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2 | Separe as Pessoas do Problema Todos sabem como € dificil lidar com umn problema sem que as pessoas se interpretem mal, zanguem-se ou fiquem irritadas e tomem as coisas em termos pessoais. Um Ider sindical pergunta a seus homens: — Muito bem, quem foi que convocou a greve? Jones dé um passo 4 frente. - Fui eu. Foi aquele ordindrio do con- tramestre Campbell de novo. Essa foi a quinta vez em duas semanas em que ele me fez sair do nosso grupo para substituir alguém. Ble esta “a fim de” me perseguir ¢ j4 estou cansado disso. Por que tenho que fazer todo o trabalho sujo? Mais tarde, o Ifder sindical confronta Campbell: — Por que vocé anda implicando com o Jones? Ele disse que vocé 0 colocou no rol do traba- Iho de substituigao cinco vezes em duas semanas. O que esté havendo? Campbell responde: — Tenho escolhido Jones porque ele é 0 melhor. Sei que posso contar com ele para impedir que as coisas saiam erradas num grupo que esteja sem o seu lider. S6 0 mando fazer substituigdes quando falta um homem-chave, caso contrério mando o Smith ou ou- tra pessoa. Acontece que, com essa gripe que anda por af, uma porgdo de apontadores anda faltando, Nunca imaginei que Jones fizesse alguma objegdo. Pensei que ele gostasse da responsabilidade. Numa outra situago da vida real, o advogado de uma empresa de se- guros diz ao chefe do departamento estadual de seguros: — Sei que seu tempo é curto, Comissério Thompson. O assunto que eu gostaria de discutir com o Sr. diz respeito a alguns dos problemas que vimos tendo com a cliusula presuntiva das normas de responsabili- dade civil. Basicamente, achamos que o modo como a cléusula foi redi- gida faz com que ela tenha um impacto injusto sobre as seguradoras cu- 17 jas apélices em vigor contém limitagGes do reajuste das taxas, e gostarfa- mos de examinar alguma forma pela qual ela pudesse ser revista. .. Diz 0 Comissério, interrompendo; — Sr. Johnson, sua companhia teve ampla oportunidade de expressar qualquer objecao durante as au- diéncias que meu departamento realizou acerca dessas normas antes de elas serem instauradas. Eu dirigi as audiéncias, Sr. Johnson. Ouvi cada palavra dos depoimentos e redigi pessoalmente a versdo final das cléusu- las de responsabilidade civil. O Sr. estd dizendo que cometi um erro? — Nao, mas. . . — Est4 dizendo que sou injusto? ~- Nao, Sr., certamente ndo, mas penso que essa cldusula teve conse- qiiéncias que nenhum de nés tinha previsto, e.. . — Escute, Johnson, prometi ao piblico, em minha campanha para este cargo, que poria fim aos secadores de cabelo assassinos e 4s bombas de cinco mil délares disfargadas de automéveis. E essas normas fizeram isso, Sua empresa teve um lucro de cingiienta milhdes de délares nas apélices de responsabilidade civil no ano passado. Por que espécie de tolo o Sr. me toma, para entrar aqui falando em normas “‘injustas” € “conseqiéncias imprevistas”? No quero ouvir mais uma palavra a esse respeito. Tenha um bom dia, Sr. Johnson. E agora? Ser4 que 0 advogado da companhia de seguros deve pressio- nar o Comissdrio nesse assunto, levando-o a irritar-se e provavelmente ndo chegando a parte alguma? Sua empresa tem muitos negdcios nesse estado, O bom relacionamento com o Comiss4rio ¢ importante. Seré que ele deve deixar 0 assunto em suspenso, muito embora estej*. convencido de que a norma é realmente injusta, de que seus efeitos a longo prazo tendem a chocar-se com os interesses ptiblicos, e de que nem mesmo os especialistas previram esse problema na época das audi- éncias originais? Que est4 ocorrendo nesses casos? Antes de mais nada, os negociadores so pessoas Um dado basico sobre a negociagdo, facil de esquecer nas transagdes empresariais € internacionais, € que se est lidando nao com represen- tantes abstratos do “outro lado”, mas sim com seres humanos. Eles tém emogées, valores profundamente enraizados ¢ diferentes antecedentes e pontos de vista; ¢ sfo imprevistveis. Tal como vocé. Esse aspecto humano da negociagdo pode ser util ou desastroso. O proceso de elaborar um acordo pode produzir um compromisso psicol6- gico com um resultado mutuamente satisfatorio. Uma relagdo de traba- 18 Tho em que a confianga, a compreens%o, 0 respeito e a amizade se cons- troem no tempo pode tornar cada nova negociagao mais tranqbila e mais eficiente. E o desejo das pessoas de se sentirem bem consigo mes- mas, assim como sua preocupagdo com o que os outros pensam delas, freqiientemente as tornam mais sens{veis aos interesses de outro nego- ciador, Por outro lado, as pessoas ficam zangadas, deprimidas, assustadas, hostis, frustradas e ofendidas. Elas tém egos facilmente ameagdveis. En- caram o mundo a partir de sua propria perspectiva pessoal e freqliente- mente confundem suas percepgdes com a realidade. Rotineiramente, deixam de interpretar o que vocé diz tal como vocé pretende dizé-lo e nfo pretendem dizer o que vocé entende. Os mal-entendidos reforgam 0 preconceito e levam a reagdes que produzem reagdes contrérias, num circulo vicioso; a investigago racional das solugdes possiveis torna-se invidvel e a negociagGo fracassa. A finalidade do jogo passa a ser a mar- cacao de pontos, a confirmag%o de impressdes negativas e a atribuigdo de culpa, A custa dos interesses substantivos de ambas as partes. Deixar de lidar com os outros de maneira sens{vel, como seres huma- Nos propensos a reacdes humanas, pode ser desastroso para a negocia- 0. O que quer que vocé esteja fazendo em qualquer ponto da negocia- gdo, desde a preparacdo até o acompanhamento, vale a pena indagar-s “Seré que estou prestando aten¢do suficiente ao problema das pes- soas?” Todo negociador tem dois tipos de interesse: na substancia € na relagado. Todo negociador quer chegar a um acordo que satisfaga seus interesses substantivos. E por isso que se negocia. Além disso, 0 negociador tam- bém tem interesse em seu relacionamento com o outro lado. Um anti- quario deseja, ao mesmo tempo, tirar lucro da venda ¢ transformer 0 fregués num cliente habitual. No mfnimo, 0 negociador quer manter uma relagdo de trabalho suficientemente boa para produzir um acordo aceitavel, caso ele seja possivel, dados os interesses de cada Jado. Em ge- ral, hé mais coisas em jogo. A maioria das negociagdes ocorre no con- texto de um relacionamento continuo em que é importante conduzir cada negociagéo de maneira a que ajude, e nfo prejudique as relagdes futuras e as futuras negociagdes. De fato, no tocante a muitos clientes de longa data, sécios comerciais, familiares, colegas de profissdo, funcio- nérios do governo ou nagdes estrangeiras, © relacionamento continuo € muito mais importante do que qualquer negociagdo em particular. 