 poeta se servird, sejam eles tradicionais ou inventa- dos: primeiramente, deverd esbogd-los num esquema geral ce, somente depois, introduzir 0s episddios ¢ desenvolvé-los. Para essa disposicdo em linhas gerais, Aristoteles cita a [figé- ria, por meio de um resumo que faz do argumento da obra, expressando-o através da seqiiéncia de seus acontecimentos principais. Somente apés um esquema dessa ordem & que podem ser dados nomes is personagens ¢ podem ser introdu- ‘Zidos 0s episédios; estes devem, por sua vez, ser apropria- dos ao assunto, como, no caso de Orestes, a loucura que © levou a ser preso ¢ a purificaséo pela qual foi salvo. ‘Ainda dentro da linha normativa que abrange os episédios, diz o Estagirita que eles devem ser breves nos dramas, a0 ‘passo que na epopéia séo longos. A titulo de exemplo, sin- tetiza o argumento da Odisséia em seu esquema geral, para 33 mostrar © quanto é breve uma fébula, sendo, portanto, os episédios que Ihe alongam a extensao: Um homem vaguela, longe de seu pais, durante muitos anos, vigiado de perto por Postidon, completamente inclacs Em Sua Casa, as coisas andam de tal forma que nua fortune ¢ dllepidada pelos pretendentes e seu filha exposta & cone, © capitulo XVIII, de inicio, enfcca a tragédia sob ova divisdo: em né (enredo) e desenlace (desfecho). O né € definido pelos acontecimentos exteriores & histéria e tame bém por alguns interiores, estendendo-se desde o principio até a reviravolta. Com essa mudanga, comeca o desenlace Gue vai até o fim. Segue-se a enumeragio da tragédia em ualro-espécies (partes ou_tipos),” as quais, segundo o autor, repetem divisées jé feitas anteriormente. Elas sto tragédia complexa — constituida de peripécia e reconhec!. ‘mento; tragédia catastréfica — patética ou de efeitos lentos, como as de Ajax e de Ixfon; tragédia de cariter — come as Fuidtidas ¢ Peleu; tragédia episédica — como as Férci. das, Prometeu ¢ todas as que se desenrolam em Hades, A perspectiva descritivo-classificatéria com que € ini ciado 0 capitulo XVIII, em torno das exolicagdes sobre o 26 ¢ 0 desenlace, bem como sobre as espécies da tragédia, Passa a ser substitufda, na seqiiéncia, pela linha prescritiva ‘Que orienta a aplicaedo técnica em fungao desses contetidos. 3» Tid. de Roselyne Dupont-Roe ¢ Jean Lallo. I 1X, X, ‘omparativo minicioso é real ado, ness seatide, Bet Roselyne Dupont-Roc e Jean Laat (op city cap. If none a 293.8) yo Deve 0 poeta esforgar-se para saber compor todos os tipos de tragedia, ou ao menos 0s mais importantes, tendo tom vista as eriticas a que esté sujeito, A exigéncia é de ave {im sé poeta ultrapasse sozinho a todos os outros que tenbam ve distinguido individualmente em cada tipo de tragédia. ‘Numa comparacdo eatre tragédias, elemento essen- cial é 0 mito, ele é que permite determinar as semelhancas cas diferengas entre elas. Como 0 mito é constituido estru turalmente pelo né e pelo desenlace, ¢ importante que 0 poeta saiba ndo s6 bem enredar a intriga, como também dar-Ihe bom desfecho. ’A tragédia, no. sendo_uma_composigao. épita, nie pode apresentar, como a zpopéia, varios mitos, Lembrando Binso. 