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VEST my Ce aspectos BUTT ME DRS Cet THES THE TT) anotacoes de viagem aos Estados Unidos em 1927 OEM TE Scanned with CamScanner 9° a Ae a0 ot BP Copyright © 2006 by Anna Christina Teixeira Monteiro de Batros Ficha Catalogréfica elaborada pela Divisio de Processamento Técnico - SIBI/UFR) ‘Teixeira, Anisio Spinola, 1900-1971. T266e _Aspectos americanos de educagio ; Anotagbes de viagem aot Estados Unidos em 1927 / Anisio Spinola Teixeira; 1900-1971 : organizacio Clarice Nunes. ~ Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006. (Col. Anis Teixeira ; v. 1) 220 pis 14 x 21 cm, 1, Educagio — Estados Unidos. 2. Viagens - Estados Unidos, vi 3 | 1 Nunes, Clarice (org.). II. Titulo, III. Titulo: Anotag6es de © oe viagem aos Estados Unidos em 1927. IV. Série. & S| CDD 370.973 2 eS S & G 5pn85-7108-285-5 Oe ews! u G-oay ese forcxo ve Texto =a fsa Stuart 3 —— tevisio pe Texto ==s 0 Sette Camara 2 fsette Babo ey & t 7% SS — jrovero Granico ieB- SS — dito UFR) mE TS wise g 85 Mage? FB Ro farts Borromcto Euernowice farsa Araujo TLUSTRACAO DA CAPA: Manuscrto do arquivo Aniso Teixeira, CPDOCIFGY. Universidade Federal do Rio de Janeiro Fundasio Anisio Teixeira Forum de Cigncia ¢ Cultura Rua do Tesouro, 5 sala 411 Editora UFRJ Edificio Santa Cruz ‘Av, Pasteur, 250 / sala 107 Centro Praia Vermelha 4020-056 Salvador - BA 22.290-902 Rio de Janciro - RJ ‘Teli: (021) 2295-1595 1. 124 a 127 “Tel./Fax: (021) 2542-7646 | 2295-0346 hup:/iwwweditora.ufi.be Apoio: pe T Funds Universita ( José Bonifacio Scanned with CamScanner NOTA SOBRE A COLECAO ‘APRESENTAGAO: A DESCOBERTA DA AMERICA José Goncalves Gondra ‘Ana Chrystina Venancio Mignot ASPECTOS AMERICANOS DE EDUCAGAO PRIMEIRA PARTE — FUNDAMENTOS DE EDUCAGAO 1, Sentido atual de educacio 2. Educagao e democracia 3. Do método em educagio 4, A reconstrugio do currfculo escolar SEGUNDA PARTE — ASPECTOS AMERICANOS DE EDUCAGAO O sistema escolar de uma pequena cidade Um sistema escolar rural em Maryland A Escola Normal de Towson, Maryland O 6tgao federal de educagéo na América Scanned with CamScanner Sumdrio 25 27 31 49 55 69 79 83 91 99 ll ‘A Associagio Nacional de Educagio ls Instituto de Hampton 123 © Departamento Estadual de Educagio em Richmond 139 © Colégio Normal de Farmville 143 O sistema escolar de uma grande cidade: Cleveland 163 A escola platoon 177 Um colégio de agricultura no estado de Nova York 189 ANOTAGOES DE VIAGEM AOS EsTaDos UNIDOs EM 1927 199 Scanned with CamScanner A descoberta da América José Gongalves Gondra’ ‘Ana Chrystina Venancio Mignot” Sera preciso ir 4 América, conviver com seu povo, freqiientar as suas universidades, para se descer um pouco mais ao fundo dessa civilizagio e lobrigar © espfrito que a anima. (Teixeira, 1934) Dois documentos atestam o lugar atribuido por Anisio Teixeira a experiéncia norte-americana como modelo civilizatério e padréo educativo. Neles - embora este tema comparega em muitos outros de seus textos! —, deixa registrado expectativas ¢ impresses do que esperava e do que péde presenciar em sua passagem por uma parte dos Estados Unidos no final dos anos 1920. O modo como descreve a propria experiéncia funciona como um testemunho forte do im- pacto da mesma em sua trajetéria, a ponto de reconhecer a supre- macia do Novo Mundo em relagio ao velho continente europeu, tomando por base a dimenséo material e 0 progresso por ele evi- denciado. Além disso, para ele, é 0 esforco voltado para a formacéo do homem novo que é posto em relevo maior, atribuindo a tal in- vestimento os resultados que se vinham alcangando no campo da tecnologia. Ao trabalhar nestes termos, promove um deslocamento, pois institui como ponto central a formagao ou a educagao humana, da qual o progresso é representado como conseqiiéncia ou efeito. * Professor adjunto na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uer}). ** Professora adjunta na Uerj ¢ pesquisadora do Conselho Nacional de Desen- volvimento Cientifico e Tecnolégico (CNPq). Scanned with CamScanner 10 — Aspectos americanos de educagao Essas duas narrativas anisianas foram produzidas em momentos especiais de sua trajetdria. A primeira consiste no didrio de sua viagem inaugural aos Estados Unidos, realizada em 1927, ¢ pertence a tum género espectfico, caracteriz4vel por um conjunto de notas, produzidas ao longo’ dos treze dias em que esteve a bordo do navio Pan America, cujos apontamentos procuram descrever © que se encontrava em jogo nesta nova experiéncia. Sio uma forma de capturar 0 instanténeo, de documentar suas duividas, expectativas e também o que percebeu ¢ sentiu com este deslocamento, esta espécie de “desenraizamento”. Escrito durante a travessia, este didrio é um dos muitos docu- mentos inéditos preservados no arquivo do educador sob a guarda do Centro de Pesquisa ¢ Documentagéo de Histéria Contempo- ranea do Brasil (CPDOC), da Fundagéo Getilio Vargas (FGV), que testemunham dimens6es de sua vida pessoal profissional ainda pouco exploradas: cartas de familiares, amigos, intelectuais politicos, Fotografias, agendas, entre outros.? Expressa inquietagSes frente ao desconhecido, 20 que estava por vit. O didtio foi produzido durante a segunda viagem de estudos que empreendia enquanto esteve no exercicio do cargo de Inspetor Geral do Ensino da Bahia, de 1924 a 1929, quando promoveu uma reforma da instrugao publica naquele estado, Em 1925, esteve no velho continente visitando escolas da Franca e Bélgica.? A escolha do novo destino, dois anos depois, refletia uma inflexdo em seu modo de compreender as questées educacionais: “os moldes do meu pensamento nesse assunto, se se moldaram na Europa, se aprox mam hoje, vivamente, dos americanos” Retornaria ainda aos Esta- dos Unidos em mais algumas ocasides: em 1928, quando obteve bolsa de estudos para estudar no Teachers College da Universidade de Nova York e, em 1964, quando regressou na condigio de pro- fessor visitante para lecionar na Universidade de Colimbia e na Universidade da California. Confessando-se incapaz. de entregat-se aos abandonos de uma viagem, pois 0 “desenraizamento penoso de nossos costumes, nossos amigos € nossas coisas — de nossa terra — ¢ 0 cultivo novo em terra Scanned with CamScanner Apresentagao —~ AL alheia é para mim sempre uma gindstica custosa de espirito”, a América se delineava para Anisio como um refiigio capaz de re- tomar 0 “antigo ardor” e 0 “espirito de entusiasmo”. Inicia esta escrita fragmentéria admitindo, também, a importancia que tal decisio teria em sua vida naquele momento. Precisava renovar a sua “sede de estudo ¢ de conhecimento”,’ reencontrar-se consigo mesmo. Como tantos outros didrios de viagem, este contém impresses elaboradas ao sabor do vivido. Na medida em que o navio se afastava das terras cariocas, ele se dava conta de que sua decisio de viajar era movida por uma “curiosidade apreensiva ¢ febril”.6 Nem bem havia perdido de vista o Rio de Janeiro, jé sentia uma forte nostalgia. Distanciar-se dos amigos ¢ do sertéo era doloroso. Distrafa-se observando viajantes, perscrutando semblantes, conjeturando sobre os americanos, que emergem nas anotagées como um “grande povo, que vive a vida com a precisio ¢ a dignidade de uma maquina”? Na solidao da escrita, estabelecia um pacto silencioso consigo mesmo: o afastamento nao poderia significar distanciamento de sua terra, de seus problemas, de sua gente, deixando entrever, assim, que pre- tendia com este deslocamento fisico observar, confrontar, propor. O didtio de bordo é, portanto, uma escrita de intimidade, produzida por um dirigente do aparelho estatal, em busca de um referente do qual pudesse extrair fundamentos para sua aco como homiem no exercicio de uma funcéo publica. Durante a travessia e as voltas com a leitura de My Life and Work, de Henry Ford — “uma preparagdo para visitar o pais americano”* -, registra suas expectativas sobre aquela sociedade: “uma democracia descen- tralizada” que “encerra uma possibilidade de igualdade”, enquanto a democracia brasileira “tem sido o regime das inversdes de valo- res”? Anuncia assim, nas péginas manuscritas, 0 tema que mobi- lizaria grande parte de sua reflexio e agi educacional: “participar do projeto de construgao politica de uma sociedade democratica”."” Anisio admitia que partia com “espftito de estudante. Renovo as minhas disposigées de curiosidade, de entusiasmo pelo novo € Scanned with CamScanner 12 — Aspectos americanos de educagdo pelo inédito. Nao prevejo qual seja o meu depoimento sobre o povo que hoje € objeto de tanta curiosidade e fonte de tantas ligdes”."" As impress6es nele provocadas, no entanto, podem ser examinadas nas cartas trocadas com Monteiro Lobato - com quem estabeleceria durante a sua permanéncia naquele pafs uma sélida e duradoura amizade alimentada ao longo dos anos pela escrita epistolar -, cujas paginas demonstram seu profundo fascinio pelo Novo Mundo. Em uma delas, escrita muitos anos depois da pri- meira viagem & América, destacou 0 encontro decisive que ela proporcionou