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Fora de Isabel 1 ‘Mand, mi corazin quiere bararse, pedia a csianga junto a0 mat ‘to amul que a propria mae faltavam cores suficientes no vocabu~ lirio. E a crianga tio sozinha em espanhol, tio exacta no desejo de ‘gua. A crianga ainda sem ousar a maré ¢ jé tio certa da inveja desses barcos que comem restos de aves, que comem restos dé peixes, que comem restos de sal, que comem. A. crianga que vm dia escreveria: Mamd, Apenas isso: Mamd. ‘Meu fib, pensava a mie, tio calada em portugues, meu filbo. O ‘mar é tio perigoso. Tens tempa. Agora ndo. E o filho insistia: que 0 coragao, que 0 banho, que o descjo. Por favor. & Pipa Let Ea mie tio cheia de medo do filho que um dia seria como ‘mar: nfo caberia no seu vocabulirio. Crescer era assim: deixar de caber no voeabulirio das mfes, no vocabulirio da égua. Deixar de caber, cabendo tanta coisa ali. Crescer era o siléncio do quarto da infincia mas jé tio longe dos irmaos. Isabel, Isabel. Um dia tam- ‘bém o filho diria o nome da mic. E o pai, pai contomandbo ailha, pai que rejeitava a nostalgia do instante porque sabia que a mie daquele filho tinha deixado de caber no vocabulirio da sua prépria me. A mie daquelefilho era filha de outra mie cheia de medo junto a0 mar, junto ao pedido da filha to pequena, tio cheia de uma esperanga maior. E 0 pi, que era também filho de outro pai que reeitava a nostalgia pela mesma razio de ter deixado de caber no vocabuilirio do seu pré- prio pai, o pai tio pequeno contornando a ilha, tio cheio de uma ‘xperanga maior. sabe, Label, insistia 0 pai deste filho, Vem comigo contornar a itba ‘Mas nao. Isabel tinha medo de partir de ao pé do filho porque antes tinha tid medo de partir de ao pé dos pas. Isabel migrava ce migrava eo proprio verbo contrariava o seu sentido na repetislo. fea abe Isabel que desejava que os lugares tivessem vocago de sitio onde fica, Isabela queser pati, a querer sai de Isabel iz Em Fevereiro fz. frio no pats de Isabel. Ainda & cede para te explicar Fevereiro, pensa olhando o filho colhando o mat. Isabel desata os meses de significado para que a crianga eresga na sua lingua de areia, na sua ilha de interior. Tao préximo da margem ¢ nunca te trouxeram agui, pensa. Tao préximo de seres filho de Isabel e no entanto s6 agora podes dizer isso: mand. Hi anos que Isabel esperava para adoptar este menino. Anos de sucessivasviagens, anos a ultrapassar 0 mar que separava o seu pats do pais do seu filho, até que ele falasse, até que ele soubesse, até que ele escolhesse. Isabel no entendia a adopcio sem a pala vra, Espero que fles, espero o tempo que for precise, dizia 20 marido como se 0 dssesse & crianga. Ese a crianga for muda?, perguntava- -lhe ele baixinho, nio fosse o futuro filho entender portugués. Isabel ria e o matido ria e a erianga ria saiam os dois dali de brago dado, felizes como avés, como s6 os av6s sabem ser. a Flips Let O filho crescew até & linguagem. E s6 entio Isabel o levou aquele lugar sem mae. Isabel era agora a mie de uma erianga 4quase desconhecida que the pedia para entrar no mar pela pri- ‘meira vez, Uma crianga que dizia mand como quem diz mam, rigorosamente. A tinica intengio deste filho ¢ afinal ter mie e pai junto a0 mar. ‘Mas Isabel sempre teve medo da agua. 3. O filho ¢ o pai olhavam Isabel como se Isabel fosse um pais sem guerra. Isabel era agora o pais onde habitavam o flho e 0 pai deste filo e um pais assim, tio habitado, nfo poderia desertar. ‘Mand, mamd. © pai, que tinha estado dois anos na Guiné, sabia como era

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