0 poeta ndo deve, por exemplo, fazer uma tragédia fom todo o argumento da Ilfada. A extensdo da epopéia permite que suas partes recebam 0 desenvolvimento, conve Frente, mas nos dramas isto nao pode acontecer, sendo com- provado o insucesso das obras que, ao invés de tratar pot partes do assolamento de Tréia (como a Hécuba, de Eur: Jes), ineluiram-no por inteiro, compondo uma s6 tragédia ‘Ao contrario do que valer-se de varios mitos, préprios da epopéia, 0s poetas, tanto nas tragédias com peripécias Gomo nas agdes simples, atingem sua finalidade por meio Go efeito de surpresa, que serve ao tragico ¢ desperta o sen~ fido do humano./” Isso acontece, por exemplo, com Sisifo, inn heréi habil, porém mau, que sai logrado. “Tal desfe- tho é verossimil, no dizer de Agato, pois é verossimil que facontegam muitas coisas inverossimeis.”” Reforgando a unidade entre 0 todo ¢ a acdo propria a tragédia e ndo da epopéia, Aristételes considera 0 coro como um dos atores, mas & maneira de Séfocles, para quem «ips eorais esto perfeitamente integrados na acio dramati- carve nao como Euripides, para quem “a relacdo € mais {e Gr rad. de Roselyne Dupont-Ros ¢ Jean Lallot.Op- cit 41 Sad, de Jaime Bruna. Op. ci, cap. XVII, p39 ap. 18, p. 98. 35 frouxa’’, e nem como a maioria dos poetas que “‘compuse- ram coros que nada tinham que ver com a aco dramética representada"’.*? © Estagirita alude, em seguida, aos inter- IMidios cantados entre 0s episédios, desde Agatao, compa- rando-os a longas falas ou episédios inteiros, que tornam_ a tragédia “‘variada”, como se fosse uma epopéia, 4) © estudo do pensamento (XIX) No capitulo XIX, 0 autor diz que iré tratar da elocu- cdo € do pensamento, porque so as tinicas partes que ainda no explicou. Na verdade, apenas 0 mito ¢0 cardter recebe- ram estudos mais aprofundados, pois o espetdculo ¢ a melo- péia foram somente indicados com brevidade. O pensa- ‘mento, segundo sua posieo, deverd ser estudado principal- ‘mente junto a disciplina a que pertence: a retérica, cujo discurso tem o objetivo de persuadir. Definido como tudo o que pode ser produzido pela Jlinguagem, o pensamento valoriza a funedo pragmética da ingua, A medida que, por meio dela, com as falas das per- sonagens, consegue atingir efeitos especificos aos quais visa endo conseguiria produzir apenas com as agdes brutas, ndo acompanhadas de comentario. Esses efeitos so 0 demons- trar e 0 refutar, 0 suscitar emog6es violentas — piedade, temor, c6lera ¢ outras congéneres — e, ainda, amplificar € reduzir 0 valor das coisas. Entretanto, produzir tais efeitos no drama é diferente do que produzi-los na retérica; no drama (‘‘poesia”, arte poética), eles devem resultar essen- cialmente da acdo sem necessitar de interpretagdo explicita, a0 passo que, na retérica, resultam apenas do discurso, ou seja, da palavra que expressa o pensamento do orador. © CE. Eudoro de Sousa. Op. cit., cap. XVIII, Comestirio, § 110, p. 140. “© Roselyne Dupont-Roc e Jean Lallot mosiram que # persuasfo embutida ro conceto de peasemento na Poética & mais complexa que a do con ‘eto na retériea, porque decorre principalmente domito endo do logos, como na retrica (op. cit, eap. XIX, nota 3, p. 307) “2 afirmagio faz parte daleitura de Roselyne Dupont-Roc ¢ Jean Lal- Tot (. lt, cap. 19, p. 306) 36 1) o estudo da elocugdo (XIX a XXID) © estudo da elocusdo inicia ainda no capitulo XIX ¢ se alonga até 0 XXII. © autor e o especialista da matéria so responsdveis pelo conhecimento de uma parte da lingua- ‘gem (elocugio ou expresso), como o saber o que é uma ‘ordem ou siplica, uma ameaca, uma pergunta, uma res- posta, ete. Mas 0 coniiecimento desses aspectos nao ¢ de relevancia para o poeta € nem para a poética; dai a critica de Protégoras a Homero, nesse sentido, ser censurada por Aristételes. ‘Um pormenorizado exame da elocucao é desenvolvido nos capitulos XX, XXI e XXII. O capitulo XX apresenta uum Jevantamento do material da lingua grega, desde o som elementar até 0 enunciado completo. O todo da linguagem é dividido em partes: letra, silaba, conjungao, nome, verbo, artigo, flexao e proposicao — sendo elas definidas ¢ expli- cadas pelo autor. 