e que marcaria sua trajetéria profissional, 0 encontro com a obra de John Dewey, que influenciaria fortemente sua produgio bibliogréfica, as posig6es e proposicées que viria a defen- der no debate educacional. Ao comentar uma descoberta do amigo, 0 livro espitita A grande sintese, observou: © meu receio de néo acompanhé-lo na descoberta esté em ji ser eu um descobridor. Também eu sou, ou fui, o homem de um 86 livro, Vocé nunca desejou enfrentar 0 Dewey, os seis ou oito volumes de John Dewey. Se enfrentasse, escreveria uma grande sintese sem o espitito-santismo de orelha do Ubaldi e com toda a riqueza e maravilha e perspectivas que acaso nos possa dar esse livro. [...] mas a sua carta trouxe-me 0 desejo de voltar a0 meu Dewey. E se puder voltar, isto é, se tiver forgas de refazer a via- gem, hei de lhe escrever sobre essa “residéncia da casa do meu pai”, (...] Aliés, com Dewey nio é bem uma morada, mas uma “‘plataforma de langamento” de onde a gente parte para todas as diregdes do quadrante do futuro. “Lapidado pela América”,!? como diretor da Instrugao Publica do Distrito Federal, entre 1931 1935, Anisio enviou uma missio de professores para visitar 0 sistema educacional americano. Des- te modo, procurou proporcionar a Carneiro Ledo, Delgado de Carvalho e Lourengo Filho experiéncia semelhante & sua, visando sedimentar a perspectiva que orientava a reforma educacional em curso, Em cartas escritas entre 30 de janeiro e de 18 de fevereiro de 1935, Lourenco Filho, entéo diretor do Instituto de Educagio, relata as atividades realizadas durante a viagem. O cotejo entre 0 que observava ~ em aulas, conversas técnicas, visitas a escolas, Scanned with CamScanner Apresentagio — 13 universidades, livrarias e muscus ~ ¢ 0 trabalho em desenvolvimento no Rio de Janeiro permitiu um juizo favorivel: “De tudo, por ora, a nao ser em pequenos detalhes, a conclusio é que o trabalho que af vamos fazendo, sob a sua direcéo, é um trabalho em que se Pe pode ter confianga’, Em Aspectos americanos de educagao, Anisio traz a puiblico, em 1928, suas impresses de viajante. Trata-se do relatério de viagem'* organizado em duas partes, sendo a primeira repartida em quatro capitulos'® nos quais promove uma reflexdo mais geral sobre aspec- tos considerados fundamentais na organizacio de um projeto edu- cativo. Na segunda parte, ao leitor sio oferecidos elementos para que possa acompanhar as visitas que empreendeu durante vinte dias a alguns estados ¢ 0 que destaca da experiéncia educativa em curso em cada um deles. E a rentativa de, a0 prestar contas da via- gem oficial, refazer o roteiro'” e criar condigdes para partilhar as sensagées que tal empreendimento provocara. O relatério pode ser compreendido como um documento cujo exercicio de escrita esté associado a um género narrativo,"® que possibilita descrever e dar visibilidade a um determinado con- junto de informag6es. Funciona como registro intenso, uma forma de acumulagio documentéria que capta ¢ fixa instituigdes e indi- viduos, sendo a escrita uma pega essencial nesta modalidade de enunciagio. O relatério representa o levantamento de um campo de conhecimento, articulado a um certo tipo de formagio de saber, a uma certa forma de exercicio do poder, permitindo instaurar um discurso especifico. No caso do relatério anisiano, um saber acerca da teoria poli- tica e pedagégica, educacao escolar ¢ profissio docente, se vé refor- gado pela institui¢io que o recebe e credencia sua excursio, pela posicdo do redator e carter oficial de sua escrita. Trata-se, portanto, de um registro submetido a esta disciplina. Escrita disciplinada nestes termos, ela se encontra relacionada & acumulagio dos docu- mentos, sua seriagao, & organizagio de campos comparativos que permitem classificar, formar categorias, estabelecer médias, fixar normas, construir uma determinada inteligibilidade e organizar a Scanned with CamScanner 14 — Aspectos americanos de educacio propria recepgao. Sobre instituigdes e agentes que sao observados € registrados neste tipo de documento, se exerce uma representacio que, ao descrevé-los e objetivé-los, termina por expé-los a um cer- to campo de visibilidade. A partir do que foi tornado visfvel que as instancias de governo vao pensar politicas em torno da pedagogia, da forma escolar de educacao, gestéo, financiamento e da profissio docente, dentre outros aspectos. Assim, o relator ocupa a posicao daquele que observa, examina uma realidade, seleciona o que vale edeve ser registrado, fixado, tornado visivel. E 0 sujeito que, creden- ciado pela instituigao que o recebe, por seu testemunho pessoal e pela posicao ocupada, passa determinadas credenciais, autorizando ¢ legitimando aproximagées com 0 modelo norte-americano. Nesta linha de raciocinio, a primeira frase do relatério € muito significativa.”” Mais ainda o primeiro substantivo da mesma: John Dewey.” Nome proprio que representa um universo intelectual, uma assinatura, uma marca, um ponto de vista, uma forma de reflexio & qual Anisio presta homenagem, assumindo sua adesio disposicao em ampliar 0 auditério social deste autor. Para o inte- lectual baiano, o norte-americano era a expressio do filésofo que mais agudamente tracara as teorias fundamentais da educagio, nao cabendo a nenhum outro um “lugar tao saliente na sistematizagao da teoria moderna de educaco” (1928, p. 1). Difundida esta re- presentacio, o brasileiro se disp6e, entdo, a fazer um breve resumo das idéias do filésofo americano, fixando o atual sentido da edu- cacio, pois esta lhe pareceu ser a estratégia mais “favordvel” para “despertar um interesse concreto pela revisio de nossas prdprias concepgées” (ibid.). Nestes termos, a primeira parte é constitu(da em uma simula das teses de Dewey a respeito da educagio que tocara 0 mestre baiano. De forma sumétia, as teses configuravam um projeto desen- volvido em torno de um duplo ramal; o da escola — representada como agéncia especial e mais importante da nova civilizagio, im- prescindivel substituto e atual complemento da educagao — e o da formacao dos professores, descritos como especialistas responsaveis por tornar possfvel a educagio da infincia. Scanned with CamScanner Apresentagto ~ 15 No entanto, para assegurar o self government, a escola deveria oferecer um ambiente social simplificado, purificado e equilibrado, condigao para “cooperar para um progressivo equilibrio e harmonia sociais” (idem, p. 5). A “breve andlise” realizada por Antsio implica também em contrastar a teoria de seu mestre com a de outros teéricos da educagéo moderna. Nesta direcio, sio as contribuigées de Froebel, Hegel ¢ Herbart que séo debatidas, como forma de fazer aparecer diferencas entre elas ¢ as vantagens das formulagdes de Dewey. A principal diferenca, largamente retomada no resumo anisiano, é a de que a educagio nao pode ser concebida como um preparo para a vida, jd que é a prépria vida. Educar consiste em um processo permanente por meio do qual reconstrufmos a nossa experiéncia e nos ajustamos perpetuamente ao meio mével e dinamico da vida humana. Para ele, a tinica constancia da vida moderna consiste em seu constante movimento. Ao estabelecer uma reflexio a respeito das relagbes entre edu- cagéo e democracia, articula os fundamentos do modelo educativo proposto a uma certa concepgéo de democracia, em que faz aparecer preocupagées com os pontos de participacio e interesse comum dos diversos segmentos sociais, assim como as possibilidades de intercambio cada vez mais livre entre os mesmos, em virtude das rnovas situagdes produzidas. Tal concepgio de democracia afirma a singularidade e relevo atribufdos & agéncia escolar, na medida em que sé uma otganizagao educativa verdadeiramente eficiente po- deria amparar ¢ manter esse ambicioso projeto de vida social que a democracia americana estava realizando, De acordo com o relato de Teixeira, a vida social de plena e larga participagao, sem barreiras ¢ limitagées, vivendo uma perfeita confianca no homem comum, 6 nao resultaria em desastre se a educagéo realmente viesse a apa- relhar todo 0 cidadéo americano para essa forma livre e superior de vida de grupo. Era isto que ele testemunhava quando afirma que a sociedade americana sé nao degenerava em confusio porque a educagio procurava prover iniciativa pessoal e adaptabilidade social, de sorte a criar um novo equilfbrio social, 0 que se cons- Scanned with CamScanner 16 — Aspectos americanos de educagdo titufa em surpresa e maravilha de todo observador do mundo americano. Compreendido nestes termos, 0 projeto educativo estaria comprometido nao apenas com a conservagio da sociedade, mas com 0 seu desenvolvimento ¢ progresso, tendo como desafio vencer barreiras econémicas ¢ conciliar a dimensio nacional com fina- lidades mais vastas ¢ mais universais. No exame da relagio entre educagio e sociedade, marcando um debate no campo da teoria politica, aqui também se verifica 0 recurso a0 contraste com teéricos clissicos para fazer aparecer a diferenga do projeto do filésofo norte-americano. Neste