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Roger Silverstone Por que estudar a midia? Loria reconenana Tradugio: Critica da comunicao, Milton Camargo Mota 1 Stee Histria da soviedads da infornapio ‘A Mattelart stra das teovis da comusicagdo ‘A Mattar, M, Mattar eografia tindnica, P Livy Inteligéncia coletiva, P Ley Pesquisa cm comunicasto, Mp, Immacolata Vessalo Tilo original: Why Study the Media? © Roger Silverstone 1999 ‘Sage Publications Lid 6 Bonhill Steet ~ London EC2A 4PU ISBN: 0.7519-6454-1 Boicho: Marcos Marion Prrrseato: Mauricio B, Leal Revisho: Rita de Cassia Diacranachor TeLaa pos Savras Custoo1e Eaigies Loyola Roa 1822 0347 ~ Ipiranga 4216-000 Sio Paulo, SP Caixa Postal 42.335 ~ 04218970 ~ Seo Paulo, SP Qay wri @ 1) 163-4275 Home page e vendas: wwwloyolacom be Editorial: lyole@loyoly com be Vendas: vendas@loyolicom br Taso drei reser. vt pat dca or pode ser pola 00 nants por ule fora wo ture (line cn reco, tnd top ¢ grove) on aun om quieren ou bee de ‘te em pias sera tor, ISBN: 85-15-02464-0, 2 edigto: outubro de 2005 © EDIGOES LOYOLA, Sio Paulo, Brasil, 2002 Para Jennifer, Daniel, Elizabeth ¢ William Queria que o estudo da midia se destacasse destas paginas como uma tarefa humanista, mas também huma- nna. Devia ser humanista em sua preocupagao com o indi- viduo e com o grupo. Fra para ser humana no sentido de estabelecer uma logica distinta, sensivel a especificidades hhistdricas e sociais e que recusasse as tiranias do determi- nismo tecnolégico e social, Ele tentaria navegar na fron- teira entre as ciéncias socials e as ciéncias humanas. ‘Acima de tudo, o livro foi talvez concebido como um manifesto, Eu queria definir um espaco. Engajar-me com os que estio fora de meu préprio discurso, em algum lugar na academia ou no mundo além dela. Era a hora, pensava, de levar a midia a sério. O estudo da midia precisa ser critico, relevante. Deve criar ¢ manter certa disténcia entre si e seu objeto. Pre- cisa mostrar que € pensante. Espero que as paginas s guintes satisfacam, pelo menos em algum grau, a esses exigentes requisitos. Mas, se 0 projeto tiver éxito, mesmo parcial, em cumprir seus objetivos, entfo, como qualquer outra coisa, sera porque intimeras pessoas, colegas e alunos, contri- ‘buiram de maneira direta e indireta para ele, Deixem-me cité-los, com grafldio: Caroline Bassett, Alan Cawson, Stan Cohen, Andy Darley, Daniel Dayan, Simon Frith, ‘Anthony Giddens, Leslie Haddon, Julia Hall, Matthew Hills, Kate Lacey, Sonia Livingstone, Robin Mansell, Andy Medhurst, Mandy Merck, Harvey Molotch, Maggie Scammell, Ingrid Schenk, Ellen Seiter, Richard Sennett, Bruce Williams, Janice Winship « Nancy Wood. Nenhum deles, ¢ claro, tem responsabilidade pelos erros ¢ infelici- dades que podem ter restado. 70 | Porque esudar a mii? A textura da experiéncia ' Talk show vespertino de Jerry Springer, 22 de de- zembro de 1998. Reprisado pela enésima vez no canal via satélite UK Living, Ele fala com homens que trabalham como mulheres. Duas fileiras de travestis ¢ transexuais uutem suas vidas, suas relagdes € seu trabalho, Sao atormentados pela audiéncia televisiva. Ouvem perguntas sobre ter filhos. Um casal troca aliangas: “Afinal, nunca fizemos isso antes e é uma transmissio em rede nacional’ Jerry conclui com uma homilia sobre a normalidade € a falta de seriedade desse tipo de comportamento, fazendo ‘sua audigncia lembrar-se de Milton Berle e de Some like it hot (Quanto mais quente melhor), de performances de uma época mais inocente, em que se vestir com roupas do 1$6Xo oposto no era visto como algum tipo de perversio, |) Um momento de televisio. Explorador mas também “explordvel, Momento facilmente esquecido, uma particula “Subatdmica, uma cabeca de alfinete no espaco midiatico, § agora mencionado, notado, sentido, fixado, nem que la.apenas aqui nesta pagina. Um momento de televistio {@Mioi Jocal (todos os personagens trabalhavam num durante tematico de Los Angeles), nacional (origi- Riera 6 oowitnca | 11 nalmente transmitido nos Estados Unidos) ¢ global (c! gou até aqui). Um momento de televiséo arranhando a superficie da sensibilidade suburbana, tocando as mar- gens, a base. No entanto, um momento de televiséio que servird perfeitamente. Ele representa 0 ordinatio ¢ 0 continuo. Em sua unicidade, é absolutamente tipico — um elemento na constante mastigacio da cultura cotidiana pela midia; seus significados dependem de saber se realmente 0 notamos, se le nos toca, choca, repugna ou atrai, enquanto entramos, atravessamos e saimos do ambiente miditico cada vez muais insistente ¢ intenso, Ele se oferece a0 espectador de passagem ¢ aos anunciantes que solicitam sua atencio, talvez. com desespero cada vez. maior. E também se oferece a mim como 0 ponto de partida de uma tentativa de res- ponder & pergunta: por que estudar a midia? E o faz con trariando as