5 O capitulo XI trata, em primeiro lugar, dos nomes ¢ suas espécies: simples, duplos, triplos, quédru- pplos e miiltiplos; e, em segundo, dos tipos de desvios que distinguem os nomes, uns dos outros: nome corrente, nome estrangeiro, metéfora, nome inventado, nomes alongados ‘ou abreviados, vocdbulo alterado, nomes masculinos ou femininos ou do género intermedidrio. O capitulo XXII inventaria um conjunto de observacdes normativas para 0 uso correto dos nomes na elocugao postica. Indicando a clareza ¢ a elevacéo como meta a ser atingida na lingua- ‘gem, Aristételes preconiza a mistura ¢ 0 uso discreto de toda a espécie de vocabulos, enfatizando, no entanto, a importéncia do emprego das metaforas. Concluindo 0 estudo da elocugio, salienta a relaco entre as diversas espé- cies de nomes ¢ 0s diversos géneros poéticos. Aq propdsito da conveniéncia ov nto do estudo da elocucio dentro da ‘er Eudora de Sousa, op. cit, cap. XIX a XXII, Comentirio,, SF ld e 115, p. 1aL, @ Roselyne Dupont-Roc e Jean Lallot, op. ct cap. 20, noias 1 2, p 146, A teoria da epopéia (cap. XXiIll e XXIV) 1) a semelhanga com a teoria da tragédia (XXIII ¢ XXIV) Definindo epopéia como imitacdo narrativa metrifi- cada, 0 capitulo XXIII inicia a abordagem do segundo ‘modo de representaga0 poética, ou seja, do modo narrativo, ‘enquanto relato diegético em verso produzido por um nar- rador. - "As prescrigSes a serem cumpridas com relagéo 20 stnero épico sio as mesmas estipuladas como proprias do género trigico. Devera, assim, a epopéia ser composta, como @ tragédia, em torno de uma acdo inteira ¢ completa — com principio, meio e fim —, para que, como um orga- ismo vivo, possa produzir o prazer que Ihe € peculiar; sendo uma imitagZo narrativa em verso, ela ter (como a tragédia) uma estrutura diversa das natrativas histéricas, que expéem no uma aco inica, mas um periodo Unico, com os acontecimentos que nele ocorrerem, ligados apenas por nexo causal ¢ afetando a uma ou a mais personagens. Errard o poeta épico, portanto, se proceder como um histo- iador, reunindo em relato eventos que se derem na mesma época, como a batalha naval de Salaming e a dos cartagine- ses na Sicilia, sem que tais ages tendessem para o mesmo resultado, Da mesma forma incorreré em erro se relatar fatos que se sucederem em periodos consecutivos sem, ‘entretanto, determinar efeito comum e tinico, Considerando que @ maioria dos poetas adota proced:mentos inadequa- dos como os referidos, Homero se destaca como modelo perfeito para o poema diegético: ele soube tomar apenas, uma parte da Guerra de Trdia para produzir sua epopéia (lliada), valendo-se do resto do argumento em numerosos episédios, que distribuiu no poema. A diferenca da Ilfada € da Odisséia para as obras dos demais poetas, a exemplo dos Cantos ciprios e da Iifada pequena, esta no fato de que cada poema de Homero oferece possibilidades apenas para a composigdo de uma tragédia, ou, no maximo, duas, enquanto as outras eporéias fornecem varias. A Ifada ¢ a Odisséia esto préximas da unidade; as demais distanciam- se dessa unidade pela diversidade e heterogeneidade de suas partes. “A epopéia apresenta as mesmas espécies que a tragédia — simples, complexa, de caracteres e de efeito violento —, como também as mesmas partes, com exce¢do da melopéia edo espetaculo cénico. Requer ainda partes do mito — peri- pécias, reconhecimentos catdstrofes —, sendo que opensa- mento_¢ a-finguadem devem.ser escslentes~Hfomero foi o primeiro que utilizou esses elementos e o fez com perfeicao, dando uma composi¢ao propria a cada um dos