caso, a escolha incide sobre Rousseau. Na descrigio, 0 equivoco teérico do pensador suigo estaria no fato de o mesmo considerar a existéncia de um desenvolvimento espontineo ¢ natural de nossas tendéncias, 6 que se afasta da tese da educacéo como uma agio humana arti- culada a certas concepgées da vida e da sociedade. Definida a educagio, examinada suas relages com um projeto de sociedade democritica, caberia saber como esse projeto poderia ser executado, a partir de que meios, com base em que recurso, se- gundo quais procedimentos. Para tanto, como nos aspectos ante- riores, Anisio afirma acompanhar literalmente a argumentagio do mestre americano. Ela, por sua vez, se encontra focada na teoria do interest, posto que esta auxiliaria 0 professor a descobrir as dife- rengas individuais, levando-o a uma concepgio da mente e de seu . Partindo desses pressupostos, esta teoria para se processar exigia atividade/expe- treino inteiramente distinta da concepsio escolé: rigncia, como condigao para fazer disparar 0 proceso de pensar que, segundo Dewey, supunha perplexidade ou dtivida, antecipa- Gio conjetural, andlise dos elementos adquiridos e conseqiiente claboragio de hipdtese explicativa, prova ou teste..Assim, delineia um método do pensar, um caminho para conhecer e desenvolver a inteligéncia humana. De modo sintético, na teoria de educagao americana, pensar consiste no método do ensino inteligente, se- gundo o qual as criangas deveriam ser postas em contato com uma real situagao de experiéncia, cujo desenvolvimento exigisse pensar, refletir, raciocinar e, por esse método, adquirir conhecimento: “os Scanned with CamScanner Apresentasao — 17 métodos eficientes em educagao sio aqueles que dao alguma coisa a fazer, e, como fazer demanda reflexdo ¢ observagio, o resultado é alguma coisa aprendida” (idem, p. 24). Feito 0 resumo relativo ao conceito de educasao, democracia e método, Teixeira encerra o wltimo acenando para os problemas da separagao entre método e matéria. Para ele, este pensamento dual nao era procedente e cabia pensar a escola e os saberes por ela difundidos. Contudo, pensar tal aspecto nao deveria vir separado do debate a respeito da formacéo dos professores e do aparelha- mento material da escola, necessdrio para uma agéncia organizada em virtude da teoria do interesse/da atividade. No entanto, re- conhecia que o debate de seu presente se encontrava insistente- mente objetivado em torno do problema da reorganizacao curri- cular, descrito como o problema central do movimento de reforma escolar. Aqui é importante assinalar o empenho em ajustar o curriculo da escola ao espetdculo americano, aquela “vertigem” e “meio febril da vida”. Para tanto, autores como Harold Rugg, William James, Thorndike, Woodworth, ao lado do proprio Dewey, sao lembrados para demonstrar a preocupagdo com o tema do curriculo. Ao mes- mo tempo, a ago da Junta Nacional de Educacio atesta igualmente © grau de mobilizacéo dos intelectuais norte-americanos com este aspecto, configurando, assim, o “teatro de um extenso movimento revisionista” encenado na América nas trés décadas iniciais do sé- culo XX. Movimento que produziu efeitos em varios campos, nos métodos de pesquisa, em iniciativas pontuais em campos disci- plinares espectficos. A “vertigem” da sociedade americana sofria, deste modo, uma espécie de espelhamento no campo intelectual e no dominio da organizacZo dos saberes escolares. Nesta esfera, tendéncias se organizam, tensOes se estabelecem e estratégias va- riadas so experimentadas. Neste setor, 0 movimento também é verificado, sem que se soubesse exatamente onde o mesmo iria dar, pois, afinal, este é um atributo da experiéncia americana. Ainda que nao se soubesse plenamente as conseqiiéncias das examiné-las em sua emergéncia ¢ agées humanas, era necesséi Scanned with CamScanner 18 — Aspectos americanos de educagao em sua execugio ordindria. Tratava-se de proceder ao exame da experiéncia em curso, apoiado na observacdo, hipéteses ¢ testes, de modo a poder interferir no curso dos acontecimentos com base neste método de trabalho, A experiéncia anisiana na América fun- ciona como um testemunho pessoal desta politica de formacao. Orientado pela Universidade de Coltimbia, seu programa de trabalho nos Estados Unidos compée uma unidade em que a di- mensao tedrica € complementada pela excursao realizada, ou seja, por uma experiéncia afastada da das ligées clissicas, da escoldstica, das aulas-conferéncia, Neste sentido, a excursdo integra um pro- grtama de formacio do mestre baiano, combinando reflexées ted- ricas com 0 que pode ver em funcionamento em parte do apa- relho escolar norte-americano, selecionado a partir de Coltimbia. O roteiro contempla experiéncias em escalas variadas, per- correndo pequenos e grandes centros. No entanto, se a escala dos espacos era distinta, era possivel reconhecer um trago comum em ambos. Anisio assegurava que as pequenas cidades mantinham 0 mesmo ritmo acelerado e progressivo da vida das grandes cidades. Como as grandes cidades, as pequenas viviam agitadas e impul- sionadas pela m4quina e ambicio. O diagnéstico anisiano vem acompanhado da perplexidade do mesmo com 0 que vira, que, posto em contraste com 0 que conhecia na Europa ou mesmo no Brasil, explica o fasctnio exercido pela experiéncia norte-americana: “Nao pude me furtar a dizer- the logo de minha fascinagao pelos campos ¢ edificios da escola e dessa constante surpresa do estrangeiro pobre diante do aspecto perfeitamente novo, nitido e magnificente das coisas americanas” (idem, p. 45). A novidade, nitides e grandeza se desdobram em aspectos que vao sendo duplicados na narrativa anisiana, indicando que 0 mesmo parece estar guiado por um roteiro de outra ordem, o qual estabelece 0 que deve ser visto. Assim, os registros relativos & loca- lizagao dos edificios escolares, ressaltando aspectos como o da venti- lacéo, luminosidade e tranqiiilidade comparecem nas descrigdes das diferentes instituig6es que visita. Do mesmo modo, o impacto Scanned with CamScanner Apresentagio ~ 19 da arquitetura escolar, associado a0 mobiliétio e funcionamento das escolas, 0 leva a reafirmar a supremacia norte-americana em re- lagéo a Europa: “Nenhum deles, mesmo os melhores (da Europal, apresenta os aspectos materiais prdsperos e modernos dos colégios americanos” (ibid.). Ao lado dos aspectos materiais, a novidade, nitidez e grandeza também se faziam evidentes no modelo de gestéo, nas politicas de financiamento, na estrutura administrativa e nas formas escolares existentes. Aqui destacam-se dois: o primeiro se refere as chamadas “escolas consolidadas”, sintese do esforgo local em que vatios distritos se reuniam para abrir e mantet uma tinica escola completa, com cursos elementar ¢ secundério ¢ uma plena congregacio de pro- fessores. Outra forma escolar destacada ¢ 0 sistema platoon. Neste modelo, a novidade da “engenhosidade americana” remete ao fun- cionamento interno da escola elementar, criando condigées para um novo uso dos espacos escolares, substituindo a “velha con- vencional escola de um professor € uma sala” (considerado o tipo mais primitivo) “por uma escola com salas de aulas para as matérias comuns ¢ para varias disciplinas especiais que exigem aparelhamen- to especial”. Com isso, 0 sistema platoon preenchia os sete pontos cardeais da escola americana: 0 ensino dos saberes fundamentais, sdbio uso das horas de lazer, satide, socializagao das atividades es- colates, desenvolvimento de atividades vocacionais, ensino de cién- cias ¢ de atividades especiais. O aspecto racial ¢ outro ponto que merece aten¢io na narrativa anisiana. Embora registre a existéncia de segregacao racial no sis- tema escolar, este elemento néo é discutido pelo dirigente baiano. Apenas atesta sua existéncia procura justificd-la a luz da histéria norte-americana, sobretudo com os efeitos da guerra de secesséo, com 0s escravos libertos ¢ 0 desafio de reconstrucio do pafs. Neste caso, 0 debate relativo & democracia e a igualdade nio aparece como problema. Ao contrario, a escola segregada aparece como solugao para este problema e para a insergao da “classe dos negros” A sociedade pelo trabalho, O destaque atribuido ao complexo do Scanned with CamScanner 20 — Aspectos americanos de educasao Instituto de Hampton, na Virginia, se constitui em bom exemplo do tratamento dispensado pela América ao problema dos “homens de cor”, cuja solugao envolve o preparo profissional (inclusive para © magistério), mobilizando igualmente aspectos religiosos/missio- ndrios. Um outro aspecto procura demonstrar que a evolugao da socie- dade norte-americana corria em paralelo com a evolugao da escola elementar, evidenciado pelo programa da mesma, que crescera ¢ se tornara mais complexo, como se pode ver no seguinte quadro. No entanto, a evolugdo nao se dava apenas no plano quantita- tivo, pois os métodos deixaram de ser uma simples memorizaco de livros escolares, baseando-se em uma completa ciéncia, apoiada no estudo da psicologia e no