19 A relagdo tende a confundir-se_ com o problema. Uma conseqiiéncia fundamental do “problema das pessoas” na negociacdo é que o relacio- namento entre as partes tende a confundir-se com suas discussdes da substéncia, Tanto do lado que dé como do que recebe, tendemos a tra- tar as pessoas e o problema como se fossem uma s6 coisa. Na familia, uma afirmagdo do tipo “A cozinha est4 uma bagunga”, ou “Nossa con- ta bancdria esté com saldo baixo” pode ter apenas a intengdo de identi- ficar um problema, mas tende a ser ouvida como um ataque pessoal. A raiva diante de uma situagdo pode lev4lo a expressar raiva de algum ser humano a ela associado em sua mente. Os egos tendem a ser envolvidos nas posigdes substantivas, Outra razao pela qual as questGes substantivas confundem-se com as questées psicoldgicas ¢ que as pessoas extracm dos comentarios sobre a substancia inferéncias infundadas, 4s quais passam entdo a tratar como verdades sobre as intengGes e atitudes de outrem em relagdo a elas, Se nao formos cuidadosos, esse processo serd quase automatico: raramente nos apercebemos de que outras explicagdes seriam igualmente vilidas. Assim, no exemplo do lider sindical, Jones imaginou que Campbell, 0 contramestre, 0 estivesse perseguindo, enquanto Campbell achava estar elogiando Jones ¢ prestando-lhe um favor ao darlhe tarefas de responsa- bilidade. A barganha posicional pde o relacionamento e a substancia em con- flito. Estruturar uma negociagdo como uma disputa de vontades em tor- no de posigdes agrava o processo de emaranhamento. Encaro sua posi- Go como uma afirmagao de como vocé gostaria que a negociagdo ter- minasse; desde meu ponto de vista, isso demonstra qudo pouco voce se importa com nosso relacionamento. Se eu adotar uma posi¢do firme, que vocé considere pouco razodvel, vocé presumira que também a enca- To como uma posicao extremada; é facil concluir que ndo valorizo alta- mente nosso relacionamento — ou vocé. A barganha posicional lida com os interesses do negociador, tanto pela substancia como pelo bom relacionamento, colocando um contra 0 outro, Se o que importa para sua companhia a longo prazo ¢ 0 relacio- namento com 0 chefe do departamento de segusos do estado, vocé pro- vavelmente deixard o assunto de lado. Ou, se vocé se importar mais com uma solugdo favordvel do que com ser respeitado ou querido pelo outro lado, poderd tentar trocar o relacionamento pela substncia: “Se vocé nao concordar comigo nesse ponto, pior para vocé. Este serd nosso ulti- mo encontro”. E, no entanto, ceder num ponto substantivo talvez nao garanta nenhuma amizade; talvez no faca mais do que convencer 0 ou- 20 tro lado de que voeé pode ser manobrado, Separe a relacdo da substancia; lide diretamente com o pro- blema pessoal Lidar com um problema substantive e manter uma boa relagdo de traba- tho no precisam ser metas conflitantes, caso as partes estejam empe- nhadas e psicologicamente preparadas para tratar cada um desses objeti vos separadamente, segundo seus proprios méritos legitimos. Funda- mente a relagdo em percepgGes exatas, comunicagdo clara, emogdes apropriadas ¢ numa visio deliberada e voltada para o futuro, Lide direta- mente com os problemas das pessoas; ndo tente soluciond-los através de concess6es substantivas. Para lidar com problemas psicoldgicos, use técnicas psicoldgicas. Se as percepgées forem inexatas, procure meios de esclarecé-las. Se as emo- g6es se intensificarem, encontre meios para que cada pessoa envolvida possa desabafi-las, Se houver mal-entendidos, trabalhe no sentido de aprimorar a comunicagau. Para achar a trilha na selva dos problemas pessoais, ¢ util raciocinar em termos de trés categoria basicas: percepgdo. emogdo ¢ comunica go, Todos os diversos problemas das pessoas recaem numra dessas tres classes ‘Ao negociar, é fécil esquecer que vocé deve lidar ndo apenas com os problemas pessoais dos outros, mas também com os seus. Sua raiva @ frustragdo podem obstruir um acordo que Ihe seria benéfico. Suas per- cepgdes tendem a ser unilaterais, e ¢ possivel que vacé ndo escute ou nio se comunique satisfatoriamente. As técnicas que se seguem aplicam- se igualmente a seus problemas pessoais ¢ avs do outro lado. Percepgdio Compreender 0 pensamento da outra parte ndo é meramente uma ativi- dade Util que ird ajudé-lo a solucionar seu problema. O pensamento do outro lado & 0 problema. Quer yocé esteja fechando um negéciv ou re- solvende uma disputa, as diferengas sf definidas pela diferenga entre seu pensamento e o deles. Quando duas pessoas discutem, geralmente discutem a respeito de um objeto — ambas reclamam a posse de um re- légio — ow a respeito de um agente — ambas alegam que 0 outro foi cul- pado por causar um acidente de automovel. O mesmo se aplica as na- g6es, O Marrocos e a Argélia discutem por uma faixa do Saara Ociden- tal: a India e o Paquistdéo discutem por causa do desenvolvimento de bombas nucleares por um e pelo outro, Nessas circunstancias, as pessoas 21 tendem a supor que aquilo que precisam conhecer melhor é 0 objeto ou © acontecimento. Assim, estudam o relgio ou medem as marcas de der- rapagem na cena do acidente. Estudam o Saara Ocidentat ou a histéria detalhada do desenvolvimento de armas nucleares na India e no Paquis- tao. Em altima insténcia, porém, 0 conflito nao estd na realidade objeti- va, sim na mente das pessoas. A verdade € apenas um argumento a mais — talvez um bom argumento, talvez ndo — para lidar com a dife- renca. A propria diferenga existe por existir no pensamento das pessoas. Os medos, ainda que infundados, s80 medos reais e precisam ser aborda- dos. As esperangas, mesmo que nao realistas, podem provocar uma guer- 1a, Os fatos, mesmo que bem estabelecidos, podem nao contribuir em nada para solucionar um problema. Ambas as partes podem concordar em que uma perdeu o relégio e a outra o encontrou, e continuarem a discordar acerca de quem deve ficar com ele, Talvez se determine final- mente que 0 acidente de automével foi provocado pelo estouro de um pneu que j4 havia rodado 31,402 milhas, mas ainda assim as partes dis- cutirdo sobre quem deve pagar pelos prejuizos. A hist6ria e a geografia pormenorizadas do Saara Ocidental, por mais cuidadosamente estuda- das e documentadas que sejam, nao so a matéria através da qual se pe fim aquele tipo de disputa territorial. Nenhum estudo de quem desen- volveu quais dispositivos nucleares ¢ quando por termo ao conflito en- tre a India e o Paquistao. Por mais titil que seja buscar a realidade objetiva, 6 a realidade tal co- mo cada lado a vé que, em Ultima instdncia, constitui o problema de uma negociagdo ¢ abre caminho para uma solugdo. Ponha-se no lugar do outro. 0 modo como vocé vé 0 mundo depen- de do lugar onde vocé se encontra. As pessoas tendem a ver aquilo que querem ver. Dentre uma massa de informagGes pormenorizadas, tendem a selecionar e concentrarse nos fatos que confirmam suas percepgdes anteriores e a desconsiderar ou interpretar mal aqueles que questionam suas percepgGes. Cada lado de uma negociagio pode ver apenas os méri- tos de sua situagdo e apenas as falhas da do outro lado, A capacidade de ver a situagdo tal como o outro lado a vé, por mais dificil que seja, € uma das mais importantes habilidades que um nego- ciador pode possuir, Nao basta saber que eles véem as coisas de maneira diferente, Se vocé quiser influencié-los, precisara também compreender empaticamente o poder do ponto de vista deles ¢ sentir a forga emocio- nal com que acreditam nele. Nao basta estudé-los como se fossem be- sours sob a lente de um microscépio; vocé precisa saber como € ser um 22 besouro. Para realizar essa tarefa, deve estar prepatado para suspender o julgamento enquanto “experimenta” as visdes deles, E bem possivel que eles considerem suas proprias colocagdes “corretas” com a mesma in- tensidade com que vocé acredita nas suas. Talvez voce veja sobre a mesa um copo meio cheio de agua fresca. Seu cOnjuge talvez