expectativas, & claro, mas também de modo ‘muito natural, pois levanta inimeras questies que mio podem ser ignoradas, questdes que emergem do simples reconhecimento de que nossa midia é onipresente, diaria, uma dimensio essencial de nossa experiéncia contempord- nea. & impossivel gscapar a presenga, a representagao da rmidia, Passamos a depender da midia, tanto impressa como cletrdnica, para fins de entretenimento ¢ informacdo, de conforto e seguranca, para ver algum sentido nas continui- dades da experiéncia € também, de quando cm quando, para as intensidades da experiéncia, 0 funeral de Diana, Princesa de Gales, é um exemplo caracteristico. Posso notar as horas que 0 cidadao global passa em frente da televisiio, a0 lado do radio, folheando jomais e, oe que eudar 2 mii? cada vez mais, surfando na Internet. Posso notar também como essas figuras variam globalmente de Norte a Sul € dentro dos paises, de acordo com os recursos materiais simbélicos. Posso notar quantidades: vendas globais de software, variacbes na freqiéncia de salas de cinema e no aluguel de fitas de video, propriedade pessoal de compu- tadores de mesa. Posso refletir sobre padrdes de mudanga ¢, talvez de maneira bastante precipitada, sobre arriscadas projesdes de futuras tendéncias de consumo. Mas a0 fazer tudo isso, ou algumas dessas coisas, estou apenas pati- nando na superficie da cultura da midia, superficie mui- tas vezes suficiente para os que se preocupam em vender, mas claramente insuficiente para quem se interessa pelo que a midia faz, como também pelo que fazemos com ela, E é insuficiente se queremos compreender a intensidade ea insisténcia de nossas vidas com nossa midia. Por esse motivo, temos de transformar quantidade em qualidade. Quero mostrar que é por ser to fundamental para nossa vida cotidiana que devemos estudar a midia, Estudé a como dimensio social e cultural, mas também politica e econémica, do mundo moderno, Estudar sua onipresenga e sua complexidade. Estudé-la como algo que contribu para nossa variivel capacidade de compreender 0 mundo, de produzir e partithar seus significados. Quero mostrar que deveriamos estudar a midia, nos termos de Isaiah Berlin, como parte da “textura geral da experiéncia’, expresso que toca a natureza estabelecida da vida no mundo, aqueles aspectos da experiéncia que tratamos como corritueigos e que devem subsistir para vivermos € nos comunicarmos uns com 0s outros. Hé muito, os socidlo- er i ewpeiéncis | 18 os se preocupam com a natureza € a qualidade dessa dimensio da vida social, em sua possibilidade ¢ em sua continuidade. Os historiadores também, ao menos na slo de Berlin, ndo podem deixar de depender dela, pois seu trabalho — como todos das ciéncias humanas — depende, por sua ver, da capacidade que eles tém de refletir sobre 0 outro e de compreendé-lo. A midia agora € parte da textura geral da experién- Se incluissemos a linguagem como uma midia, isso ndo mudatia e terlamos de tomar as continuidades da fala, da escrita, da representacdo impressa e audiovisual como indicadores do tipo de respostas que procuro para minha pergunta, pois sem atencdo as formas € aos con- teiidos, as possibilidades da comunicagio, tanto dentro do tido-por-certo de nossas vidas cotidianas como con: tra ele, n&o conseguiremos compreender essas vidas. Ponto A caracterizagio de Berlin é, claro, principalmente metodolégica. 0 “por qué?” necessariamente implica o “como”. A historia deve ser um empreendimento huma- nista, nao cientifico em sua busca por leis, generalizagbes ou fechamento tedxjco, mas uma atividade baseada no reconhecimento da diferenca e da especificidade e numa percepsio de que os afazeres dos homens (como a ima- nagdo liberal é tragicamente baseada em género se- xuall) requerem uma espécie de compreensio e explica~ io algo afastadas dos preceltos kantianos e cartesianos de racionalidade e razao puras. Minha reivindicagao para © estudo da midia seguira esse caminho, e também oca- sionalmente retornarei a seus métodos. 14 | Porque estufora mi? Berlin também fala do tipo apropriado de explicagao relacionado 4 andlise moral e estética: nna medida em que ela pressupae conceber os seres hunanos no apenas como organismos no espago cujo comportamen- to apresenta regularidades que podem ser deseritas e encer- radas em férmulas que poupam trabalho, mas como seres atyos, que perseguem fins, moldam sua vida e a dos outros, sentem, refletem, imaginam, criam, em constante interagdo € intercomunicagdo com outros seres humanos; em suma, envolvidos em todas as formas de experiéncia que compre- endemos porque as compart}hamos ¢ nao as vemos pure mente como observadores exteros. (Berlin, 1997, p. 48) Sua confianga numa nogdo de nossa humanidade compartilhada é tocante ¢ est, talvez, em desacordo com a sabedoria contempordnea que recebemos; mas sem ela estamos perdidos ¢ 0 estudo da midia se