estudo da crianga. Com isso, 0 centro de gravidade passou da matéria a ensinar para a crianga a ser ensi- nada, 0 que trouxe novas responsabilidades para o professor, como afirma o relator. Um outro aspecto que assume relevo na narrativa anisiana diz respeito a formagio dos professores. No roteiro de sua excursio, as escolas normais aparecem mais de uma vez, merecendo um tratamento privilegiado, Um bom exemplo consiste em sua visita ao Colégio Normal de Farmville, ocupando trés dias de sua viagem pedagégica. Representada com a mais afamada das escolas normais da Virginia, sua visita havia sido especialmente recomendada pela Universidade de Colimbia, como registrado pelo préprio Anisio. Dela ganham destaque os cursos e programas e a grade curricu- lar é apresentada em detalhes. A escola normal de Towson, em Maryland, é outra experiéncia observada com interesse, ressaltando- se 0 recrutamento dos alunos, compreendido como parte da polf- tica de formagdo, posto que também na América nao era o aluno mais inteligente que procurava ser professor primario. Daf a preo- cupagéo com a selecao dos mesmos para a escola normal e a equi- paragao dos professores das escolas elementares com os professores do secundério, inclusive nos saldrios. Deste modo, se estava pro- curando tornar o professor primdrio um fator intelectual de pri- meira classe. Scanned with CamScanner Apresentagto ~ 21 Quadro 1- Evolugéo da escola elementar norte-americana. Antes de 1860 1860-1890 Depois de 1890 Ter, Eserever, Ter, Escrever, Ter, Escrever, Aritmética, Ortografia | Aritmética, Ortografia | Aritmética, Ortografia ¢ Linguagem Linguagem ¢ Linguagem Literatura, Geografia | Histéria, Educagio Civica Histéria, Educagio Civica | Histéria Natural, Histéria Natural, Fisiologia ¢ Higiene Fisiologia e Higiene Misica, Arte, Drama, Satide e Jogos, Artes Manuais, Artes Domeésticas ¢ Jardinagem ‘A duracéo da viagem e 0 modo como a mesma é final mente desctita se constitui em sinal do relevo atribuido pelo diretor baiano a determinados aspectos da educagio norte-americana. Assim, 0 volume dedicado a cada parte, associado aos temas por ele privile- giado na excurséo de estudos dao a ver os aspectos que “atordoaram” 0 dirigente baiano e que vao estar presentes a0 longo das aces que promove enquanto militante e dirigente da causa educacional na Bahia e no Brasil O didtio e 0 relatbrio de viagem de Anisio, reunidos nesta edigio, constituem-se em um convite 20 leitor para compreender como a América por ele descoberta, em 1927, marcou profunda- mente a alma do homem baiano, colaborando decisivamente para seu novo enraizamento. Notas " Extensa producio intelectual e administrativa de Anisio Teixeira, bem como estudos sobre ele, pode ser localizada no portal www.prossiga.br/anisioteixeira, ” Ver andlise do arquivo de Anisio Teixeira no CPDOC, em Heyman, 2003, p. 99-110. Scanned with CamScanner 22 — Aupectos americanos de educacdo > Sobre as viagens de Anisio Teixeira, consultar Nunes, 2002, p. 71-80; € Nunes (no prelo). “Teixeira, Anisio. Anotagées de viagem aos Estados Unidos, Navio Pan America, 1927, 19 maio 1927. (Manuscrito). In: CPDOC/FGV. ATpi 27.04.27, rolo 3; disponivel também em: www.prossiga.br/anisioteixeira. * Idem, 27 abr. 1927, “Idem, 1° maio 1927, Idem, 30 abr. 1927. Idem, 3 maio 1927. * Idem, 1° maio 1927. * Nunes (no prelo). " Teixeira, Anisio. Anotagies de viagem aos Estados Unidos. Navio Pan America, 1927, cit, 27 abr. 1927. ” Carta de An{sio Teixeira para Monteiro Lobato, em 26 de agosto de 1944, transcrita em Vianna, 1986, p. 94. * CE. expressio utilizada em carta de Monteiro Lobato para Fernando de Azevedo, por ocasiéo do retorno de Anisio Teixeira a0 Brasil, citada em Venancio Filho, 1986, p. 8. * Carta de Lourengo Filho para Anisio Teixeira, escrita em Washington, em 18 de fevereiro de 1935. Arquivo Anisio Teixeira, CPDOC/FGV: ATe 1929.11.01. Consultar também Simonini, 2004. "° Os viajantes e seus relatérios tém sido objeto de estudos variados. A esse res- peito, ver Leite, 1997a; 1997b. No campo da educagio, ver a coletinea orga- nizada por Mignot e Gondra (no prelo). "6 T. Sentido atual da educagio; II- Educagio e democracia; III- Do método em educagios e IV- A reconstrugio do curriculo escolar. ” Esta é a seqtiéncia de estados/cidades visitadas por Anisio na viagem de 1927: 2 out. ~ Nova Jersey ~ Flemington; 4 out. - Maryland — Baltimore Towson; 7 out. - Washington; 9 out. ~ Virginia/Richmond/Farmville; 18 out. — Cleveland; 22 out. ~ Nova York/Ithaca. "* Aqui entendido em aproximacéo com a posigéo de Pécora (2001), que ad- mite set um género literério uma tradigéo formal particular, cujas formas no vazam contetidos externos a elas, mas determinagées convencionais e histéricas constitutivas dos sentidos verossimeis de cada texto estudado. "° Fartamente retomado ao longo da primeira parte, 0 inicio do capitulo IV éemblemético do lugar reservado & Dewey na narrativa anisiana: “O movimento Scanned with CamScanner Apresentagdo ~ 23 ‘educativo contemporaneo ganhou na América seu definitivo impulso ¢ sentido com a publicagio do trabalho de John Dewey The Educational Situation, em 1902. Dessa data em diante, ao lado da atividade dos escritores que buscam fixat as linhas diretrizes de uma teoria de educagio moderna e cientifica, ati vidade cujalideranga cabe aquele autor, houve, paralela, uma nao menos esfor- ada atividade de ajustar a escola aos novos princfpios ¢ aos novos métodos que a nascente ciéncia da educagio prescrevia”. * A respeito da participagao de Teixeira na difusio de Dewey no Brasil, ver as tradugées por cle feitas (Dewey, 1970; 1979). Cf. também Cunha, 2001. Referéncias bibliogréficas CCuntia, Marcus Vin{cius, John Dewey eo pensamento educacional brasileiro: a centralidade da nogao de movimento. 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Scanned with CamScanner ASPECTOS AMERICANOS DE EDUCAGAO Relatério apresentado ao Governo do Estado da Bahia pelo Diretor Geral de Instruct, comissionado em estudos na América do Norte Scanned with CamScanner John Dewey é, na América, o filésofo que mais agudamente tragou as teorias fundamentais da educagao americana. A nenhum outro pensador é dado ali um lugar téo saliente na sistematizagio da teoria moderna de educagio. Apresentar, pois, na Bahia, em um breve resumo, tio fiel quanto me foi possivel, as idéias com que Dewey fixa 0 atual sentido de educagéo, pareceu-me meio talver favorével para despertar um interesse concreto pela revisio de nossas préprias concepgées. Scanned with CamScanner 1. Sentido atual de educacao Em derradeira andlise, educacao & 0 proceso por que a vida social se perpetua. A circunstancia de estarmos condenados a um constante reno- vamento da vida pelo nascimento e morte cria-nos a necessidade de uma continua transmissio de valores sociais ¢ morais a que se chama educacio. No principio, quando as sociedades apenas ensaiavam os seus primeiros progressos, é fécil compreender como essa comunicagio entre um e outro membro do grupo, o mais novo ¢ o mais velho, a crianga e 0 adulto, se operava de um modo muito menos com- plexo. Era 0 préprio exercicio social, em seu jogo simples de pecas clementares, que realizava as condig6es educativas primitivas desses tempos. A ctianga crescia participando progressivamente da atividade do adulto, educando-se. Essa participagio, essa posse de coisas em comum, é, em esséncia, 0 alvo ¢ 0 objetivo da educacio. Tornar actianga um membro da sociedade, e membro com plenos direitos e plena eficiéncia, € tudo 0 que busca realizar a educagio. A medida, porém, que a sociedade foi progredindo e, dos pe- quenos udimentos de caga e pesca, chegou as complexas formas Scanned with CamScanner 32 — Aspectos americanos de educacao de civilizagéo moderna, a aprendizagem natural e direta tornou- se imposstvel. A soma de conhecimentos, de aspiracées, de sentimentos que compée a teia dos nossos dias civilizados jd nao ¢ acessivel sendio através de esforgos coordenados e longos. A crianga hoje nao tem aberta diante de si a vida da sociedade adulta, de modo que possa perceber, por meio de uma direta co- municacao na vida coletiva, a sua inteligéncia e o seu sentido. E indispensdvel uma agéncia especial — a escola ~ e um grupo de especialistas — os professores — para tornar poss{vel a educagao da infancia. Mas educacao deve ser 0 processo natural de participagdo na vida coletiva. A escola surge como uma agéncia especial ¢ expressa para produzit um resultado que a direta participacéo na vida social tornou, devido 4 sua complexidade, precério ou imposstvel. Essa distingao nao se opera sem perigos. O pequenino indio que se inicia nos segredos da guerra e na arte da caca e da pesca educa-se por um processo direto e vital, cuja eficiéncia nunca é demais acentuar. ‘A sua educagio é 0 seu proprio crescimento. Ele cresce em habilidade, em vigor, em coragem, em impulso, cresce em comando e dominio das circunstancias do seu ambiente. O pequenino civilizado cresce na escola, onde, em vez de um