veja um copo sujo € meio vazio, prestes a manchar 0 acabamento do mogno. Considere as percepgdes contrastantes de um inquilino ¢ uma pro- prietdria que negociam a renovagdo de um contrato de aluguel: PERCEPCOES DO INQUILINO aluguel j4 6 alto demais. Com a elevagio dos pregos de ou- tras coisas, ndo posso pagar mais pela habitacao. O apartamento esté precisando de pintura. Sei de pessoas que pagam menos por um apartamento comparavel. Pessoas jovens como eu ndo po- dem arcar com o pagamento de aluguéis elevados. O aluguel deveria ser baixo, por- que a vizinhanga é bem ruim. Sou um inquilino desejével, que ngo tem edes nem gatos. Sempre pago © aluguel quando cla me pede. Ela é fria e distante; nunca me pergunta como vao as coisas. PERCEPGOES DA PROPRIETA- RIA © aluguel nfo é aumentado ha muito tempo. Com a elevagdo dos pregos de ou- tras coisas, preciso de uma renda maior dos aluguéis, Ele submeteu aquele apartamento aum desgaste terrivel. Sei de pessoas que pagam mais por um apartamento compardvel. Pessoas jovens como ele tendem a fazer barulho ¢ a maltratar muito o apartamento. NOs, locadores, deverfamos elevar os aluguéis para melhorar a quali- dade da vizinhanga. O toca-discos dele me enlouquece. Ele nunca paga o aluguel enquan- to eu nao pedir. Sou uma pessoa polida que nunca se intromete ma privacidade dos inquilinos. 23 Compreender 0 ponto de vista deles no equivale a concordar com ele. E verdade que uma melhor compreensdo do pensamento de outrem pode levar a uma revisio das proprias opinides sobre os méritos de uma situagdo, Mas esse ndo € 0 énus de compreender o ponto de vista de ou- trem, e sim o beneffeio. Ele lhe permite reduzir a area de conflito € também contribui para que vocé promova seus proprios interesses r: cém-esclarecidos, Nao deduza as intengdes do outro a partir de seus proprios medos. As pessoas tendem a pressupor que o que quer que temam € 0 que 0 ou- tro lado pretende fazer. Consideremos esta histéria extraida do New York Times de 25 de dezembro de 1980; “Eles se conheceram num bar, onde ele Ihe ofereceu uma carona para levé-la em casa. Conduziu-a por tuas desconhecidas. Disse que era para cortar caminho. Deixou-a em casa t4o depressa que ela péde assistir ao noticidrio das 22 h”. Por que seré que o final é to surpreendente? Porque fizemos uma suposi- fio baseada em nossos proprios medos. E extremamente facil ineorrer no hdbito de atribuir a pior das inter- pretagGes ao que 0 outro lado diz ou faz, Com freqiiéncia, uma inter- pretacdo desconfiada decorre naturalmente das percepges existentes no proprio sujeito. Ademais, isso parece ser a coisa mais “segura” a fa- zer & mostra aos espectadores quéo ruim o outro lado realmente é, Mas © preco de interpretar 0 que quer que eles digam ou facam sob a otica mais sombria é que as novas idéias no sentido de um acordo sao despre- zadas e as mudancas sutis de posigdo sfio ignoradas ou rejeitadas. Nao culpe o outro por seu problema. £ tentador responsabilizar o outro lado por seu problema, “Sua companhia € totalmene indigna de confianga. Todas as vezes que vocés fazem a manutengao de nosso gera. dor girat6rio aqui na fabrica, fazem um trabalho de péssima qualidade e ele toma a quebrar.” E facil incorrer no modelo da atribuigdo de culpa, especialmente quando se acha que o outro lado é realmente responsdvel. Contudo, ainda que a atribuicdo de culpa seja justificada, ela é geral- mente contraproducente. Colocado sob ataque, o outro lado torna-se defensivo e resiste ao que vocé tem a dizer. Ele deixa de ouvir, ou entfo procura retaliar com seu proprio ataque. Atribuir culpa enreda firme- mente as pessoas com o problema, Ao falar sobre o problema, separe os sintomas da pessoa com quem. estiver falando. “Nosso gerador girat6rio, cuja manutengdo voces costu- mam fazer, voltou a quebrar. Isso soma trés vezes no més passado. Na primeira vez, ficou enguigado por uma semana inteira, A fabrica precisa de um gerador que funcione. Quero sua opinio sobre como podemos 24 minimizar nosso risco de falhas no gerador. Seré que devemos mudar de empresa de manutengao, ou 0 que vocés sugerem?” Discuta as perepgées de cada um. Uma das formas de lidar com per- cepgies diferentes consiste em explicité-las ¢ discutiJas com 0 outro la- do, Desde que isso seja feito de maneira franca e honesta, sem que qual- quer dos lados responsabilize 0 outro pelo problema tal como cada um 0 v6, essa discusséo pode fornecer a compreensio de que ambos preci- sam para levar-se mutuamente a sério. Numa negociagdo, é comum tratar como “sem importancia” aqueles interesses do outro lado que so percebidos como nao criando nenhum obstéculo a um acordo. Ao contrério, comunicar em voz alta e de modo convincente as coisas que vocé se dispde a dizer € que eles gostariam de ouvir € um dos melhores investimentos que vocé pode fazer enquanto negociador. Consideremos a negociaggo sobre transferéncia de tecnologia que surgiu na Conferéncia sobre a Lei do Mar. Entre 1974 e 1981, cerca de 150 nagdes reuniram-se em Nova lorque e Genebrapara formular normas que regessem o uso dos oceanos, desde os direitos de pesca até a minera- gdo de manganés no fundo do mar. A certa altura, os representantes dos pafses em desenvolvimento expressaram um vivido interesse pelo inter- cambio de tecnologia; seus paises queriam poder adquirir das nagdes al- tamente industrializadas os conhecimentos e equipamentos técnicos avangados para a minerago no fundo do mar. Os Estados Unidos e outros paises desenvolvidos nao viram nenhuma dificuldade em satisfazer esse desejo — e, por conseguinte, encararam a questo da transferéncia de tecnologia como sem importancia. Dedican- do um tempo significativo 4 elaboracio das providéncias praticas para transferir tecnologia, eles poderiam ter tornado sua oferta muito mais digna de crédito e muito mais atraente para os paises em desenvolvi- mento, Ao descartarem a questo como um assunto de menor impor- tancia, a ser abordado mais tarde, os Estados industrializados abriram mo de uma oportunidade de fornecer aos paises em desenvolvimento, a um custo baixo, uma realizacdo importante e um incentivo real para se chegar a um acordo sobre outras questées. Busque oportunidades de agir de maneira contraditéria as percepgdes do outro, Talvez a melhor maneira de mudar as percepgdes de outrem consista em enviar-lhes uma mensagem diferente da que esperam, A visi- ta de Anwar Sadat, Presidente do Egito,a Jerusalém, em 1977, fornece um excelente exemplo de agdo desse tipo. Os israelenses encaravam 0 Egito e Sadat como seus inimigos, como o homem e o pais que haviam 25 desfechado um ataque de surpresa contra eles quatro anos antes. Para alterar essa percepsdo ¢ ajudar a convencer os istaelenses de que tam- bém ele desejava a paz, Sadat voou até a capital de seus inimigos — uma capital questionada, que nem mesmo os Estados Unidos, os melhores amigos de [srael, haviam reconhecido, Em vez de agit como um inimigo, Sadat agiu como um parceiro, Sem esse passo dramitico, € dificil ima- ginar a assinatura de um tratado de paz entre Egito ¢ Israel. Dé-Ihe um interesse no resultado, certificando-se de que ele participa do proceso. Se ndo for envolvido no proceso, € muito pouco provavel que 0 outro aprove o produto. E simples assim. Se vocé vai até o chefe do setor de seguros do estado preparado