seus dois poemas: a Iliada é uma epopéia simples ¢ catastréfica; a Odisséia ¢ complexa (com muitos reconhecimentos) e de card: ter. Além disso, essas obras também superam as outras pelo pensamento ¢ elocucao. ) as diferencas entre epopéia e tragédia (XXIV) Dois elementos sio destacados nas diferengas entre a epopéia ¢ a tragédia: a extensaio e a métrica. Como ja foi expresso anteriormente, a boa extensdo corresponde a uma composi¢ao que, desde o inicio até o final, possa ser apreen- dida por um tinico othar (visto global). ‘Distintamente da tragédia, que comporta um lugar cénico tinico, com atores due representam a parti: desse lugar, a epopéia possui uma caracteristica propria que permite ampliar sua extensdo: ela pode relatar varias partes do mito que se realizam simulta- neamente. Com isso, epopéia avoluma-se e enriquece, podendo variar ¢ diversificar os episddios e, assim, cativar © ouvinte, livrando-o da uniformidade entediante. Quanto ao metro, a experiéncia mostra que o unico adequado 4 epopéia é o verso herdico, reconhecido pelo autor como 0 mais grave e amplo, préprio para abrigar vocdbulos raros ¢ metaféricos. Outros metros Ihe seriam inconvenientes, como 0 trimetro jambizo,.adequado. para ago, e 0 tetrmetro trocaico, para ¢ danga. A mistura dos metros, como fez Querémon, mostra-se descabida. A propria natureza da genero poético ensina a escolhet 0 ‘metro conveniente. A exceléncia de Homero é reiterada & medida que ele & considerado como 0 iinico a saber que 0 mister do poeta €0 falar 0 menos possivel em seu préprio nome na imitacio. ‘A comparacao entre os dois géneros em estudo incide, em seguida, na relacdo da tragédia com_o maravilhioso (efeito de surpresa) e da Epopéia com o irracional. Em olitras palavras, fica declarado o rigor menor da verossimi- Thanga na epopéia, com a justificativa de que, nela, ndo se véem em cena as personagens que agem. Como exemplo,, écitada a persegui¢ao de Heitor, que resultaria numa cena cémica se encenada no teatro, mas passando despercebida no texto épico. © maravilhoso, cuja fonte esta no irracio- nal, agrada tanto que é acrescentado por todos, visando & obtencio do sucesso, Coube também a Homero ensinar aos outros poetas ‘como se devem dizer as mensagens, iste é, como convencer dizendo 0 que € falso. Trata-se do paralogismo ou falso raciocinio,** j4 aludido nas espécies de reconhecimento (cap. XVI). O paralogismo leva 0 owvinte a um raciocinio falacioso, mas que se cré aceitével: Porque as homens créem que, quando existir ou produ: zirse alguma coisa, resulta o produzirse outra, também da texisténcia da ditima se ha de seguir existéncia ou produ: ‘980 da primeira, Isto, porém, ¢ falso. No entanto, se hé um antecedente falgo e um consequente que existe ou se pro- dduz sempre que 0 antecadente seja verdadeiro, nés reunimo- 46 Sobre o paralogismo, Roselyne Dupont-Roc e Jean Lallot tecem cons deragdes critics (op. cit, cap. 24, nota 10, p. 74. los; porque 0 saber que o segundo & verdadeiro leva « nossa mente a arbitréria concluséo que verdadero seja também o primeiro. Exemplo de raralogismo tal é a cena do “Banho".