arco, lhe dao um livro e, em vez da vida, um ambiente artificial e mecinico de noviciado. A letra é 0 instrumento fundamental de sua educagio, a ponto de iletrado se tornat sindnimo de ineducado. E, pois, sempre titil lembrar esse sentido origindrio e constante de educagéo e recordar que a escola é apenas o imprescindfvel substituto, ou, para setmos mais exatos, o atual complemento da educagéo que permanentemente recebemos da sociedade. Mas por que modo podemos organizar e controlar essa especial ¢ formal agéncia de educacio que se tornou imprescindivel criar? Scanned with CamScanner Primeira parte - Fundamentos de educagdo ~ 33 A transmissio de crengas, habitos e maneiras se faz por inter- médio da participagio na vida do grupo social. Essa participagao se processa através do meio ou ambiente social. Nao se educa se- nfo através do meio. Meio é, porém, mais do que vizinhanga ¢ arredores. Meio é tudo aquilo que dé continuidade especifica & ati- vidade de um individuo. O meio de um antiquario, como diz Dewey, se constitui daquelas coisas remotas ¢ velhas que 0 apai- xonam ¢ através das quais ele varia, ele muda. © fato da linguagem ¢ a impressio de que se transmite por palavras uma idéia é que parece contrariar essa observagao de que se nao educa senio através do meio. Se examinarmos, porém, em detalhe o fato da Iingua, vemos que nao se dé nenhuma excesio. A palavra € uma simples emissio de sons ¢ por si sé incapaz outro senéo um rufdo especial. de transmi A palavra ganha sentido quando se completa com a coisa e 0 seu uso, isto é, com o meio. O som chapéu sé comega a ter sentido para a crianga quando ela compreende 0 seu uso ¢ associa aquele especial objeto com a sua oportunidade de sair ¢ de passear. E uma ilusio julgar que se pode transmitir alguma coisa dire- tamente, E através do uso da coisa, através do seu sentido, através do meio, que se pode agir ¢ que se pode educar. A linguagem constitui um instrumental que abrevia ¢ resume e, as vezes, amplia a experiéncia, mas 0 seu uso s6 nfo serd estéril, remoto ou artificial quando for enriquecido e sustentado pela experiéncia, que ¢ 0 in- tercurso entre o individuo ¢ o ambiente. Assim, pois, 0 tinico proceso do adulto para controlar a edu- cago da infincia é 0 de controlar 0 meio. E assim, de fato, cle procede, Uma familia preocupada com a educagio dos filhos tem um constante cuidado em oferecer & crianga um meio proplcio a um desenvolvimento harmonioso de suas tendéncias. Ea sociedade governa ¢ orienta as suas forgas educativas, con- trolando 0 ambiente especial de educacio, a escola. Scanned with CamScanner 34 — Aspectos americanos de educagio Esta se propde oferecer a crianga um ambiente social que se distingue do ambiente adulto, praticamente inacessivel 4 infincia, por caracteristicos determinados. A escola deve oferecer um ambiente social simplificado, desde que a complexidade contemporanea ¢ inassimildvel em seu todo pela crianga; um ambiente social purificado, isto é, expurgado dos seus maus elementos ¢ especialmente propicio ao desenvolvimento dos aspectos sios da vida moderna; ¢, por ultimo, um ambiente equilibrado, no sentido de harmonia ¢ amplidio. Uma sociedade moderna & composta dos mais diversos grupos ¢, em rigor, mais heterogénea do que uma nagio primitiva, Entregue a si, a crianga poderia participar somente de um desses grupos ¢ a sua incom- preensio dos demais facilitaria possiveis conflitos sociais. A escola deve prover a um meio em que a experiéncia infantil se realize no cfrculo mais amplo posstvel, a fim de cooperar para um progressivo eq {rio ¢ harmonia sociais. A experiéncia que a crianga recebe na familia, na rua, na ofi- cina, no grupo religioso a que pertence deve ser coordenada, con- solidada e integrada na escola, em um todo harmonioso. Educar é, assim, uma fungéo social que controla, guia e dirige a atividade infantil. Mas, sendo uma funcéo perfeitamente vital e natural, ela se deve exercer em perfeita acordancia com as tendéncias das criangas as que apenas oferece as adequadas condigoes de desen- volvimento e crescimento. Por esse motivo, Dewey prefere definir a funcao educativa como uma fungio de diresao, mais do que de controle ¢ governo, que de certo modo implicam idéia de coergao. Alguns sistemas educativos baseados falsamente no principio de que as tendéncias naturais s4o egofsticas ou anti-sociais se subordinam a essa idéia de educagéo compulséria. Mas educagéo, pelo contrério, deve significar uma libertagio no uma compulsio. O ato educativo liberta e dirige forgas que © individuo possui para o seu adequado exerelcio. A vida consiste em uma série de est(mulos ¢ reacdes de parte do homem. A limitagao de nossas palavras € que nos leva a supor Scanned with CamScanner Primeira parte - Fundamentos de educagdo ~ 35 que os nossos constantes ajustamentos & vida sio constantes reagdes ou protestos quando muitas vezes séo simples correspondéncias. Educar consiste em dirigir essa correspondéncia, essa resposta a0 estimulo. E guiar a atividade para o seu fim adequado, para o seu correto resultado, Geralmente o estimulo traz em si uma inde- terminada e imprecisa orientagao; nao somente excita ou provoca, mas encaminha a atividade. Assim, a luz para os olhos néo somente os estimula, mas ofe- rece-lhes as condig6es para a visio. A educagio da vista se faz pela diregao adequada de todos os movimentos musculares € nervosos que a luz provoca para uma visio correta. Os primeiros movimentos sio incertos, imprecisos, desorde- nados. Hé desperdicio de energia ¢ ha imprecisio de alvo. Educar é definir, focalizar e coordenar os movimentos para uma resposta justa e apropriada. A doutrina de Dewey se coordena e se monta com as verdades velhas que todos conhecemos. O filésofo americano apenas as vé com mais agudeza e exatidéo. Assim, esclarece-nos ele, essa idéia de diregio na fungao edu- cativa € muitas vezes deturpada, porque os homens a julgam mais eficiente quando a exercem expressamente, obtendo um resultado visivel pelo emprego de uma forca superior, fisica ou moral. A ameaga, 0 castigo, produzindo um resultado imediato, criam a ilusdo de um esforco educativo eficiente e, o que é pior, as vezes, do tinico resultado educativo concreto. Ora, pelo menos um perigo provém dessa educagao coer- va: o de ser incomplera, Pela ameaca obtemos o resultado dese- jado, mas vamos, talvez, despertar a idéia de astiicia ou fingimento com que a crianga frustraré os beneficios supostamente ganhos. Cabe aqui uma ligeira explanagdo que nos levar4 um pouco mais ao fundo da teoria de Dewey. Vimos que educar é a fungao social pela qual 0 individuo vem a participar da plena vida do grupo. E vimos, depois, que o instru- mento desse proceso educativo ¢ 0 meio que envolve o educando. Scanned with CamScanner 36 — Aspectos americanos de educago Mas hé dois pasos nesse proceso educacional que, de logo, devemos esclarecer. convivio com os homens é sempre educativo, até para os animais. Um cdo, um cavalo podem ter, pela con homem, seus hébitos instintivos modificados. O homem obtém isso por uma inteligente modificacdo do meio. Os motivos do ato do cavalo adestrado sio, porém, os mesmos dos nao adestrados. Evitar uma pena, ganhar a ragio fresca de capim sio os méveis de sua habilidade modificada ¢ educada. Ele nao participa do sentido do seu novo ato. ‘Acessa educacao obtida por motivos puramente externos chama Dewey treino. A verdadeira educagao se processa com o segundo passo, quando 0 educando nao somente aprende uma nova coisa, mas a compreende e participa do seu sentido social. Entio, a prética desse novo ato Ihe trard prazer ou pena, con- forme seja bem-sucedido ou mal-sucedido em sua nova experiéncia, Educar, pois, importa em dirigir 0 educando, com o seu pleno | assentimento e a sua plena participagao mental, para 0 exercicio | adequado de suas préprias tendéncias ¢ atividades. ‘Aparece-nos, al, claro 0 erro de toda educagéo compulséria, seja ela de que ordem for, ea nossa ilusio em julgar que sé educamos quando procedemos expressamente, por um expresso exercicio, para esse fim. Pelo contritio, 0 meio mais importante ¢ mais permanente de educagao e de governo da atividade da crianga consiste no modo por que as pessoas com quem ela esta associada se utilizam das coi- sas para os seus indefinidos e diversos intentos. Essa permanente associagéo em comuns empreendimentos quotidianos, envolvendo 0 uso das coisas como meios ¢ medidas para resultados, constitui a estrada real para a formagio de conheci- mentos ¢ disposigées para a educagio. Certa concepsao abstrata nos ensina que a formacao de nossas idéias se opera por um processo de impressio na mente das dife- rentes qualidades das coisas. Depois, por um misterioso poder de Scanned with CamScanner Primeira parte - Fundamentos de educagdo — 37 sintese mental, reunimos essas diversas impresses sensoriais em uma idéia, isto é, em coisas com sentido. Mas, de fato, diz Dewey, © uso caracterfstico da aludida coisa, 0 uso justificado pelas suas qualidades