toma uma im- possibilidade. Isso também vai inspirar minha anélise. Mais tarde voltarei a esse tépico. Ha outras metéforas nas tentativas de compreender © papel da midia na cultura contemporénea, Ja pensamos nela como condutos, que oferecem rotas mais ou menos imperturbadas da mensagem mente; podemos pensar nela como linguagens, que fornecem textos € representa~ des para interpretagio; ou podemos abordé-la como ambientes, que nos abragam na intensidade de uma cul- tura mididtica, saciando, contendo e desafiando sucessi vamente, Marshall McLuhan vé a midia como extensdes do homem, como proteses, que aumentam o poder ¢ a influéncia, mas que talvez (e € provavel que ele tenha ‘entra oa epentre [15 pensado assim) tanto nos incapacitam como nos capa tam, enquanto nés, objetos € sujeitos da midia, nos en- redamos mais e mais no profilaticamente social, De fato, podemos pensar na midia como profila- ticamente social na medida em que ela se tomnou suceda- neo das incertezas usuais da interagio cotidiana, gerando infinita ¢ insidiosamente os como se da vida cotidiana e criando cada vez mais defesas contra as intrusdes do indesejavel e do ingovernavel. Grande parte de nossa Preocupacao publica com os efeitos da midia concentra- Se nesse aspecto do que vemos e tememos, especialmente, ha nova midia: que cla substituird a sociabilidade ordiné- ria e que estamos criando, sobretudo por meio de nossos filhos homens, e muito especialmente por meio da classe operaria masculina e dos meniinos negros (que continuam a ser 0 locus da maior parte de nosso pénico moral), uma aga de viciados na telinha. Apesar de sua ambivaléncia, Marshall McLuhan (1964) nao vai téo longe. Pelo contré- rio, Mas sua visto da cultura ciborgue precede a de Donna Haraway (1985) em cerca de vinte anos. Essas metéforas si titeis. Sem elas estamos conde- nados a uma visi obscura da mfdia, como através de um vidro. Mas, a exemplo de todas as metéforas, a luz que langam ¢ parcial e efémera; precisamos ir além dela, Meu propésito € justamente esse. Para responder 4 minha Pergunta teremos de investigar as maneiras como a midia Participa de nossa vida social ¢ cultural contemporinea, Precisaremos examinar a midia como um processo, como luma coisa em curso ¢ uma coisa feita, ¢ uma coisa em Curso e feita em todos 0s niveis, onde quer que as pessoas 16 | Porque exutora mica? se congreguem no espago real ou virtual, onde se comu- nicam, onde procuram persuadir, informar, entreter, edu- cat, onde procuram, de miltiplas maneiras ¢ com graus de sucesso varidveis, se conectar umas com as outras. Entender a midia como um proceso — e reconhecer que 0 proceso & fundamental ¢ eternamente social — & insistiryna midia como historicamente especifica. A midia esta mudando, jé mudou, radicalmente. 0 século XX viu © telefone, o cinema, 0 ridio, a televisio se tornarem objetos de consumo de massa, mas também instrumentos essenciais para a vida cotidiana, Enfrentamos agora fantasma de mais uma intensificacdo da cultura mididtica pelo crescimento global da Internet e pela promessa (al- guns diriam ameaga) de um mundo interative em que tudo e todos podem ser acessados, instantaneamente Entender a midia como processo também implica um reconhecimento de que ele é fundamentalmente po- litico ou talvez, mais estritamente, politicamente econd- ico. Os significados oferecidos e produzidos pelas varies " comunicagdes que inundam nossa vida cotidiana safram de instituigdes cada vez mais globais em seu aleance e em suas sensibilidades € insensibilidades. Pouco oprimidas pelo peso historico de dois séculos de avanco do capit lismo e desconsiderando cada vez. mais 0 poder tradicio- nal-dos Estados nacionais, elas estabeleceram uma plata- forma, é forgoso admitir, para a comunicagéo de massa, Esta ainda é apesar de sua diversidade ¢ de sua flexibi- lidadg progressivas, a forma dominante dessa comunica- so. Hla ¢onstrange ¢ invade culturas locais, mesmo que no as subjugue. “Rested expen Os movimentos nas instituigdes dominantes da mi- dia global séo de escala tectonica: erosao cultural gradual e, de repente, deslocamentos sismicos quando multinacio- nais emergem do mar, feito novas cordilheiras, enquanto outras afundam ¢, como a Atlantida, sto apenas mitica- mente lembradas como, outrora, talvez relativamente bene- volentes. 