para a batalha, aps uma longa investigagdo, nao surpreende que ele se sinta ameagado e resista a suas conclusées. Se vocé deixar de perguntar a um empregado se ele quer uma atribuigdo de maior responsabilidade, nfo se surpreenda ao desco- brir que ele se ressente dela. Quando vocé quer que o outro lado aceite uma concluso desagradavel, € crucial que o envolva no processo de che- gar a essa conclusao, Isso é precisamente 0 que as pessoas tendem a nfo fazer. Quando se tem um problema com que ¢ dificil lidar, ha um impulso para deixar a parte mais 4rdua para o fim. “Vamo-nos certificar de que a coisa toda foi elaborada antes de procurarmos 0 Comissirio". © Comissdrio, po- rém, teria muito maior probabitidade de concordar com uma reviso das normas caso sentisse que havia participado da preparago dela, Des- se modo, a revisio se converteria em apenas mais um pequeno passo no longo processo de planejamento que produziu sua regulamentagao original, e ndo na tentativa de alguém de assassinar seu produto final, Na Africa do Sul, os moderados brancos estavam tentando, numa dada época, abolir as leis de passe discriminatérias. Como? Reunindo-se numa comisséo parlamentar inteiramente composta por brancos para discutir propostas, Entretanto, por mais meritérias que se revelassem tais propostas, elas seriam insuficientes, ndo necessariamente por causa de sua substancia, mas porque seriam 0 produto de um processo em que nenhum negro fora inclufde. Os negros ouviriam: “Nos, os brancos superiores, vamos descobrir um meio de solucionar seus problemas”. Se- tia a “opressfo do homem branco” mais uma vez, quando esse era 0 problema, para comego de conversa. Mesmo que os termos de um acordo paregam favordveis, o outro la- do pode rejeité-1os simplesmente por uma desconfianga nascida de sua exclusdo do processo de preparo. O acordo toma-se mais facil quando ambas as pastes sentem-se donas das idéias, Todo 0 proceso de nego- %6 ciagéo se fortalece 4 medida que cada lado imprime sua marca, passo 4 passo, numa solugdo que é desenvolvida. Cada critica feita aos termos € sua mudanga subseqiiente, cada concesso ¢ uma marca pessoal que,o negociador deixa na proposta. Desenvolve-se assim uma proposta com sugestdes suficientes de ambos os lados para que cada um deles a con- sidere sua. Para implicar 0 outro lado, faga com que ele se envolva desde 0 co- mego. Pega-lha orientagdo. Dar crédito as idéias generosamente, sempre que possivel, fornece a ele um interesse pessoal em defender essas idéias diante de terceiros. Talvez seja dificil resistir a tentag4o de reclamar os méritos para vocé mesmo, mas a abstengo é altamente recompensado- ta, A parte os méritos substantivos, 0 sentimento de patticipagao no processo talvez seja, isoladamente, o fator mais importante na determi- nagao da aceitagao de uma proposta por um negociador. Em certo senti- do, © processo é 0 produto, Salvar as aparéncias: Tone suas propostas compatfveis com os valo- res do outro, Na lingua inglesa, “salvar as aparéncias” tem uma conota- gio pejorativa. As pessoas dizem, “Estamos fazendo isso apenas para deixdos salvar as aparéncias”, comaimplica¢Zo de que uma pequena encenacdo foi criada para permitir que alguém concorde sem sentir-se mal. © tom implica ridicularizagao. Esse € um grave mal-entendido quanto ao papel e 4 importancia de salvar as aparéncias. Salvar as aparéncias reflete a necessidade que uma pessoa tem de conciliar a postura que assume numa negociagdo ou num acordo com seus princfpios e com suas afirmagdes e ages passadas. O procedimento judicial preocupa-se com a mesma questo, Quando um juiz escreve um parecer sobre uma decisdo da corte, est4 salvando as aparéncias, ndo apenas para si mesmo ¢ para o sistema judicidrio, co- mo também para as partes. Em vez de simplesmente dizer a uma das partes, “Vocé venceu”, ¢ a outra, “Vocé perdev”, ele explica de que modo sua decisdo € coerente com os principios, a lei e os precedentes. Ele ndo quer afigurar-se arbitrério, mas sim mostrar-se alguém que se porta de maneira adequada. O negociador nao é diferente disso. Muitas vezes, numa negociagdo, as pessoas continuam a resistir ndo porque a proposta sobre a mesa seja intrinsecamente inaceitdvel, mas simplesmente por quererem evitar o sentimento ou a aparéncia de se es- tarem curvando ao outro lado. Se a substancia puder ser redigida ou conceituada em termos diferentes, de tal modo que o resultado pareca justo, elas 0 aceitardo. Os termos negociados entre uma grande cidade fe sua comunidade hispanica que ocupava cargos municipais foram ina- 27 ceitaveis para o prefeito — até que o acordo foi retirado e 0 prefeito pdde anunciar os mesmos termos como sendo uma decisdo dele, no cumprimento de uma promessa feita durante sua campanha. Salvar as aparéncias envolve a conciliagdo de um acordo com os prin- efpios e a auto-imagem dos negociadores, Sua importdncia ndo deve ser subestimada, Emogao Numa negociacao, particularmente numa disputa acirrada, os sentimen- tos podem ser mais importantes do que as palavras. Talvez as partes estejam mais preparadas para uma batalha do que para elaborarem con- juntamente uma solugdo para um problema comum. Freqiientemente, as pessoas entram numa negociacdo conscientes de que os riscos so al- tos ¢ sentindo-se ameagadas, As emogoes de um lado geram emoges no outro. O medo pode gerar raiva, e a raiva, medo. As emogées podem levar rapidamente a negociagao a um impasse ou ao fim. Antes de mais nada, reconheca e compreenda as emogées, tanto do outro quanto suas, Olhe para vocé mesmo durante a negociacao. Est4 se sentindo nervoso? Seu estémago esta embrulhado? Vocé esté irritado com 0 outro lado? Escute-o e procure ter uma idéia das emogoes dele. E possivel que vocé ache util escrever o que esté sentindo — talvez esteja amedrontado, preocupado, enraivecido — e como gostaria de sentir-se: confiante ¢ relaxado. Faga 0 mesmo com relagdo a outra parte. Ao lidar com negociadores que representam organizagées, é facil tratélos como meros porta-vozes desprovidas de emogdes. E é impor- tante lembrar que também eles, como vocé, tém sentimentos pessoais, medos, esperangas € sonhos. Talvez suas carreiras estejam em jogo. Tal- vez haja quest0es com respeito as quais sejam particularmente sensiveis, e outras de que se sintam especialmente orgulhosos. E os problemas da emogdo no se restringem apenas aos negociadores, O eleitorado tam- bém tem emogées. Um eleitor pode ter uma visdo ainda mais simplista e antagonica da situagao. Pergunte a si proprio 0 que estd produzindo as emogdes. Por que vacé esté zangado? Por que eles estdo zangados? Estardo eles reagindo a in- justigas passadas e buscando vinganga? Estardo as emogoes sendo trans- feridas de um problema para 0 outro? Haverd problemas pessoais em ca- sa interferindo nos neg6cios? Na negociagdo do Oriente Médio, tanto os istaelenses quanto os palestinos sentem uma ameaga a sua existéncia en- quanto povos e desenvolveram emogies poderosas que agora permeiam até mesmo a mais conereta das questdes praticas, como a distribuigdo 28. da 4gua na Margem Ocidental, de modo que se torna quase impossivel debater ¢ solucionar, Uma vez que, num contexto mais amplo, ambos 0s povos sentem que sua propria sobrevivéncia esté em jogo, encaram todas as outras questdes em termos da sobrevivéncia. Explicite as emogdese reconhega-Ihes alegitimidade. Converse com as pessoas do outro lado sobre as emogées delas. Fale sobre as suas pré- prias. Nao custa dizer, “‘Sabem, as pessoas do nosso lado acham que fo- fos maltratados e estéo muito irritadas, Tememos que um acordo ndo .