especificas, € que nos fornece o especial significado com que a identificamos. Ter idéia de uma coisa consiste em estar habilitado a responder a referida coisa em vista de sua posigéo em um esquema de acio; consiste em prever 0 alcance e a provavel conseqiiéncia da coisa sobre nés ¢ da nossa agéo sobre ela, Somente quando nos habituamos ao uso comum das coisas, quando Ihe damos o mesmo sentido comum, quando estamos habi- litados a participar na atividade social com uma idéntica inteli- gencia, é que estamos sendo socialmente ditigidos ou socialmente educados. Educagio nao pode provir nem do simples contato com as coisas, nem do simples contato com as pessoas, mas de uma par- ticipagéo nas atividades comuns, participaggo que nos faz com- preender coisas, acontecimentos ¢ atos & luz do seu atual sentido social, A educagio formal ou propriamente dita € fornecida, como vimos, num ambiente especial, onde se colocam os materiais es- peciais e se utilizam os métodos especiais que melhor podem pro- mover 0s resultados educativos. Por isso mesmo que essas agéncias especiais de educacéo se formaram quando grande parte da secular experiéncia da humanidade se achava escrita, ¢ a linguagem tornou- se 0 material fundamental dessa educagio escolar. O televo que imprescindivelmente se tem que dar a esse instru- mento de educacéo que é a linguagem é uma fonte de varios pe- rigos. Por mais que saibamos que educacao nao é uma questéo de dizer ¢ ouvir, mas um processo ativo e construtivo, as escolas esto, a toda hora, violando esse principio. O tinico recurso de fugir a esse comun{ssimo escolho educa- cional esté em buscar repetir na escola as condigées de fora-da- escola, Scanned with CamScanner 38 — Aspectos americanos de educacao 0 para a escola aprender, diz Dewey, mas ainda est4 por se provar que o ato de aprender se realiza mais adequa- damente quando € transformado em uma ocupagio distinta e es- pecial. Toda vez que esse modo de agir tende a tornar abstrato ¢ As criangas remoto 0 exercicio, ¢ a impedir 0 sentido social que provém da participagdo em uma atividade de comum interesse e velor ~ 0 esforgo para o ato de conhecimento intelectual isolado contradiz © seu prdprio fim =, ele nao é educativo. Continuando a nossa discussio, devemos estudar as condigdes. g que tornam posstvel esse progressivo movimento de participagiog do individuo em uma vida social mais e mais complexa, e supos- tamente mais ¢ mais perfeita, movimento a que se chama educagio. Nesse sentido, educagao é crescimento. Ea primeira condisio para o crescimento é a imaturidade. Parece uma tautologia. 4 Dewey, entretanto, atribui a imaturidade sentido de alguma coisa positiva ¢ nado de uma simples auséncia. Imaturidade é a capacidade de desenvolvimento, a capacidade de crescimento. O a hdbito de considerar a crianga comparativamente, em relagao a0 a adulto, é que leva & concepgio de imaturidade como uma simples privacio, ede crescimento como qualquer coisa queencheointervalo entre o imaturo ¢ 0 adulto. A gravidade desse erro estd em que essa concepgio puramente | negativa de imaturidade fixa, como ideal e standard, um resultado determinado e estético. Entretanto, todo adulto ressente-se da imputagio de ja nao ter possibilidades de crescimento, de mudanga ou de progresso. Imaturidade, considerada intrinsecamente, corresponde ao po- der de crescer, de desenvolver. E nesse sentido educagao € cresci- mento, crescimento que a crianga opera ¢ realiza por si mesma, e | que ninguém pode preparar externamente para ela. Os caracteristicos da imaturidade séo dependéncia e plastici- dade. Novamente, parece que apontamos qualidades puramente _ negativas quando insistimos em qualquer coisa construtiva e po- sitiva, ri Scanned with CamScanner Primeira parte - Fundamentos de educagdo — 39 Mas a dependéncia, a absoluta dependéncia fisica, por exem- plo, da crianga apresenta um reverso inegavelmente positivo, que é a riqueza e a opuléncia de seus dons sociais. De sorte que sua dependéncia depressa se torna uma fecunda interdependéncia imensamente rica de lig6es e de aprendizagem. A prolongada infincia, a longa e demorada adaptagao da crian- ca & vida & em realidade, um privilégio da sua natureza. Os seis meses que uma ctianga emprega em coordenar 0 seu gesto & sua vista apenas revelam a complexidade e a perfeigéo de seu organis- mo, ¢, sobretudo, a permanéncia daquela plasticidade a que nos referimos e que € a capacidade de aprender. Podemos definir plasticidade como a capacidade de reter de uma experiéncia alguma coisa que auxilie a lutar com dificuldades novas, tornando-se assim, praticamente, indefinido o poder de aprender. E esse poder de aprender é 0 poder de adquirir habitos. Habito é, antes de tudo, uma habilidade de execugao, um comando das condigées naturais do meio para determinados re- sultados. Educagao é muitas vezes definida como a formacio dos hdbitos que ajustam o individuo ao seu meio. Mas esse ajustamento e adaptacdo ndo ¢ qualquer coisa passiva, mas, antes, eminentemente ativa. Nao somente se podem adaptar as nossas atividades ao meio, mas se adapta o meio as nossas atividades. Habito, no sentido educativo, nao é o hdbito rfgido ou fixo ou rotineiro. Habito significa facilidade, economia, eficiéncia de acdo ¢, ainda, uma disposigio intelectual a mudar, a progredir, a desenvolver. E isto € que comunica ao hébito a sua flexibilidade, 0 seu uso variado e extenso € o seu permanente poder de reajustamento. O habito fixo ou rigido é 0 hébito que nos possui e nao aquele que nés possuimos. Daf a sua identificagéo com maus hdbitos, que so hdbitos mecnicos e imutéveis, exatamente por que nossa inte- ligéncia se acha desligada deles, Scanned with CamScanner 40 ~— Aspectos americanos de educagéo Nao hé divida que hé uma tendéncia de certo modo organica para diminuir essa nossa capacidade de mudar, de constantemente renovar os nossos hébitos. Somente um ambiente que assegure o pleno e largo uso da inteligéncia na formagao dos nossos habitos pode contrabalangar tal tendéncia. Nunca estreitar ou fechar o horizonte do educando com métodos que procurem assegurar eficiéncia de hdbito ou habi- lidade executiva, sem 0 acompanhamento de eficiéncia e habilidade de pensamento, é 0 processo de manter uma plasticidade constante e uma constante capacidade de progresso. Desta sorte, a capacidade de desenvolvimento, de crescimento, isto é, de educacéo, pode set indefinidamente mantida. Daf a conclusio de que 0 processo educative néo tem fim além de si mesmo, mas é 0 seu prdprio fim; 0 processo de educagio € 0 processo de continua transformacdo, reconstrugio e reajusta- mento do homem 20 seu ambiente social mével e progressivo. Desenvolvimento, quando considerado comparativamente, envolve a idéia de uma marcha para um resultado fixo. Mas nfo € esse 0 ultimo ponto de vista. Criancas e adultos tém poderes e forcas especificas. A crianga normal, como 0 adulto normal, estio ambos empenhados em desenvolvimento, em cres- cimento, em educagao. A diferenga est4 entre modos de desenvol- vimento. Como observa, com felicidade, Dewey, a crianga deve crescer em virilidade, no ponto de vista do desenvolvimento das forgas com que ela vai manejar os problemas cientificos e econd- micos da vida; e o homem deve crescer em infantilidade, no ponto de vista de uma mais simpatica e mais fresca curiosidade, mais larga e aberta inteligéncia e mais despreconcebida sensibilidade. A nogao meramente privativa de imaturidade, a nogao de edu- cago como o ajustamento estdtico a um ambiente fixo, ou a nogdo de habito rigido e imutdvel, todas elas se filiam ao falso conceito de desenvolvimento e crescimento como movimento para 0 alvo adulto fixo. Os equilaventes educativos dessas idéias sio: a) nao se levar em devida conta as tendéncias e forgas instintivas ‘ou nativas das criancas; Scanned with CamScanner Primeira parte - Fundamentos de educagdo ~ 41 b) nao desenvolver a iniciativa para 0 trato de constantes si- tuagdes novas; ¢) indevida saliéncia em exercicio e outras praticas escolares que asseguram habilidade automética & custa de uma percepgio mais pessoal ¢ mais rica das coisas. Em todos esses casos 0 meio adulto é considerado 0 standard a que a crianga deve ser elevada. Conformidade, uniformidade, des- prezo das fortes qualidades individuais caracterizam essa educagio, cujos processos so mecanicos, por isso mesmo € que 0 critério do desenvolvimento é posto fora do individuo e fora do seu proceso individual de crescimento. Na realidade, desenvolvimento nio estd relacionado com o estado do adulto, porém com mais desenvolvimento e educacio, com mais educagao. Educar consiste em assegurar a continuago da educagéo por meio da organizagao das forgas que garantem um permanente desenvolvimento individual. O habito de aprender da propria vida e de fazer com que as condiges da vida sejam tais que todos aprendam do processo de viver é 0 mais alto produto da escola. A idéia de que 0 processo educativo é um continuo processo de crescimento e desenvolvimento, tendo