0 poder dessas instituicdes, 0 poder de controlar as dimensées produtivas e distributivas da midia contem- pordnea € a debilitagdo correlativa ¢ progressiva de go- vernos nacionais em controlar o fluxo de palavras, ima- gens ¢ dados dentro de suas fronteiras nacionais sio profundamente significantes e indiscutiveis. E um trago fundamental da cultura da midia contemporanea. Grande parte do debate atual baseia-se numa nogao da velocidade dessas diversas mudangas e desenvolvi- ‘mentos, mas confunde a velocidade da mudanca tecnolé: gica ou, realmente, da mudanca da mercadoria com a velocidade da mudanga social e cultural. HA uma tensdo constante entre o tecnoldgico, o industrial e o social, tenstio que deve ser levada em conta se queremos reco- nhecer a midia como, de fato, um proceso de mediag3o. Pois ha poucas linhas diretas de causa e efeito no estudo da midia, As instithigdes nao produzem significados, Elas 0s oferecem. As instituigées ndo apresentam uma mudan- ca uniforme. Flas tém ciclos de vida diversos ¢ histérias diferentes. Mas entéo nos confrontamos com outra questio, depois com outra e mais outra. 0 que medeia a midia? E como? E com quais conseqiiéncias? Como entender a midia como conteiido e forma, visivelmente caleidoscépica, in- 18 | Porque esuder a mihi? visivelmente ideolégica? Como avaliar os modos pelos quais se travam as batalhas pela midia e dentro dela: batalhas pela posse e pelo controle tanto de instituigdes como de significados; por acesso € participacdo; por re- presentagao; batalhas que impregnam e afetam nosso senso uns dos outros, nosso senso de nés mesmos? Estudamos a midia porque queremos respostas a essa questées, respostas que sabemos que nio podem ser conclusivas € que, de fato, nao devem sé-lo. Por mais atraente que seja ¢ muitas vezes superficialmente convincente, mio se pode obter uma tinica teoria da midia, De fato, seria um tremendo erro tentar encontrar uma, Um erro politico, intelectual e moral. Mas ao mesmo tempo nossa preocupacdo com a midia é sempre igual- mente uma preocupacao pela midia. Queremos aplicar 0 que passamos @ compreender, envolver-nos com os que poderiam estar em posigdo de responder, queremos en- corajar a reflexibilidade ¢ a responsabilidade, 0 estudo da midia dever ser uma ciéncia relevante ¢ também humanista. ‘Minhas respostas, portanto, & minha prépria pergun- ta vio se basear numa nogdo dessas complexidades, ao mesmo tempo substantivas, metodolégicas e, no mais amplo sentido, morais. Estou lidando, afinal, com seres humanos ¢ suas comunicagées, com linguagem e fala, com o dizer e o dito, com reconhecimento € mal-reconhe- cimento ¢ com a midia vista como intervengdes técnicas € politicas nos processos de compreensto. ‘Dai o ponto de partida. A experiéncia. A minha e a sua. E sua ordinariedade. ‘A testa do expertnca [19 A pesquisa na midia muitas vezes preferiu o signi ficante, o evento, a crise, como fundamento de sua inves- tigacao. Ja olhamos as perturbadoras imagens de violén- cia € de exploracio sexual e tentamos avaliar seus efei- tos. Focamos os eventos-chave da midia, como a Guerra do Golfo, ou os desastres, tanto os naturais como os causados pelo homem, a fim de explicar o papel da midia no controle da realidade ou no exercicio do pocier. Tam- bbém focamos os grandes cerimonais piblicos de nossa era ara explorar seu papel na cria¢&o da comunidade nacio- nal. Isso tudo é relevante, pois sabemas, desde Freud, 0 Quanto a investigacio do patolégico, ou mesmo do exa- gerado, revela sobre 0 normal. Mas uma atengo continua a0 excepcional provoca interpretagdes errbeas inevitd- veis. Pois a midia é se nada mais, cotidiana, uma presen- Sa constante em nossa vida diéria, enquanto ligamos ¢ desligamos, indo de um espaco, de uma conexo midié~ ca, para outro, Do ridio para o jomal, para o telefone. Da televisdo para 0 aparelho de som, para a Internet, Em Publico e privadamente, sozinhos ¢ com os outros, Eno mundo mundano que a midia opera de maneira ‘mais significativa, Ela filtra e molda realidades cotidianas, por meio de sua§ representagées singulares ¢ miltiplas, fomnecendo critérios, referéncias para a conduggo da vide diéria, para a produsao € a manutengéo do senso comum, E € aqui, mo que passa por senso comum, que devemos fundamentar o estudo da midia, Para poder pensar que a vida que levamos ¢ uma realizagio continua, que requer ‘nossa participagio ativa, embora muitas vezes em circuns- ‘ancias que nus permitem pouca ou nenhuma escolha ¢ 20 | Porque coder a mia? nas quais 0 melhor a fazer é simplesmente “arranjar-se’. A midia nos deu palavras para dizer, as idéias para exprimi nao como uma forca desencarnada operando contra nés enquanto nos ocupamos com nossos afazeres diarios, mas como parte de uma realidade de que participamos, que dividimos ¢ que sustentamos diariamente por meio de nossa fala qidria, de nossas interagbes didtias. 6 senso comum, obviamente nem singular nem in= conteste, é por onde devemos comecar. 0 senso comum, tanto expresso como precondigaio da experiéncia. O sen- so comum, compartilhado ou a0 menos compartilhavel ¢ medida, muitas vezes invisivel, de quase todas as coisas. A midia depende do senso comum. Ela o reproduz, recor- re a ele, mas também o explora e distorce. Com efeito, sua falta de singularidade fornece material para as controvérsias ¢ 05 assombros didrios, quando somos for- sados — em grande medida pela midia e, cada vez mais, talvez apenas pela midia — a ver, a encarar os sensos comuns € as culturas comuns dos outros. 