#ja mantido nem mesmo se chegarmos a fazé-lo. Racional ou ndo, essa € nossa preocupacdo. Pessoalmente, penso que talvez, estejamos errados a0 temer isso, mas esse é o sentimento de outras pessoas. Serd que as pessoas de seu lado sertem-se da mesma maneira?” Transformar seus sentimentos ou os deles nur. foco explicito de discussdo no apenas su- blinhard a gravidade do problema, como também tornard as negociagdes menos reativas e mais “‘proativas”. Liberadas do fardo das emogbes ndo exprimidas, as pessoas tem maior probabilidade de trabalhar no proble- ma. Deixe que 0 outro lado desabafe. Muitas vezes, um modo eficaz de li- dar com a raiva, a frustragdo € outras emogdes negativas das pessoas consiste em ajudé-las a liberarem esses sentimentos. As pessoas obtém uma descarga psicologica pelo simples process de relatar suas queixas. Se vocé chega em casa querendo contar a seu marido tudo 0 que houve de errado no escritério, ficard ainda mais frustrada se ele disser: “Nao se incomode em me contar; tenho certeza de que vocé teve um dia horrf- vel. Vamos deixar isso para la”, O mesmo se aplica aos negociadores. O desabafo pode tornar mais facil falar racionalmente mais tarde, Ade- mais, quando um negociador faz um discurso irado e assim mostra a seus eleitores que ndo esta sendo “mole”, talvez eles Ihe déem maior li- berdade na negociago, Ele poderd entfo confiar em sua reputagdo de dureza para protegéo de criticas posteriores, caso venha a entrar num acordo, Portanto, em vez de interromper os discursos polémicos ou as retira- das do outro lado, vocé pode optar por controlar-se, manter-se sentado e permitirthes que despejem suas queixas sobre vocé. Quando hd eleito- res ouvindo, tais ocasiées liberam a frustracdo deles, bem como a do ne- gociador. Talvez a melhor estratégia a adotar enquanto 0 outro lado de- sabafa seja escutar em siléncio, sem reagir aos ataques, e ocasionalmente pedir ao orador que prossiga, até que ele tenha falado tudo. Desse mo- do, vocé dé pouco apoio a substancia inflamada, oferece ao orador todo 0 incentivo para que se expresse livremente, e deixa pouco ou nenhum 29 res{duo que possa causar exasperagdo. Nao reaja as explos6es emocionais, A liberagao de emogdes pode re- velar-se arriscada se levar a uma reagdo emocional. Se nfo for controla- da, poderd resultar numa violenta discussdo, Uma técnica incomum e eficaz para conter o impacto das emogées foi usada na década de 50 pela Comisséo de Relages Humanas, um grupo de gerenciamento do trabalho institufdo na indistria siderirgica para lidar com conflitos emergentes antes que se convertessem em problemas graves. Os mem- bros da comissZo adotaram a norma de que somente uma pessoa pode- -ria zangar-se de cada vez. Isso legitimou 0 fato de os outros nao reagi- rem tempestuosamente as explosbes de ira. Também tornou mais fécil © desabafo emocional, tornando as préprias explosdes mais legitimas: “Tudo bem, Est na vez dele”. A norma tinha a vantagem adicional de ajudar as pessoas a controlarem suas emoges. Transgtedic a norma sig- nificava que o sujeito havia perdido o autocontrole, e portanto ele per- dia prestigio. Use gestos simbélicos. Qualquer namorado sabe que, para por fim a uma briga, o simples gesto de levar uma rosa vermelha é de grande aju- da. Os atos capazes de produzir um impacto emocional construtivo num dos lados freqiientemente envolvem pouco ou nenhum dnus para 0 ou- tro, Uma nota de solidariedade, uma expresso de pésames, a visita a um cemitério, a entrega de um presentinho para um neto, um aperto de mflos ou um abrago, uma refeigdo em comum, todos podem ser oportu- nidades inestimdveis de modificar para melhor uma situagao emocional hostil, por um custo baixo, Em muitas ocasides, um pedido de descul- pas pode atenuar eficazmente as emogdes, mesmo quando nio se reco- mhece a responsabilidade pessoal por uma agdo ou se admite qualquer intengdo de prejudicar. A desculpa ¢ um dos investimentos menos dis- pendiosos e mais recompensadores que se podem fazer. Comunicagao Sem comunicago nfo hd negociagao. A negociagdo € um proceso de comunicagfo bitateral com o objetivo de se chegar a uma decisfo con- junta. A comunicagdo nunca é facil, mesmo entre pessoas que tém um imenso histrico de valores e experiéncias compartilhadas. Casais que vivem juntos ha trinta anos ainda experimentam mal-entendidos a cada dia, Nao surpreende, pois, que encontremos uma comunicagao precdria entre pessoas que nao se conhecem bem e que talvez se sintam hostis e desconfiadas uma da outra. Nao importa o que diga, vocé deve esperar que 0 outro lado ouga quase sempre algo diferente. 30 Hi trés grandes problemas na comunicagdo. Primeiro, os negociado- res podem nfo falar um com o outro, ou, pelo menos, no de maneira a serem entendidos. Frequentemente, cada um dos lados j4 desistiu do outro e nfo mais tenta qualquer comunicagdo séria com ele. Em vez disso, 0s dois falam meramente para impressionar terceiros ou seu pr6- prio eleitorado, Em vez de tentarem dangar com 0 parceiro de negocia- ¢o em diregéo a um resultado motuamente agradavel, tentam fazé-lo dar um passo em falso. Em vez de tentarem convencer o parceiro a dar um passo mais construtivo, tentam induzir os espectadores a tomarem partidos, A comunicagdo entre as partes € praticamente impossivel quando cada um deles age para agradar a uma platéia. Mesmo quando se fala direta e claramente com 0 outro, talvez ele no escute. Esse constitui o segundo problema da comunicagao. Obser- ve com que freqiiéncia as pessoas parecem no prestar aten¢Ao suficien- te ao que vocé diz. Provavelmente, com igual freqiléncia, vocé seria in- capaz de repetir o que elas disseram, Numa negociacdo, vocé pode estar to empenhado em pensar no que vai dizer a seguir, em como iré res- ponder aquela ultima colocagao ou em como ird estruturar seu proximo argumento, que se esquece de escutar 0 que 0 outro lado esté dizendo agora. Ou entdo, talvez vocé esteja escutando com mais atengdo os seus eleitores do que 0 outro lado. Afinal, os eleitores so as pessoas a qnem terd de prestar contas dos resultados da negociagao. E a eles que vocé estd tentando satisfazer. Nao surpreende que queira prestar-lhes estrita atengdo. Mas, se vocé ndo ouvir o que o outro lado esté dizendo, ndo haveré nenhumna comunicagao. O terceiro problema da comunicagdo sdo os mal-entendidos. O que um diz pode ser mal interpretado pelo outro. Mesmo quando os nego- ciadores acham-se na mesma sala, a comunicacdo de um para outro pode assemelhar-se ao envio de sinais de fumaga numa forte ventania. Quando as partes falam Iinguas diferentes, a probabilidade de erros de interpretagdo se mrultiplica. Em persa, por exemplo, a palavra “compro- misso” aparentemente carece do significado positivo que tem em inglés, como “solugao intermedidria com a qual ambos os lados podem convi ver”, tendo apenas um significado negativo, como em “a virtude dela fi- cou comprometida”, ou “nossa integridade foi comprometida”. De mo- do similar, a palavra “‘mediador”, em persa, sugere “‘intrometido” — al- guém que interfere sem ser convidado, No inicio de 1980, o Sectetério Geral das NagSes Unidas, Kurt Waldheim, voou para o Isa para lidar com a questZo dos reféns. Seus esforgos foram gravemente afetados quando a rédio e 2 televisdo nacionais do Ira anunciaram em persa um 31 comentario que ele teria feito em sua chegada a Teera: “Vim como me- diador para elaborar uma soluca0 de compromisso”. Uma hora depois da transmisséo da noticia, o carro de Waldheim estava sendo apedreja. do por iranianos enfurecidos. O que se pode fazer acerca desses trés problemas da comunicagao? Escute ativamente € registre o que esta sendo dito. A necessidade de escutar ¢ ébvia, mas, apesar disso, é dificil escutar bem, especialmente sob a tensfo de uma negociacado em curso. Escutar permite que vocé compreenda as percepgdes do outro, sinta suas emoges € ouga o que ele estd tentando dizer. Uma escuta ativa aprimora ndo sé 0 que vocé ouve, mas também o que ele diz. Se vocé prestar atengao ¢ interromper ocasionalmente para dizer, “Seré que entendi corretamente que vocd esté dizendo que. . 