como fim uma maior capacidade de desenvolvimento e crescimento, é posta em relevo pelo estudo comparativo de outras concepgées de educagao de que Dewey aponta as deficiéncias ¢ os erros. Uma dessas teorias, de certo modo jé indicada nesta breve andlise, éa de que 0 proceso educativo é um processo de preparacao da ctianga para as responsabilidades e privilégios da vida adulta. Filia-se & idéia de que imaturidade ou capacidade de crescimento € uma circunstincia meramente privativa ou negativa. Essa nogao vicia todo 0 processo educativo. Em primeiro lugar, ele perde em impulso. A crianga vive no presente. O futuro, como futuro, nao tem influéncia na vida in- fantil. Vir a ficar pronto para alguma coisa distante, no se sabe 0 qué, nem 0 porqué, é um ponto de apoio demasiado vago, sem vi- gor e sem urgéncia sobre a psicologia do educando. Scanned with CamScanner 42. — Aspectos americanos de educagao Depois, esse alvo distante ¢ uma irresistivel tentagao para adiar, para procrastinar, E a educagéo perde grande parte de sua atual eficiéncia, Da atual vida presente decorterd, por certo, algum valor educativo, mas enfraquecido ¢ dessorado, porque o sentido dos atuais exercicios est4 ausente em um indefinido ¢ longinquo futuro. Esse mesmo fato, por outro lado, determina a fixagio de um standard médio convencional a conquistar, 0 que leva ao desprezo pelas qualidades e diferencas individuais do educando. Se o futuro € remoto e impessoal, por forca impessoal ¢ remoto deve ser 0 ob- jetivo da educagao. Por tiltimo, essa concep¢ao conduz ao emprego dos mil ¢ um expedientes adventicios — penas, prazeres, engenhosas combina- g6es — que galvanizam o estimulo € 0 interesse dessa educagao desenraizada dos fortes motivos ¢ solicitagbes do presente. O erro dessa idéia nao esté em julgar que 0 processo educativo prepara para o futuro, Vivendo educativamente o presente, todos nos preparamos para o futuro. Crescemos para o futuro. O manejo inteligente do dia de hoje nos auxiliaré na luta com o dia de amanha. erro consiste em fazer das necessidades do futuro 0 principal motivo para esforcos do presente. Uma outra teoria educativa, que teve em Froebel e Hegel os seus dois mais eminentes sistematizadores, faz da educagao um como processo de desdobramento de qualidades ¢ tendéncias instin- tivas e latentes até um pleno e perfeito desenvolvimento. O dinamismo da idéia desaparece na imobilidade final do al- vo a atingir. Essa perfeigao terminal idealizada diferentemente por Froebel e Hegel. primeiro a representa por uma série de simbolos altamente matemiticos; 0 segundo a consubstancia nas grandes instituigdes humanas — lingua, Estado, religiéo etc. A fraqueza desta concepgao est4 nos dois seguintes pontos: primeiro, 0 desenvolvimento, 0 progresso nfo sio af conquistas, Scanned with CamScanner Primeira parte - Fundamentos de educagdo — 43 mas simples passos para uma perfeigdo imagindtia, e, como tal, a teoria se identifica com a de preparagio; segundo, a concepgéo mifstica de uma perfeigio para que tendemos obrigou os dois orga- nizadores da teoria a uma série de determinagdes arbitrdrias no processo educativo que é dificil justificar. Uma concepgao do proceso educative que deve merecer um exame menos sumétio pela larga influéncia entre nds é a chamada “disciplina formal”. Essa teoria considera educagéo como o processo de aparelha- mento do individuo em poderes especificos de realizagio e de adaptacao & vida. Inegavelmente, é este 0 resultado procurado pela educasio. Mas a teoria que nos ocupa atualmente supe que existem em nés certos e determinados poderes ou faculdades — de perceber, lembrar, querer, sentir etc. — ¢ que em ¢reinar essas faculdades, por meio de inteligentes e repetidos exercicios, consiste a educagio. Aquele poder com que a educagao nos enriquece nao é um simples resultado do nosso desenvolvimento adequado, mas o direto e consciente fim de toda instrugio. Educagio é af constantemente identificada com o treino do ginasta para adquirir certa e determi- nada habilidade. Treinavam-se entio as faculdades mentais como se treina um misculo. Tais faculdades mentais, supostamente originais, sio, porém, um mito. O que existe € um sem-ntimero de tendéncias originais, de modo instintivos de acdo baseados em ligagSes originais de neu- rnios do sistema nervoso central. E essa uma conquista definitiva da psicologia experimental. Tais tendéncias, em vez de em pequeno nimero ¢ marcada- mente distintas, sio de uma indefinida variedade, entrelagando- se umas com as outras por mil formas de processos sutis; em vez de faculdades intelectuais latentes, & espera somente de exerc{cio para serem aperfeicoadas, séo tendéncias para responder de certo modo a certas mudangas do ambiente, produzindo outras mu- convenientes para 0 organismo. dangas progressivamente m Scanned with CamScanner 44 ~ Aspectos americanos de educagio Assim, 0 treino de nossas atividades originais ¢ impulsivas no consiste num refinamento e aperfeigoamento conseguido ou realizado por exercicio, como se fortalece ou se aperfeigoa um miis- culo; mas consiste antes, primeiramente, em uma selegio das respos- tas mais especialmente adaptadas, dentre todas as difusas e variadas que 0 nosso organismo sugere, e, segundo, na coordenagio dessas respostas de jeito que as torne adequadas ao resultado almejado, Essa teoria do treino das faculdades mentais coloca-nos em face do velho problema da transferéncia de treino em educagio. A teoria é baseada na suposta possibilidade de transferéncia de treino e daf toda sua predilegéo por educagdo geral, pot educacio cultural e cléssica, e todas essas desastrosas concepgées de pree- minéncia de cultura sobre prética e profissio, Todo exercicio educativo que prové a um ajustamento espe- cifico é um exercicio de resultados limitados. Quanto mais es- pecializada for a adaptagao, menos transfértvel é a habilidade ad- quirida. Pela teoria da disciplina formal, o aluno que aprende ortografi, adquire, além da habilidade ortogeafica, um aumento do seu poder de observagio, atengio e meméria que pode ser empregado onde quer que tais poderes sejam requeridos. Mas, de fato, quanto mais ele se confine na sua ligio de orto- _-grafia, quanto mais se limite ele & observagio da forma das palavras independente de outras conexdes, tanto mais provavel & que ad- quira exclusivamente uma habilidade ortogréfica que nfo pode | ser transferida para nenhuma outra coisa, Ble pode alargar, generalizar o seu exercicio ortografico, estu- dando ao mesmo tempo o sentido das palavras, Entio, a série de estimulos recebidos ser4 muito maior, a selecdo e coordenagio das respostas do seu organismo muito mais vasta e as habilidades ad- quitidas, de diversa ordem. N&o, porém, porque houvesse trans- feréncia de treino, mas porque o exercicio foi menos confinado ¢ menos limitado. Scanned with CamScanner Primeira parte - Fundamentos de educagdo ~ 45 © erro fundamental dessa teoria consiste em uma distingio arbitrdria entre atividade ¢ capacidade ¢ os seus respectivos objetos. Nio existe capacidade de ver, ou de ouvir, ou de lembrar, em ge- ral, mas capacidade de ver, ouvir ¢ lembrar alguma coisa. Falar de treino de faculdade mental ou fisica independence do objeto para que se treine, é absurdo. Nesse sentido, todo treino ou educagio especifico. Educagio geral rem sentido, somente, se por isso compreen- demos uma ampliagao, uma socializagio do nosso exercicio, como no caso de nossa ilustragao com o exercicio ortogréfico. Os nossos poderes de observagio, meméria, julgamento, gosto estético etc. representam somente resultados organizados conse- giientes dos variados exercicios a que submetemos os nossos ins- tintos nativos com certos objetos. A escolha desses objetos pode permitir-nos atividades largas ¢ flexiveis, com vasto campo para variadas coordenagées dos nossos movimentos, e, ento, podemos dizer que recebemos educagio geral. Fora daf, toda idéia de edu- cago como um treino subjetivo, cujo resultado seja aplicavel de modo geral as nossas futuras necessidades, € mitolégica e errénea. Outra teoria de educagao, de que Herbart foi o maior repre- sentante, tem seu fundamento na idéia de que educacio é a for- magéo da mente por meio de associagbes ¢ conexdes produzidas pela apresentagao de objetos externos. Herbart nega a existéncia de qualquer faculdade inata. ‘A mente é simplesmente dotada do poder de produzir dife- rentes resultados em reacao as diversas realidades que agem sobre ela, Essas reagées, qualitativamente diferentes, sio chamadas apre- sentag6es. Cada apresentagao, uma vez realizada, persiste na parte subconsciente da mente e condiciona as futuras apresentagées. Atengao, meméria, percepgao, sentimentos nao séo mais do que combinacées, associagées, entrelacamentos, provenientes de uma constante interagdo dessas “apresentagGes” submergidas. ‘A grande vantagem dessa teoria foi a de criar uma técnica de educagio que nunca foi ultrapassada. Sendo a formacao da mente inteiramente resultado da apresentagio dos