0 medo da diferenga. 0 horror da classe média as paginas da im- prensa marrom € dos tabléides. A rejeigdo precipitada e, como se pode argumentar, filistina do estético ou do intelectual. Os preconceitos de nagdes e géneros. Os va- lores, atitudes, gostos, as culturas de classes, as etnicidades etc, reflexdes € constituigdes da experiéncia e, como tais, terrenos-chave para a definigdo de identidades, para nos- sa capacidade de nos situar no mundo moderno, Além disso, é pelo senso comum que nos tornamos aptos, se € que ‘de fato nos tomamos, a partilhar nossas vidas uns Com 05 outros ¢ distingui-las umas das outras. ‘tee de exerted | 21 Essa capacidade para a reflexdo — de fato, sua fun- damental importéncia — tem sido notada com freqiléncia suficiente por aqueles que procuram definir as caracteris ticas da modernidade ¢ da pés-modemnidade, mas suas préprias reflexes tendem a ver a virada reflexiva mais ‘ou menos exclusivamente nos textos de especialistas da filosofia ou da ciéncia social. Quero reivindicé-la também Para o senso comum e, de tempos em tempos, até mesmo, ou talvez especialmente, para a midia. A midia é essencial a esse projeto reflexivo nao sé nas narrativas socialmente conscientes da novela, no talk show vespertino ou no programa de rédio com participagao do ouvinte, mas também nos programas de noticias ¢ atualidades, © na Publicidade; como que através das lentes mailtiplas dos textos escritos, dos audiotextos ¢ dos textos audiovisuais, © mundo € apresentado ¢ representado: repetida ¢ inter- minavelmente. Que outras qualidades poderlamos atribuir & expe- rigncia no mundo contemporineo e ao papel da midia nela? Perdoem-me se recorro a metiforas espaciais para tentar comecar uma resposta, mas me parece que o espa go fomece a estfutura mais satisfatdria para abordar a questo. O tempo também, é claro; mas o tempo —, e isso agora é um lugar-comum na teoria pés-modema — ja no € o que era. Néo mais uma série de pontos, néo mais claramente demarcado por distingdes de passado, presen- te € futuro, néo mais singular, compartilhado, resistente. Podemos dizer tudo 1530, sabendo contudo que o dispen- sar dessa maneira nao é totalmente certo, ou é no minimo prematuro; sabendo que a vida ¢ vivida no tempo ¢ finita; sabendo também que a seqiéncia € ainda fundamental, que o tempo nao é reversivel (exceto, claro, na tela) e que histérias ainda podem ser contadas. Sabemas que leva- as vidas através de dias, semanas e anos; vidas marcadas pelas reiteragdes de trabalho € lazer, pelas 1 petigdes do calendatio e pelas longues durées da historia mal hotada e talvez progressivamente esquecivel. No entanto, a midia tem de responder por muita coisa, espe~ Clalmente a tiltima geracdo da midia computadorizada, pois enquanto a radiodifusdo foi sempre baseada no tem- po, mesmo que 0 conteiido dos programas nao o fosse, 0 Jogo de computador é infinito e a Internet, imediata, Como Lewis Carrol poderia ter indagado: pode 0 tempo sobre- viver a semelhante surra? Entdo € do espago que devemos tratar, pelo menos por enquanto. E espago em muiltiplas dimensOes, admitin- do talvez que o espago é ele mesmo, como sugere Mi nuel Castells (1996), nada mais que tempo simulténeo, Deixem-me propor (e esta nfo € uma idéia original) que pensemos em nés mesmos em nossa vida cotidiana e em nossa vida com a midia como viajantes, movendo-nos de um lugar para o outro, de um ambiente mididtico para outro, estando as vezes em mais de um lugar ao mesmo ‘tempo, como podemos imaginar estar quando assistimos 2 televisio ou surfamos na World Wide Web, por exem- plo. Que tipos de distingdes podemos fazer aqui? Que tipos de movimentos se tormam possiveis? “8N6s nos movemos entre espacos privadas € piblicos. Entre espagos locais e globais. Passamos de lugares sagra- 22 | Por que estar mia? A tert da expertcin |] dos a seculares; de reais a ficcionais e virtuais, e vice- versa. Passamos do que é seguro para o que é ameagador € do que é compartilhado para o que é solitario. Estamos ‘em casa ou fora, Atravessamos soleiras e vislumbramos ho- rizontes. Todos nés fazemos essas coisas constantemente © em absolutamente nenhuma delas estamos sem nossa midia, como objetos fisicos ou simbélicos, como guias ou pegadas, como experiéncias ou aides-mémoires Ligar a televisio ou abrir um jomnal na privacidade de nossa sala ¢ envolver-se num ato de transcendéncia espa- ial: um local fisico identificével — 0 lar — defronta e abarea 0 globo. Mas tal ago, ler ou ver, possui outros Teferentes espaciais. Fla mos liga aos outros, a nossos vi- Zinhos, conhecides e desconhecidos, que estéo simultanea- mente fazendo a mesma coisa. A tela bruxuleante, a pi- gina vibrante nos unem momentaneamente — mas com enorme significancia