2”, 0 outro lado se aperceberd de que no esté apenas matando tempo, nem somente desincumbindo-se de uma rotina, Experimentaré também a satisfagdo de ser ouvido e entendido. Ja se disse que a concess4o mais barata que se pode fazer ao outro lado é dar- The a conhecer que foi ouvido. As técnicas padronizadas da boa escuta consisiem em prestar estreita atengdo ao que é dito, pedir A outra parte que explicite com cuidado e clareza exatamente 0 que pretende dizer, e pedir que as idéias sejam re- petidas quando houver qualquer ambigiiidade ou incerteza. Ao escutar, faga com que sua tarefa seja ndo a de formular mentalmente uma res- posta, mas sim a de compreender 0 outro tal como ele se vé. Leve em conta as percepgdes, necessidades e limitagdes dele. Muitos consideram boa tatica ndo dar demasiada atengo as coloca- ges do outro lado e nao admitir nenhuma legitimidade em seus pontos de vista. Um bom negociador faz precisamente 0 inverso. A menos que vocé reconhega o que ele estd dizendo e demonsire compreendé-lo, ele poderd acreditar que vocé nfo o ouviu, Assim, quando vocé tentar ex- plicar um ponto de vista diferente, ele supord que vocé ainda nao cap- tou o sentido dele, E dir4 para si mesmo: “Expus a ele meu ponto de vista, mas agora ele estd dizendo uma coisa diferente, logo, nao deve ter entendido”. Ent, em vez de escutar seu ponto de vista, ele estara pensando em como apresentar seu argumento de uma nova maneira, pa- Ta que, desta vez, talvez vocé o compreenda. Portanto, mostre que o en- tende. “Vamos ver se entendi o que vocé me est dizendo. Segundo seu ponto de vista, a situagdo ¢ a seguinte:, . .”” Ao repetir 0 que entendeu do que lhe disse 0 outro lado, formule positivamente as colocagdes do ponto de vista dele, deixando clara a forga da argumentacao do outro. Talvez vocé possa dizer, “Vocé tem 32 um forte argumento. Deixe-me ver se posso explicélo. Eis como eu 0 percebo:. . .” Compreender ndo significa concordar. Pode-se, a0 mesmo tempo, compreender perfeitamente e discordar completamente do que © outro lado est dizendo. Entretanto, a menos que possa convencé-lo de que vocé realmente apreende 0 modo como ele vé a situagao, talvez vocé ndo consiga explicarJhe seu proprio ponto de vista. Depois de haver reproduzido a argumentagdo do outro para ele, retorne aos pro- blemas que encontra na proposta dele. Se vocé conseguir formular os ar- gumentos da outra parte melhor do que ela e depois refuté-los, estard maximizando a probabilidade de iniciar um didlogo construtivo sobre os méritos e minimizando a probabilidade de eta acreditar que voo8 a en- tendeu mal. Fale para ser entendido. Fale com o outro lado, Por vezes, é facil es- quecer que a negociacdo nao é um debate. Tampouco € um julgamento. Vocé nao esti tentando convencer terceitos, A pessoa a quem esta ten- tando persuadir esid sentada A mesa com vacé. Se ¢ cabivel comparar uma negociagZo com um procedimento legal, a situaco se assemelha 4 de dois jufzes que tentam cheger a um acordo sobre como decidir um caso, Tente colocar-se nesse papel, tratando seu interlocutor como um colega juiz com quem vocé estd procurando elaborar um parecer conjunto. Nesse contexto, ¢ claramente pouco persuasive responsabili- zat a outra parte pelo problema, trocar desaforos ou elevar a voz. Ao contrario, sera benéfico reconhecer explicitamente que ela vé a situagao de maneira diferente e tentar seguir adiante como pessoas que tém um problema em comum. Para reduzir 0 efeito dominador e dispersivo que tém 2 imprensa, as platéias domésticas ¢ os terceiros, convém estabelecer meios privados e confidenciais de comunicagdo entre os dois lados. Também € possivel aprimorar a comunicagdo limitando 0 tamanho do grupo que se reine. Nas negociagées sobre a cidade de Trieste em 1954, por exemplo, pou- cos progressos foram feitos nas conversagdes entre a lugoslavia, a Gri-Bretanha e os Estados Unidos, até que os trés principais negociado- res abandonaram suas grandes delegagoes e comecaram a reunir-se a s6s ¢ informalmente numa residéncia particular. H4 um bom argumento pa- ra se modificar o atraente lema de Woodrow Wilson, de ““Acordos aber- tos e abertamente obtidos” para “‘Acordos abertos particularmente ob- tidos”: ndo importa quantas pessoas estejam envolvidas numa negocia- go, as decisées importantes so tipicamente tomadas quando nfo mais do que duas pessoas se acham na sala. Fale sobre vocé mesmo, ¢ ndo sobre 0 outro. Em muitas negociagSes, cada uma das partes explica e condena longamente as motivagoes e in- tengdes da outra. E mais convincente, porém, descrever um problema em termos de seu impacto sobre vocé do que em termos do que 0 outro fez ou por qué: “Sinto-me desapontado”, em vez de ‘Voo8 quebrou sua palavra”. “Sentimo-nos discriminados”, em lugar de “Vocé é racista”. Se vocé fizer uma afirmagdo sobre os outros que eles acteditem ndo ser verdadeira, eles irdo ignor4to ou aborrecer-se; ndo irdo concentrar-se em sua preocupagdo. Mas uma afirmagdo sobre como vocé se sente ¢ diffcil de questionar. E vocé transmite a mesma informagdo sem provocar uma reagdo defensiva que os impega de acolhéJa. Fale com um objetivo. Por vezes, 0 problema nao é a falta de comu- nicagdo, mas a comunicagao excessiva, Quando a raiva e as percepgdes erréneas so intensas, hd alguns pensamentos que ¢ melhor ndo verbali- zar. Em outras ocasides, a revelacdo total de sua flexibilidade pode tor- nar mais diffcil a obtengao de um acordo, ¢ nfo mais facil. Se vocé me informar que esta disposto a vender uma casa por 40,000 délares, de- pois de eu ter dito que estaria disposto a pagar até 45.000, possivel que tenhamos mais dificuldade em fechar 0 negécio do que se vocé tivesse simplesmente ficado calado. A moral é: antes de fazer uma decla- raedo significativa, saiba o que vocé deseja comunicar ov descobrir € sai- ba para que fim aquela informagao se prestar4. A prevengao 6 o que funciona melhor ‘As técnicas que acabamos de descrever para lidar com problemas de per- cepgdo, emocio e comunicagao geralmente funcionam bem. Contudo, © melhor momento de lidar com os problemas das pessoas ¢ antes de eles se tornarem problemas pessoais. Isso equivale a estabelecer uma relagdo pessoal e organizacional com o outro lado que permita proteger as