materiais adequados, Scanned with CamScanner Er 46 — Aipectos americanos de educacito a educagio passou a obedecer a uma série de “pasos” formais € minuciosos ¢ a uma rigorosa especificagéo dos seus exercicios. Abolindo, por outro lado, a idéia das “faculdades”, essa con- cepgio fez convergir a atengdo para 0 objeto ¢ 0 contetido dos es- tudos, e nesse sentido foi grande a sua coopera¢ao nos modernos processos de ensino. O seu erro esté em ignorar as fungées ativas e especificas do educando. Como diz Dewey, é a teoria do mestre-escola todo- poderoso, A concepgio de que a mente é um produto toral do ensino, e que o ensino sé é valioso enquanto permite mais ensino, reflete 0 ponto de vista do pedagogo. A teoria de Herbart é mais feliz. nos seus resultados do que acertada nos seus fundamentos. Hé uma certa teoria educativa que se pode chamar teoria retrospectiva de educacio. Em uma forma que nao alcangou grande sucesso, essa concep- fo se baseia em um suposto desenvolvimento do individuo paralelo ao desenvolvimento da espécie. O desenvolvimento do individuo, fisica e mentalmente, passa pelos mesmos estigios da evolugéo da vida animal e da histéria humana. E uma teoria que tem a sua fas- cinagéo. A ctianga recapitula a humanidade, Em certa idade, est nas condigées mentais e morais do selvagem, depois nas condigdes de vida pastoril e assim por diante, até participar do atual estado de vida contemporanea. Essa fase da teoria nunca teve, entretanto, grande aplicagao. Mas o seu propésito de dar & educacéo uma base fundamental no passado teve e tem, ainda hoje, a mais larga influéncia, A edu- cago € considerada, primariamente, uma aquisigéo da heranga espiritual do passado e sobretudo dos produtos ou resultados lite- rdtios do pasado. Erra essa concepcao em supor que educagio é apenas um pro- cesso para a conquista de alguma coisa distinta desse processo: 0 resultado. A educagio, porém, é uma fungéo que existe por si mesma e/em si mesma. Educar é crescer, desenvolver. O processo Scanned with CamScanner Primeira parte - Fundamentos de edueagdo ~ 47 educativo ¢ o seu resultado sio uma coisa s6. Educar é viver. E 0 individuo vive somente no presente. O estudo dos produtos ou resultados do passado nao nos auxilia a compreender o presente, porque o presente nao sucede a esses produtos, mas a vida de que eles eram resultados. Os conhecimentos do passado s6 tém significagio quando participam do presente. O erro em fazer do passado o principal material de estudo esté em que esse método corta a conexao entre passado e presente e tende a fazer daquele um rival deste e do pre- sente, uma fitil imitagio do passado. E daf todas as perversées da cultura, todas as infantis idéias de passado como refiigio, como isolamento. O estudo do passado é um grande recurso para a imaginacio, acrescenta uma nova dimensio 4 vida, mas com a condigao de que seja compreendido como o passado do presente e nfo como um outro mundo formoso e isolado. Em vez de fugir das cruezas do presente para os refinamentos do passado, o estudante deve utilizar 0 passado para amadurecer € refinar © presente. Em contraste com as teorias anteriores de desdobramento de latentes forcas internas ou de formagao por influéncia de forcas externas, sejam fisicas ou naturais, ou culturais e histéricas, a con- cepcao de Dewey é, como vimos, de que a educagao é um processo de crescimento, é 0 processo inteligente da vida. Educacao é um processo de constante reorganizagao e reconstrugao de nossas ex- periéncias. Infancia, juventude, vida adulta estéo no mesmo nivel educativo, no sentido de que 0 que se aprende, em qualquer sorte de experiéncia, constitui o valor dessa experiéncia ea sua qualidade educativa. Dewey, assim, define educagao: € 0 processo de reconstrugao € reorganizagao da experiéncia, de sorte a aumentar-lhe e ampliar- Ihe o sentido e, assim, conseguir mais larga habilidade para dirigir © curso de subseqiientes novas experiéncias. Scanned with CamScanner 48 — Aspectos americanos de educagao 1) aumenta o sentido de experiéncia: se efetivamente dese- jamos colher resultado educativo da experiéncia, devemos nos em- penhar no conhecimento e na percepgao das conexées € atividades em que ela nos envolve; 2) aumenta o poder de direcao e controle de subseqiientes experiéncias, porque a experiéncia sofrida nos entiquece com varios conhecimentos novos de conexdes que ignorévamos, tornando me- nos incerta a nossa préxima tentativa. Assim, pois, a experiéncia educativa se distingue essencial- mente da experiéncia caprichosa ou rotineira. A primeira sé inci- dentalmente seré educativa e entao deixar de ser caprichosa. A segunda nos ensina uma habilidade cega e nao nos dd nenhum poder para lidar com situagées novas. A concepgao americana de educagéo é uma concepgio tio larga, que se identifica com a vida, mas com uma vida conduzida com inteligéncia e consciente lucidez, Tudo 0 que for mecanico, artificial, automitico nao € senao limitadamente educativo. A distingao entre o resultado educativo e 0 processo de atingi- do é que deu lugar a todos esses métodos maquinais de que as escolas séo ainda um triste repositério. Para Dewey, a educagao € 0 permanente processo por que reconstrufmos a nossa experiéncia e perpetuamente nos ajustamos ao meio essencialmente mével e dinamico da vida humana. A estabilidade da educacio, como a estabilidade da vida mo- derna, se mantém pelo constante movimento. Scanned with CamScanner 2. Educagéo e democracia Se educagao é fungio que assegura a direcdo ¢ o desenvolvi- mento do imaturo através da sua progressiva participacao na vida da sociedade, a educagio deve ser estreitamente condicionada qualidade de vida social desse grupo, a0 seu ideal de vida social. A teoria americana de educagio ndo poderia ser compreendida se no fosse estudada & luz da organizagio democrética da sua so- ciedade. Se alguma ligéo tem a América a dar ao mundo, se algum grande ideal sustenta a sua civilizagio e dé vigor ¢ sentido & sua obra, essa lig&o e esse ideal se consubstanciam em democracia. Mas democracia ganhou, na América, um sentido mais amplo do que o seu originério sentido politico e significa uma nova expe- rigncia de vida associada, cujas conquistas esto longe de ser con- clufdas. Dewey, ao estudar as condicdes de um grupo social, fixa dois critérios para julgar-se de seu progresso e de sua harmonia: a soma de interesses partilhados em comum, o que indicaré a riqueza, a variedade ¢ auséncia de desigualdades do grupo; e a cooperagio com outros grupos distintos, o que tornaré possivel um intercambio permanentemente renovador das condig6es do grupo para a sua Progressiva e constante reconstrucao. Scanned with CamScanner 50 — Aspectos americanos de educagao ‘Tais condigdes nao podem existir em sociedades aristocrdticas ou oligtquicas onde a divisio dos interesses, o isolamento dos grupos ¢ a desigualdade de oportunidades criam uma atmosfera de rotina para a classe desprotegida ¢ de fastio e capricho para a classe nobte. Aquelas condigdes se realizam somente na sociedade democritica, que se pode caracterizar, segundo Dewey: 1) pelo desenvolvimento de pontos de participagéo e comum interesse cada vez mais numerosos e variados entre os seus diversos membros e pela confianga no critério de que miituos interesses sio 0 melhor fator para o controle social 2) por um intercimbio cada vex mais livre entre os diversos grupos sociais e uma conseqiiente continua readaptagdo através das novas situagdes produzidas por esse variado intercambio. Essa definigéo de democracia esclarece singularmente o destaque € 0 relevo que a civilizacao americana pée nas suas instituig6es de educacio, $6 uma organizacio educativa verdadeiramente eficiente pode amparar ¢ manter esse ambicioso projeto de vida social que a democracia americana estd realizando. Essa vida social de plena ¢ larga participacio, sem barreiras e sem limitagées, envolve uma perfeita confianga no homem comum, ¢ s6 nao resultard em desastre se a educacio realmente aparelhar todo 0 cidadao americano para essa forma livre ¢ superior ¢ rica de vida de grupo. O alargamento da drea de interesses partilhados em comum ¢ a libertacdo de uma maior diversidade de capacidades individuais séo caracteristicos jé existentes. Isso determina uma perpétua transformagao social, absolutamente indefinida, que s6 néo degenera em confuséo porque a educagéo americana procura prover iniciativa pessoal ¢ adapta- bilidade social de sorte a criar um novo equilibrio social, que ¢ a surpresa e a maravilha de todo observador do mundo americano. A educacio, compreendida assim, como a suprema fungdo social, tende a ser nao somente a agéncia conservadora da sociedade, mas a agencia do seu constante desenvolvimento € progresso. Consistindo a sua fungao especifica em uma permanente ¢ progres- siva adaptagao do homem a vida social, o seu problema se restrin- gird, em nossos dias, em vencer as barreiras econdmicas que ainda Scanned with CamScanner

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