pelo menos no século XX — numa comunidade nacional. No entanto, compartilhar um espago nao ¢ necessariamente possui-lo; ocupé-lo no nos dé necessariamente direitos. Nossas experiéncias dos espagos migiiticos sdo particulares ¢ amide fugidias. Raramente deixamos um rastrg, mal-e-mal uma sombra, quando nos envolvemos com essas pessoas, os outros, que vemos, dos quais ouvimos falar ou a respeito de quem lemos. Nossa jomada diaria implica movimento pelos dife- rentes espagos midiaticos e pata dentro e fora do espago da midia. A midia nos oferece estruturas para 0 dia, pontos de referéncia, pontos de parada, pontos para o olhar de relan- ce e para a contemplagio, pontos de engajamento © opor- tunidades de desengajamento. Os infinitos fluxos da repre- 24] Por gue estudar a mide? sentagdo da midia sdo interrompidos por nossa participa- cio neles. Fragmentados pela atengdo € pela desatencio, Nossa entrada no espaco midiético é ao mesmo tempo, uma transigdo do cotidiano para o liminar ¢ uma apropria~ Ho do liminar pelo cotidiano. A midia € do cotidiano e ao mesmo tempo uma alternativa a ele. Oyque estou dizendo difere um pouco do que Manuel Castells (1996, pp. 376ss,) identifica como o “espaco de fluxos” Para Castells, 0 espaco de fluxos sinaliza as redes eletrénicas, mas também as fisicas, que fornecem a dind- mica grade de comunicacio ao longo da qual a informa- ‘G0, o5 bens e as pessoas se movem incessantemente em hossa era da informagdo emergente. A nova sociedade € construfda em seu movimento, em seu eterno fluxo, O espaco fica instavel, destocado das vidas que so levadas em espagos reais, embora em alguns sentidos ainda delas. Meu ponto de partida, ao reconhecer essa abstrago, pre- fere contudo fundamentar um senso de fluxo do que Castells chama “a era da informagao” nos traslados den- tro e através da experiéncia, pois é ai que eles ocorrem: como sentidos, conhecidos e, as vezes, temidos, Nés tam- bém nos movernos em espacos midiéticos, tanto na re lidade como na imaginasao, tanto material como simmbo- licamente, Estudar a midia & estudar esses movimentos no espago € no tempo e suas inter-relagdes e talvez também, como conseqiéncia, descobrit-se pouco convencido pelos profetas de uma nova era ¢ por sua uniformidade e seus beneffcios, Se estudar a midia € estudi-la em sua contribuigéo para a textura geral da experiéncia, entdo algumas coisas A tertwa de experts | 25 se seguem. A primeira € a necessidade de reconhecer a realidade da experiéncia: que as experiéncias sdo reais, até mesmo as experiéncias midiéticas. Isso, em certa medida, pde-nos em desacordo com grande parte do pen- samento pés-moderno que diz que o mundo que habita- mos é um mundo sedutora e exclusivamente de imagens ¢ simulacros. Nessa viséo, 0 mundo é um mundo em que as realidades empiricas sio progressivamente negadas, tanto para nés como por nds, no senso comum € na teoria. Nessa visio, vivemos nossas vidas em espagos simbélicos ¢ auto-referenciais que nos oferecem nada ma que generalidades do sucedaneo e do hiper-real, que nos proporcionam apenas a reproducao e nunca o original ¢, ao fazé-lo, negam-nos nossa subjetividade e, de fato, nossa capacidade de agir significativamente. Nessa visfo, somos desafiades com nosso fracasso coletivo a distinguir 2 realidade da fantasia e a responder pelo empobrecimento, embora forgado, de nossas capacidades imaginativas. Nessa visio, a midia se torna a medida de todas as coisas. Mas sabemos que ela ndo 0 & Sabemos, talvez a0 ‘menos em relagdo a nés mesmos, que podemos distingui € de fato distingyjmos, fantasia de realidade, que pode- mos preservat, ¢ de fato preservamos, alguma distancia critica entre nés e a midia, que nossas vulnerabilidades & influéncia ow & forga de persuasto da midia sto desigua ¢ imprevisiveis, que ha diferencas entre ver, compreender, accitar, acreditar e agir por influéncia ou converter idéias ‘em ato; sabemos que examinamos 0 que vemos ou ouvi- ‘mos com base no que conhecemos ¢ acreditamos, que de qualquer modo ignoramas ou esquecemos muita coisa, € que nossas respostas & midia, tanto em particular como cm geral, variam por individuo e segundo os grupos sociais, de acordo com sexo, idade, classe, etnia, nacionalidade, assim como ao longo do tempo, Sabemos de tudo isso, Isso & senso comum. E se nés, que estudamos @ mi tivéssemos contudo de contestar esse senso comum (e 0 fazemos, devida e continuamente), ele mio poderia ser climinkdo sem que caissemos na mesma armadilha que identificamos para os outros: nio levar a sério a expe- incia ¢ no testar nossas proprias teorias a luz da ex- perigncia, isto é nao as testar empiricamente. Nossas teorias também jamais escapardo ao’ auto-referencial. Flas tam- bbém se tornardo infinitamente, reflexivamente irreflexivas. Abordar a experiéncia da midia, assim como sua contribuigao para a experiencia, ¢ insistir que isso é um empreendimento to empirico como teérico séo coisas nals féceis de dizer do que fazer, pois, em primeiro lugar, nossa pergunta exige de nés investigar o papel da midia na formagao da experiencia ¢, vice-versa, o papel da experiéncia na formagao da midia. Em segundo, porque exige de nés entrar mais fundo no exame do que cons- titui a experiéncia e sua composicao. ‘Vamos admitir, portanto, que a experiencia &, de fato, formada, Atos e eventos, palavras ¢ imagens, impressbes, alegrias € dores, até mesmo confusdes, sé se tornam sig- nificativas na medida em que podem se inter-relacionar dentro de alguma estrutura, tanto individual como social: ‘uma estrutura que, embora tautologicamente, Ihes confere significado. A experiéncia & uma questo tanto de identi- dade como de diferenca. F to unica quanto compartilhével 26 | Por ue estudar a mia? Tenn oes [27 E fisica e psicolégica. Isso tudo & claro «, de fato, banal ¢ dbvio, Mas como a experiéncia é formada e como a midia desempenha um papel em sua formagao? A experiéncia € moldada, ordenada ¢ interrompida, E moldada por atividades e experiéncias prévias. £ orde- nada de acordo com normas e classificagées que resistem a prova do tempo e do social. i interrompida pelo ines- perado, pelo nao preparado, pelo incidente, pela catéstro- fe, por sua propria vulnerabilidade, por sua inevitavel ¢ ‘trdgica falta de coeréncia. Expressamos 2 experiéncia em ages © agimos sobre ela. Nesse sentido, ela € fisica, baseada no corpo ¢ seus sentidos. De fato, é o cariter comum da experiéncia corporal em diferentes culturas que 0s antropélogos, em particular, afirmaram scr a precondigéo de nossa habilidade de compreenso miitua, “A imaginagao deriva do corpo como também da mente", iz Kirsten Hastrup (1995, p. 83), apesar de isso ser ra- Tamente notado. 0 corpo na vida, sua encamacio, ¢ a base material para a experiéncia, Ele nos di um lugar. E © lugar, nao cartesiano, da acdo ¢, também, das habilida- des e competéncias sem as quais ficamos invalidos. Isso tem implicagdes ipiportantes para a maneira como abor- amos a midia e para a maneira como a midia se intro- duz na expetiéncia corporal, porque ela 0 faz, continua- mente, teenologicamente. A nogio de techne de Marti Heidegger captura o sentido de tecnologia como habilida. de. Nossa capacidade de nos envolver com a midia é Precondicionada por nossa capacidade de manejar a mdquina. Mas, como ja salientei, podemos pensar na midia como extensdes do compo, como préieses; dai falta pouco 26] Per que etwas mia? para perder de vista as fronteiras entre 0 humano ¢ 0 ‘téenico, entre 0 corpo € a maquina. Pense digitalmente. Ainda falaremos mais sobre midia ¢ corpos. E 0s corpos vio além do fisico. A experincia nao se Tesume nem ao senso comum, nem performance corpo- ral. Tampouco se encerra na simples reflextio sobre sua capacigade de ordenar e ser ordenada, Pois, borbulhando sob a superficie da experiéncia, perturbando a tranqhilida- de ¢ fraturando a subjetividade, esta o inconsciente. Ne- nhuma anilise da midia pode ignoré-lo, tampouco as te0- rias que 0 abordam. Passemos entio & psicandlise Sim, mas a psicandlise & um grande problema. A psicandlise € um grande problema de varias ma- neiras. Ela oferece, talvez bastante & forga, uma maneira de abordar o perturbador ¢ 0 nio-racional. Ela nos forca a encarar a fantasia, 0 misterioso, o desejo, a perversio, a obsessio: 0$ chamados problemas do cotidiano, que tanto so representados como reprimidos em textos mididticos de um tipo ou de outro e esgarcam o delicado tecido do que normalmente se considera racional e nor- mal na sociedade moderna, A psicandlise é como uma linguagem. E como cinema. E vice-versa. A passagem da teoria e da pratica clinicas critica cultural & carregada de ofuscamento e da fusdo bastante facil do particular e do geral, como também € repleta de arbitrariedade (mas- caraia como teoria) de interpretagao ¢ andlise. No entan- to, como o proprio inconsciente, a psicandlise nao ira embora. Ela oferece uma via para pensar sobre os senti- mentos: 0s medos e desesperos, as alcgrias ¢ confusdes que arranham o cotidiano e deixam nele uma cicatriz. ‘tortura da expeitacs | 29 A psicandlise € também um grande problema na medida em que perturba a ficil racionalidade de grande arte da teoria da midia contempordnca, de orientagao cognitiva ¢ propésito behaviorista, Ela questiona a redu- Go sociolégica, embora na maioria das vezes deixe de Teconhecer 0 social. Ela é, ou certamente deveria ser, uma abordagem para reforgar um senso das complexidades da midia e da cultura sem as cancelar. Se formos estudar a midia, teremos de encarar 0 papel do inconsciente na constituigao, como também no questionamento, da expe~ rigncia. Do mesmo modo, se formos responder pergunta sobre por que estudar a midia, parte de nossa resposta sera porque 0 