pessoas de ambos os lados contra os golpes da negociagdo. Equivale também aestruturar 0 jogo da negociago de maneira a separar 0 proble- ma substantivo do relacionamento ¢ a proteger os egos das pessoas do envolvimento com as discussdes substantivas. Estabeleca uma relagdo de trabalho. Conhecer pessoalmente 0 outre lado € algo que realmente ajuda. E muito mais facil atribuir intengoes diab6licas a uma abstragdo desconhecida, chamada “o outro lado”, do que a alguém a quem vocé conhega pessoalmente. Lidar com um colega de classe, um companheiro de profissdo, um amigo ou mesmo um amigo de um amigo é bem diferente de lidar com um estranho. Quanto mais depressa vocé puder transformar um estranho em alguém a quem conhe- ca, mais facil tenderd a tornar-se a negociagdo. Vocé teré menos dificul- 34 dade em compreender de onde parte 0 outro. Teré uma base de con- fianga em que apoiar-se numa negociagao dificil. Terd rotinas serenas e familiares de comunicagdo. £ mais fécil desfazer a tensio através de uma piada ou de um aparte informal. A época de desenvolver tal relacionamento ¢ antes de iniciar-se a ne- Bociaco. Trate de conhecer as pessoas do outro lado e descobrir suas preferéncias ¢ antipatias. Descubra meios de encontrd-las informalmen- te, Tente chegar cedo para conversar antes do hordrio marcado para o comego da negociag&o ¢ fique mais um pouco depois que ela terminar. ‘A técnica favorita de Benjamin Franklin consistia em perguntar a seus adversdrios se poderiam emprestar-lhe determinado livro. Isso envaide- ce as pessoas e Ihes dava a sensagio confortavel de saberem que Franklin thes devia um favor. Enfrente o problema, nfo as pessoas. Quando os negociadores se en- caram como adversérios num confronto pessoal cara a cara, é diffeil se- parar seu relacionamento do problema substantivo. Nesse contexto, o que quer que um negociador diga sobre o problema parecerd pessoal- mente dirigido ao outro e assim serd recebido. Cada um dos lados ten- derd a tornar-se defensivo e reativo e a ignorar por completo os interes- ses legitimos da outra parte. Um modo mais cficaz de as partes pensarcm em si mesmas é como parceiros numa busca obstinada, lado a lado, de um acordo justo e van- tajoso para ambos. Como dois marinheiros néufragos num bote salva-vidas em alto mar, brigando por causa da comida e dos suprimentos limitados, os negocia- dores podem comegar por ver um a0 outro como adversérios. Cada qual vé no outro um obstéculo, Para sobreviver, porém, aqueles dois mari- nheiros terdo de discriminar os problemas objetivos das pessoas. Tero que identificar as necessidades de cada um, seja de sombra, medicamen- tos, 4gua ou comida. Terdo que ir mais além e tratar 0 conjunto daque- Jas necessidades como um problema comum, ao lado de outros proble- mas comuns como ficar de vigilia, apanhar 4gua da chuva ¢ levar o bote salva-vidas para uma praia. Encarando-se como pessoas empenhadas em esforgos colaterais para solucionar um problema muituo, os marinheiros tornar-se-do mais aptos a conciliar seus interesses conflitantes, assim co- ‘mo a promover seus interesses comuns. © mesmo ocorte com dois nego- ciadores, Por mais dificeis que possam ser as relacBes pessoais entre nds, yoos e eu nos tornaremos mais aptos a chegar a uma conciliagao amigs- vel de nossos varios interesses quando aceitarmos essa tarefa como um. problema comum e a enfrentarmos juntos, 35 Para ajudar 0 outro lado a modificar sua orientac&o cara a cara para uma orientagdo lado a lado, vocé pode levantar explicitamente essa questo, “Escute, ambos somos advogados [ diplomatas, homens de ne- g6cios, membros da famflia, etc.]. A menos que tentemos satisfazer seus interesses, € muito improvavel que cheguemos a um acordo que sa- tisfaca os meus, e vice-versa. Vamos considerar juntos 0 problema de co- mo satisfazer nossos interesses coletivos”, Como alternativa, vocé pode comegar a tratar a negociagdo como um processo colateral e, através de suas agGes, tornar desejavel para os outros juntarem-se a ele. E util sentar-se literalmente do mesmo lado de uma mesa e colacar diante dos olhos 0 contrato, o mapa, 0 bloco de papel em branco ou 0 que quer que retrate o problema. Se vocés tiverem estabelecido uma base de confianga mitua, tanto melhor. Contudo, por mais precdrio que seja seu relacionamento, tentem estruturar a negociagZo como uma atividade lado a lado, na qual vocés dois — com seus interesses ¢ percep- gdes diferentes e com seu envoivimento emocional — enfrentardo juntos uma tarefa comum, Separar as pessoas do problema ndo ¢ algo que se possa fazer uma s6 vez ¢ depois esquecer; é preciso continuar a trabalhar nesse sentido. A abordagem bdsica consiste em lidar com as pessoas como seres humanos e com o problema segundo seus méritos. Como realizar esta tiltima tare- fa € assunto dos trés capftulos que se seguem. 36 Concentre-se nos Interesses, Nao nas Posicoes Consideremos a hist6ria de dois homens que discutem numa biblioteca. Um deles quer a janela aberta c 0 outro a quer fechada. E fica ambos a espicagar-se acerca de quanto abri-la: uma fresta, metade ou trs-quar- tos. Nenhuma solugdo satisfaz aos dois. Entra a bibliotecéria. ela pergunta a um dos homens por que ele quer que a janela fique aberta: “Para que entre algum ar fresco”. Ela pergun- ta ao outro por que a quer fechada: “Para evitar a corrente de ar”. De- pois de pensar por um minuto, a moca abre inteiramente a janela de um aposento ao lado, deixando entrar ar fresco sem correnteza. Para chegar a uma solugao sensata, concilie interesses, e nao posigdes A historieta acima é tipica de muitas negociagdes, Uma vez que o pro- blema das partes parece ser um conflito de posigdes e ja que a meta de ambas é concordar quanto a uma posi¢do, elas tendem naturalmente a pensar e falar sobre posigdes — e, nesse processo, chegam freqeritemen- te a um impasse. A bibliotecdria talvez ndo tivesse podido inventar a solugao que criou se se houvesse concentrado apenas nas posigées manifestadas dos dois homens, no sentido de quererem a janela aberta ou fechada. Em vez dis- 50, ela examinou seus interesses subjacentes de ar puro e nenhuma cor- renteza, Essa diferenca entre as posi¢des ¢ os interesses é crucial. Os interesses definem o problema. O problema basico de uma negoci- agdo ndo estd nas posigdes conflitantes, mas sim no conflito entre as ne- cessidades, desejos, interesses ¢ temores de cada lado. As partes podem Gizer: — Estou tentando fazéo parar com essa construgdo imobilidria ai ao 37 lado. Ou entdo: — N6s discordamos. Ele quer 50.000 délares pela casa. Nao pago um centavo além de 47.500. Contudo, num nivel mais fundamental, o problema é: — Ele precisa do dinheiro; eu quero paz ¢ sossego. Ou entdo: — Ele precisa de pelo menos 50,000 délares para chegar a um acordo com a ex-mulher. Eu disse a minha familia que nfo pagaria mais do que 47.500 délares por uma casa. Tais desejos e preocupagdes constituem interesses. Os interesses mo- tivam as pessoas; s0 eles os motores silenciosos por trés da algazarra das posigdes. Sua posigao é algo que voce decidiu. Seus interesses so -aquilo que fez com que vocé se decidisse dessa forma. O tratado de paz eg{pcio-israetense esbogado em Camp David em 1978 demonstra a utilidade de examinar o que est4 atrds das posigdes. Israel havia ocupado a peninsula egipcia do