*? © paralogismo faz passar 0 irracional mascaradamen- te; aproximando-o da si razdo, faz com que ele pareca admissivel e verossimil. A discussio sobre os argumentos preferiveis para as composigdes canaliza-se 1a dire¢do do verossimil: € melhor pxeferir-o impossivel-qué convenga do,quleo possivel que Ado persuada. O ideal seria a auséncia do ifracional nos argumentos poéticos, ou, se presente, situado fora do enredo, ‘como Edipo, que nao sabia como morreu Laio. O mito tr gico, em principio, exclui o irracional de sua composicao; porém, se um poeta utilizé-lo, fazendo-o parecer razoavel, com aparéncia racional, ele sera admissivel, ainda que absurdo. Tal acontece com Homero, na Odisséia, que esca- moteia a presenca do irracional no momento do desembar- que para 0 deleite do ouvinte. O capitulo XXIV é concluido com a afirmagio da necessidade de esforgos para o esmero da linguagem, mas somente nas partes que ado comportam aco, caracteres e pensamento, a fim de que a atencdo para esses componen- tes no seja ofuscada po: uma brilhante elocucao. A poesia (arte literaria) e a verossimilhanca (cap. XXV) a) mimese e referéncia externa No capitulo XXV, Aristételes reine, de modo geral, a critica, os problemas ¢ as soluedes, com relagdo as artes, miméticas. © Trad. de Eudoro de Sousa. Op. cit, cap. XXIV, p. 98. Sendo autor.de representacées, como qualquer artista pléstico, invariavelmente © poeta imita coisas, 4 partir de rans (as trés possiblidades que a ele se ofereccin: ow sc dae aaut# como eram ou so, ou como os outros dizem HUE S40-€-elas parecem, ser, ou como elas devesians A Slocuedo com palavras estrangeiras, metéforas ¢ Inultiplas alteragdes participa desse processo’ come veiculo de representacao, ») eros contra a mimese: de ordem pottica e acidentais Referindo-se a0 eritério de corresdo da poesia, o autor Caantlece duas categorias de erro: erro de ordem potting Gssencial) — quando o poeta resolve apresentar um fer ori- Tado aiulos, movendo a0 mesmo tempo as duas putes da lado direito), ou se engana ao falar de uma arte articular (como a medicina, por exemplo), ou eria coisas impossiveis Os slementos arrolados, neste e no item anterior deve Sienaiderados quando se procuraren: solugdes para we objegées da critica ©) @ resposta a critica da ese ~ 0 impossivel se justfica pelos eftitos da represen- tacdo “0 neulo entre a mimesearstoia eo tefernte¢ assim colorado eos wadutoresIrancess (op. ct, cap. 25, noe p sae eo Buscando responder a critica quanto & presenga do mpossivel na poesia (arte literria), Aristteles Giz sf des- Uulpavel o erro do poeta, se ele atingit melhor, com a repr caamedo do impossivel, a fialidade propria da arte, prod Sido efeitos mais surpreeadentes. Hid erro, pois, mesa TepresentagHo, mas a regra da arte estard salva, 9 finali- dade da poesia for atingida. ‘A gravidade do erro deve ser avaliada: se ating® & csstncie’ da arte ou € apenas acidental no poema. Ser carps arave ignorar que uma corea no tem galhos do dive Tepresenté-la de uma forme n&o artistica, como uma forma Ineconhecivel, deficiente do ponto de vista da mimese, — 9 campo da mimese nao se circunsereve a0 da ver dade, mas 20 do possivel No espaco da resposta a critica quanto & infidelidade dda representagao do ponto de vista da verdade, o autor i Sefoctes, para mostré-lo como exemplo de posta que imi: earns pessoas como deveriam ser (melhores do ave $40), Srpuripides, como poeta que a. representaya.como eran {Gerdadeiras), Além dessas das possibilidade, a represen (Zo pode corresponder & opinido comum, como as HiStO- Sas que os poetas contam sobre 5 deuses ¢ qe, tl¥e% rite aejamm nem verdadeiras nem melhores, mas $80 Com? maceeen (alusBo A critica de Xen6fanes). Pode, ainda, ate easos em que a representa¢ao seja como ‘“outrora, nem melhor, nem verdaceira, mas segundo um antigo Ti. Critica: “Uraciona Sex) 3) sais como dever ser": 4) Mais coma sf0"; 5) “opinido comum”s ran see tmmpropriedade” — Solucio: 6 “O moralmente chocante eve set julgado, sezundo pantos de vist retatvos” dere a etcConueadigao™ — Solugdo: 7) “observar o indiviuo gue agi ¢ falou agit «fou qcorregao da lingvagem” — Soluebes: 8) “alto”: 2) Mescublia”; 10) ces 1) "anfibois; 12) “so da lnguagem” (eek, cap. XXV, Comentario, §179, p. 1478) 1 ema Euioro de Sousa. Op. it, cap. XVI, p. 102 4s es mado de ‘‘macaco”” por Minisco, ¢ também o de Pindaro. 