inconsciente oferece uma via, se no uma via privilegiada, para dentro dos territérios ocultos da mente ¢ do significado, A experiéncia, tanto a mediada como a da midia, surge na interface do corpo e da psique. Ela, claro, se exprime no social ¢ nos discursos, na fala e nas histérias da vida cotidiana, em que o social esta sendo constante- mente reproduzido, Para citar Hastrup mais uma vez: "Nao esti sempre ancorada numa coletivi- dade, mas a verdadeira agdo humana é também inconce- bivel fora da con¥ersacdo continua de uma comunidade, de onde surgem as distingdes e avaliagées de fundo neces- sirias para fazer escolhas de agées” (1995, p. 84). Nossas histérias, nossas conversas esto presentes tanto nas narrativas formais da midia, na reportagem factual e na representagdo ficcional como em nossos contos do dia-a-dia: a fofoca, os boatos e interagées casuals em que encontramos maneiras de nos fixar no espago ¢ no 30 | For que etude 9 maa? tempo, e sobretudo de nos fixar em nossas inter-relagd conectando ¢ separando, compartilhando © negando, in- dividual ¢ coletivamente, na amizade e na inimizade, na paz ¢ na guerra. Ja se opinou (Silverstone, 1981) que tanto a estrutura como o contetido das narrativas da midia e das narrativas de nossos discursos cotidianos sao inter- dependentes, que, juntos, eles nos permitem moldar e avaliar'a experiéncia. 0 piiblico ¢ 0 privado se entrela- cam, narrativamente. Deve ser este 0 caso. Na novela e no talk show, os significados privados sio propagados publicamente e os publicos so oferecidos para consumo privado. As vidas privadas de figuras publicas tomam-se a matéria da novela diéria; os atores que representam personagens de novela tornam-se figuras publicas solici- tadas a construir uma vida privada para consumo pibli- co. Caras! Contigo! © que se passa aqui? No cere dos discursos sociais que se incrustam em tomo da experiéncia e a encarnam, € para os quais nossa midia se tornou indispensivel, esto ‘um processo ¢ uma pratica de classificagdo: a realizagao de distingdes e juizos. A classificacio, portanto, nio é apenas uma questo intelectual, nem mesmo apenas pré- tica, mas é, nos termos de Berlin, uma questio estética ética. Nossas vidas sio administriveis na medida em que existe um minimo de ordem, suficiente para fornecer 0 tipo de seguridades que nos permitem atravessar o dia. No entanto, essa ordem que somos capazes de obter n’io éneutra nem em suas condigées nem em suas conseqiién- cias, ois nossa ordem exerce forte efeito sobre a ordem dos outros e dependerd da ordem, ou até mesmo da de- tetra @3 eeincls [31 sordem, dos outros. Aqui também nos confrontamos com uma estética ¢ uma ética — uma politica essencialmente = da vida cotidiana, para as quais a midia nos fornece, fm importante grau, tanto os instrumentos como os pro- blemas: os conceitos, categorias ¢ tecnologias para cons- truir ¢ defender distincias; para construire manter cone- xbes. Esses instrumentos esto talvez em mais evidéncia € séo portanto mais controversos quando uma nagio esti (ow se sente em guerra. Mas nao deixemas essa visibilida- de momentinea nos ofuscar o trabalho didrio em que nds, individual ¢ coletivamente, e nossa midia estamos constante € intensamente envolvidos, minuto a minuto, hora a hora, Por conseguinte, na medida em que a midia é, como argumentei, essencial a esse processo de fazer distingdes ¢ juizos; na medida em que ela, precisamente, medela a dialética entre a classificagao que forma a experiéncia a experiéncia que da colorido a classificagao, precisamos investigar as conseqiléncias de tal mediacdo. Temas de estudar a midia 32 | Fer que estar a mia? - a Cm ee 2 Mediacao Comecei a dizer que devemos pensar na midia como uum processo, um processo de mediagao. Para tanto, € necessério perceber que a midja se estende para além do ponto de contato entre os textos mididticos ¢ seus leitores ‘ou/espectadores, E necessario considerar que ela envolve ‘05 produtores e consumidores de midia numa atividade ‘mais ou menos continua de engajamento ¢ desengajamento com significados que tém sua fonte ou seu foco nos textos mediados, mas que dilatam a experiéncia ¢ sio avaliados & sua luz numa infinidade de maneiras. A mediagio implica 0 movimento de significado de um'texto para outro, de um discurso para outro, de um evento para outro. Implica a constante transformacao de significados, em grande © pequena escala, importante desimportante, medida que textos da midia e textos sobre'a midia circulam em forma escrita, oral e audiovi- sual, e & medida que nés, individual ¢ coletivamente, direta e indiretamente, colaboramos para sua producto. ‘A circulagio de significado, que & a mediagao, é mais do qué um fluxo em dois estagios — do programa trans- mitido via lideres de opinido para as pessoas na rua —, Medagio [33

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