340 publico a0 qual a epopéia se dirge € clevado, nao ext, sindo nenhuma figuragao corporal. A tragédia, visando wp publico rude, define-se como a mais vulgar e, assim, inferior & epopéia, Tendo apresentado 0 argumento critico pré-epopéia, © autor passa de imetiiato & defesa da tragédia — enalte. cida praticamente em toda a Poética —, justificando si GPosicdo aquele raciocinio conclusivo, através de uma série de elementos que trata de analisar, Em primeiro lugar, entende que a critica & excessiva Tiovimentacao ndo atingiu a arte do poeta, mas a do ator, Porque consiste num defeito encontrével também na recita, so de rapsddias (a exemplo de Sosistrato) ou no canto de Poemas liricos (como fazia Mnasiteo de Oponte). Em Segundo lugar, nem toda espécie de gesticulagao ¢ condena Nel @ ndo ser que a prépria danga também o seja, mas Soinente a dos maus atores, como a de Calipedes e dos que imitam os meneios de mulheres ordindrias. Em terecito lugar, € como na epopéia, a tragédia pode produsit eeu feito proprio sem recorrer ao movimento, revelando sua Gualidade somente pela leitura. E como ela é superior a epopéia nos demais aspectos, nao é necessério atribuir the © defeito da gesticulacao excessiva como préprio. Justificada a rejeicéo para o argumento que privilegiava 2 cpopéia sobre a tragédia, o autor procede a operagio inversa, isto é, expde as razdes que evidenciam a superiori. dade da tragédia sobre a epopéia, Além de conter todos os elementos da epopéia, Podendo, inclusive, valer-se do hexametro, a tragédia apre. Senta outros dois exclusivos: a meloptia e 0 espetaculo aco. Outza vantagem é que Consegue realizar perfeitamente a imitacio dentro de uma extensdo menor, agradando, assim, por ser mais concentrada wo que as representacdes de longa duracao Edipo, de Sofocles, at eformado numa epopéia longa como a Iliada, serve de gemplo para a brevidade de-tragédia em oposi¢do & longa extensdo da epopéia. Além disso, a epopéia é uma, represen tagdo_ menos unitéria dO. que-a-tragédia.porque conten aioe mitos, que podein orieinar-varias tragédias, no sendo produzido o.efeito épico-préprio,.se-o- autor trata de ym Gnico mito no poema. A Iiada ¢ a Odisséia, entretanto, aparecem elogiadas ndo s6 pelas miltiplas ages ¢ extensts partes, como também por serem exemplos de composico perfeita e de representacdo de uma aydo o mais unificada possivel. vA conclustio do capitulo incide na exceléncia da quali fieagao da tragédia pelos réritos apontados e pelo fato de ser ela que melhor consegue 0 efeito especifico da arte, Superando por tudo isso a epopéia e atingindo, melhor do que ela, a finalidade da poesia. ‘© parégrafo final sirtetiza a Poética, limitando-a & perspectiva do estudo dos dois géneros: ‘“Falamos pois da Tragedia e da epopéia, delas mesmas ¢ das suas espécies ¢ partes, nimeros e diferencas dessas partes, das causas pelas {quais resulta boa ou ma a poesia, das eritcas e respectivas solugoes””. Zqyea, de Eudoro de Sousa, Op. cit, cap. XVI, p. 108, Biblfoteca~FFP A.V; 3 A mimese e a verossimilhanca na Poética Principais aspectos do texto © objetivo de canalizar a leitura da Poética para a ‘questo da mimese torna indispensavel rastrear os elemen- tos referentes & categoria mimética no texto aristotélico. Uma vez arrolados, esses elementos — de ordem tanto nor- mativa como descritiva ¢ classificatéria — permitem uma visto de conjunto das proposigdes do Estagirita quanto & mimese ¢ a conseqiiente formulacao de um juizo critico ¢ conclusivo a respeito do assunto. Listando pela ordem com que aparecem na Poética e com base na interpretagdo ja apresentada do texto, sobres- saem como significativas, acerca da mimese, as afirmacdes: ‘A — a poesia (arte literdria) € sentagao (cap. 1) B — mimese corresponde_a_um proceso construivel através de meios, objetos ¢ modos (cap. I, IT ¢ III) se: imitacdo, repre. a) as diferentes espécies de poesia deccrrem de as imita- «Ges serem feitas com meios, objetos ou modos diversos ge ) o.meio (ex;_¢ metro) que um ator emprega numa obra ndo € critério suficiente para identificé-la como mimes (arte), nem para designar 0 autor como poeta (artista); ©) amimese tem como objeto os homens em_agdo, conside- rados distintamente conforme o seu cardter; necessaria- mente, a mimese seri de homens melhores, piores ou iguais aos comuns, Somente as representacdes que exi- gem a transformacdo ética do objeto-modelo, para ‘melhor ou pior, dao origem a géneros poéticos reconhe- cidos, como a tragédia e a comédia; a mimese, cujo objeto de imitacdo so homens “iguais a nds”, ndo ‘engendra nenhum génsro na Poética e nao reeebe nenhum desenvolvimento; d) a mimese pode ser produzida através de dois modos: narrativo (proprio de epopéia) ¢ dramaitico (préprio da tragédia), C — aumimese se explica como uma tendéncia congé- ita no homem, a0 qual apraz tanto produzi-la quanto con- templécla; o prazer que a mimese determina envolve uma aprendizagem (conhecimento) e um reconhecimento (identi- ficagdio.com_uma forma original) (cap. IV). D —a tragédia se identifica com a mimese de quali- {dade superior, em contraponto com a mimese efetuada pela comédia; a tragédia tem, como objeto, ages de cardter ele- vado (transformagao ética do modelo para melhor), como ‘meio, uma linguagem ornamentada, ¢, como modo, dié- logo e 0 espetdculo cénico; a mimese tragica inclui, ainda, ‘um quarto critério na sua definigdo: a catarse — efeito puri ficador das emocdes do espectador (cap. VI). Descreve-se a mimese trdgica como uma composicio formada de partes qualitativas (mito, cardter, pensamento, clocugao, melopéia e espeticulo) ¢ quantitativas (prélogo, episédio, éxodo, coral ¢ kommds); das partes qualitativas, 2” a mais importante ¢ o mito ¢ a menos artistica e mais estra- ha & poesia é 0 espetaculo cénico. E — na representagao trégica, o papel preponderante cabe & aco, a0 mito, 0 qual, portanto, corresponde a0 arranjo sistemético das agées; na Postica, praticamente toda.a.mimese pode ser comprecudida pelo estudo do mito trdgico, porque, sendo a base da mimese, 0 mito com ela se identifica (cap. VII a XIV): @) 0 mito € a representagdo de uma ago que compde um ~ todo uno, com suas partes ordenadas em principio, meio e fim, segundo os critérios da necessidade ¢ da verossimilhanca, e com uma extensio determinada, con- forme a propria natureza das coisas representadas; 0 mito deve corresponder a uma extensio que permita ao espectador contemplar, numa visio de conjunto, a unidade e totalidade da representaga B) 0 mito ¢ imitacdo de uma acéo una, no sentido de que todos os fatos decorrem, verossimil e necessariamente, uns dos outros, representando, na unidade da imitacdo, a unidade do objeto imitado; ©) a mimese, que 0 mito opera, supde selegdo ¢ ordenacdo dos elementos segundo a probabilidade ¢ a necessidade, dai nao corresponder & representago de acontecimen- tos reais ou histéricos, mas de acontecimentos possiveis; @) 0 encadeamento causal que estrutura a a¢do, na mimese, segundo 0 verossimil (provavel) ¢.0 necessdrio (\Sgico), torna a poesia mais geral ou universal que a histéria, circunscrita a relatos de acontecimentos particulares; nais ¢ aos nomes que realmente existiram; 1) é a capacidade de compor um mito que define um homem como poeta (artista); 8) a qualidade do mite tragico decorre da produgdo de ‘emogdes (temor e picdade) através de fatos inesperados, decorrentes, de preferéncia, do encadeamento causal verossimil e necessério; 1h) 0 mitos podem ser simples e complexos, a peripécia ¢ reconhecimento devem decorrer da causalidade légica, prépria ao encadeamento necessério e verossimil dos Fatos; J) todas as partes que compdem o mito — peripécia, reco- nhecimento e catdstrofe — subordinam-se_aos princi pios do verossimil ¢ do necessario; §) para que a mimese trdgica alcance idealmente seus efei- tos, deve valer-se de situagdes que tracem um percurso de ordem emocional, indo_da felicidade.& desgraca, & ter suas acdes representadas por um heréi selecionado em fungo do seu caréter — homem de indole interme- didria entre o vicio e a virtude, a mediocridade ¢ a bon- dade, capaz, por isso mesmo e verossimilmente, de incorrer em erro trdgico; 1) os efeitos da tragédia, mesmo que possam advir também do espetéculo, devem proceder da composi¢ao do mito, da intima conexdo de seus fatos; m) a fim de suscitar com intensidade os sentimentos de temor e piedade, as agdes violentas que a mimese tré- sgica imita devem acontecer entre. pessoas intimamente relacionadas — como da mesma familia, parentes, etc.; {) 0 cardter da personagem trigica é marcado pela eleva- go de sentimento (bondade) e pelo equilibrio do bom senso (conveniéncia, semelhanca ¢ coeréncia); a lei do verossimil e do necessario justifica também a representa- 40 dos caracteres, cu seja, as palavras ¢ atos das perso- nagens de carter; ¢ préprio desenlace do mito trégico, deve decorrer do arranjo das acées ¢, nao, do deus ex machina: ® 0 construir a mimese, 0 poeta deve imitar os bons retta- {isas: reproduzir a forma peculiar do modelo, respei. {ando a semelhanca com o original, mas também erica, levi-la, transformando o cardter do modelo para melhor: & mimese reine, assim, duas exigéxcias: a reprodugte ‘econhecivel do modelo original « a.sua elevacdo élicas P)} todos os elementos do mito trégico tém seu valor artis- tico estipulado pelo grau de relago que apresentam cop 2 verossimilhanga a necessidade interna de agao. Ex.+ © melhor reconhecimento ser aquele que decorrer a intriga, Teas 2° ComstTuir a mimese, 0 posta deve como que Ciualizar as acdes, a fim de que, percebendo como nie Sontradizer a conveniéncia verossimil, possa persuadir © espectador com a ilusdo de reali: buscando maior intensidade para os estos que reforcem 0 ‘‘viver” das emogdes pelas persona. Sen tue assim persuadirdo mais; por outro lado, antes Ak introduzir epissdios apropriados ao assunto e de dere yolveles, © poeta deve, ainda, tracar um esquema eeral os argumentos de que se serviré, por meio da sequceeia, 80 organizada dos principais acontecimentos (cap. XVII) GC — amimese trdgica se classifica, segundo suas carac- teristics dominantes, em simples, complexa, de cortae, catastr6fica (cap, XVIII e XIX): 4) Para sua exceléncia e isengao critica, ¢ mimese tragica 5) a tragédia é a representagito de um tinico mito, enquanto 4 epopéia representa varios; ©) um recurso da mimese tiga ¢ o efit de supresa, 0 ual, mesmo inverossimil, pode parecer verossimil, por, aue-¢ verossimil que acontecam coisas iaverossimele i

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