Sinai desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Quando Egito e Israel sentaram-se juntos em 1978 para negociar a paz, suas posig6es cram incompativeis. Israel insistia em conservar parte do Sinai. O Egito, por outro lado, insistia em que ca- da potegada do Sinai fosse devolvida a soberania egipcia. Vezes sem conta, as pessoas tragavam mapas mostrando possiveis fronteiras que di- vidissem o Sinai entre o Egito e Istael. Chegar a uma soluggo de com- promisso dessa forma era totalmente inaceitdvel para o Egito. Retornar 4 situacdo existente em 1967 era igualmente inaceitavel para Israel. O exame de seus interesses, e no de suas posigdes, tornou possivel elaborar uma solugao. O interesse de Israel residia na seguranga: os isra- elenses nfo queriam tanques egipcios parados em sua fronteira, prontos para atravesséJa a qualquer momento. interesse do Egito era a sobera- nia: 0 Sinai fora parte do Egito desde o tempo dos faraés, Apés séculos de dominagao pelos gregos, romanos, turcos, franceses e ingleses, o Egi- to havia apenas recentemente reconquistado sua soberania total, e ndo estava disposto a ceder tertitério a outro conquistador estrangeiro. Em Camp David, o Presidente Sadat, do Egito, e o Primeiro-Ministro Begin, de Israel, concordaram num plano que restituiria o Sinai 4 com- pleta soberania egipcia ¢ que, desmilitarizando amplas dreas, garantiria a seguranga de Israel. A bandeira egipcia tremularia em toda parte, mas ndo haveria nenhum tanque egipcio perto de Israel. A conciliago dos interesses, em vez das posigées, funciona por dois motivos. Primeiro porque, para cada interesse, geralmente existem diversas posigdes possiveis e capazes de satisfazélo. Com demasiada fre- qliéncia, as pessoas simplesmente adotam a posi¢Z0 mais Obvia, como 38 fez Israel, por exemplo, ao anunciar que pretendia conservar parte do Sinai. Quando se examinam realmente os interesses motivacionais por trds das posigdes opostas, freqiientemente se descobre uma posigao al- ternativa que atende no apenas aos interesses de uma das partes como também da outra. No Sinai, a desmilitarizac4o foi uma alternativa desse tipo. A conciliagdo de interesses, em vez do compromisso entre posigdes, funciona também porque, por trés das posices opostas, hé muito mais interesse em comum do que conflitantes. Por trés das posigdes opostas hé interesses comuns ¢ compativeis, as- sim como interesses conflitantes. Tendemos a presumir que, pelo fato de as posi¢des do outro lado oporem-se as nossas, seus interesses devem. também ser contrérios. Se temos interesse em defender-nos, eles devem querer atacar-nos. Se temos interesse em minimizar o aluguel, o interes- se deles deve ser maximizélo. Em muitas negociagSes, contudo, um exame criterioso dos interesses subjacentes revela a existéncia de um nGmero muito maior de interesses comuns ou compativeis do que de in- teresses opostos. Por exemplo, vejamos os interesses que um locatério compartilha com um locador em potencial: 1. Ambos querem estabilidade. O locador quer um inquilino estavel: 0 inquilino quer um enderego permanente. 2. Ambos gostariam que o apartamento fosse bem conservado. O in- quilino pretende morar 14; 0 proprietdério quer aumentar o valor do apartamento, bem como a reputagao do prédio. 3. Ambos esto interessados num bom relacionamento mituo. O lo- cador quer um locatério que pague o aluguel regularmente; 0 loca- tério quer um locador receptivo, que execute os consertos neces- sdrios, E possivel que eles tenham interesses ndo conflitantes, mas simples- mente diferentes, Por exemplo: 1. 0 inquilino pode nao querer lidar com tinta fresca por ser alérgico a ela. O proprietario talvez nao queira arcar com o custo de pintar novamente todos os outros apartamentos, 2. O proprietério gostaria da seguranga de um pagamento antecipa- do pelo primeiro més de aluguel, e talvez queira recebé-lo amanhi. O inquilino, sabendo que se trata de um bom apartamen- to, talvez ndo se importe com a questdo de pagar amanhd ou mais tarde, Quando comparados com esses interesses comuns e divergentes, os 39 interesses opostos de minimizar o aluguel ¢ maximizar o retorno afigu- ram-se mais contorndveis. Os interesses comuns provavelmente resulta- rao num contrato longo, num acordo de compartilhar as despesas com melhorias do apartamento e no empenho de ambas as partes de atende- rem uma 4 outra em pro! de um bom relacionamento. Os interesses di- vergentes talvez possam ser conciliados através de um pagamento anteci- pado amanha e da concordincia do proprietério em pintar o aparta- mento, desde que o inquilino compre as tintas. O valor exato do aluguel € tudo o que resta definir, e € bem possfvel que o mercado de aparta- mentos para locagdo possa definito bastante bem. Muitas vezes, o acordo se torna possfvel precisamente porque os in- teresses diferem, E bem possivel que vocé e um vendedor de calgados gostem de dinheiro e de sapatos. Em termos relativos, o interesse dele pelos trinta d6lares ultrapassa o interesse nos sapatos, Para vocé, a situa- 940 € 0 inverso: vocé gosta mais dos sapatos do que dos trinta détares. Daf o negécio. Tanto os interesses comuns como os que so diferentes, mas complementares, servem como base para um acordo sensato. iteresses? A vantagem de buscar os interesses por trds das posigdes é clara. Como proceder nesse sentido € menos claro. As posigGes tendem a ser concre- tas e explicitas; os interesses subjacentes a elas bem podem ser ndo-ex- pressos, intangiveis ¢ talvez incoerentes. Como é que se deve proceder para compreender os interesses envolvidos numa negocia¢4o, lembran- do-se de que descobrir os interesses do outro & pelo menos t4o impor- tante quanto descobrir os seus? Pergunte “por qué”. Uma técnica bésica consiste em colocar-se no lugar do outro. Examine cada posicao que ele assumir e pergunte a si mesmo: — Por qué? Por que, por exemplo, seu locador prefere estipular © aluguel — num contrato de cinco anos — ano a ano? A resposta com que vocé poderé deparar — para proteger-se dos aumentos crescentes — 6, provavelmente, um dos interesses dele. Vocé também pode perguntar a0 proprio locador por que ele assume uma dada posi¢o. Caso venha a fazé-lo, certifique-se de esclarecer que ndo est pedindo uma justificati va para a posi¢ao dele, mas sim tentando compreender as necessidades, esperangas, medos ou desejos a que ela atende. — Qual é sua preocupa- Go fundamental, Sr. Jones, ao querer que © contrato nfo ultrapasse trés anos? Pergunte “Por que ndo?”. Pense na escolha do outro. Uma das ma- neiras mais Uteis de desvendar os interesses consiste, primeiramente, em 40 idcntificar a decisdo basica que as pessoas do outro lado provavelmente acham que vocé est4 pedindo, e entdo perguntar a si préprio por que elas ndo iomaram tal deciso, Quais dos interesses delas funcionam como obstdculos? Se vocé estd tentando fazer com que mudem de idéia, o ponto de partida ¢ descobrir quais so as idéias delas agora. Consideremos, por exemplo, as negociagdes entre os Estados Unidos € 0 Iti em 1980 acerca da libertagdo dos 52 diplomatas ¢ funcionarios da embaixada norte-americana mantidos como reféns em Teerd por es- tudantes ativistas. Embora houvesse uma multiplicidade de obstaculos graves a resolugdo dessa disputa, o problema fica esclarecido simples- mente ao examinarmos as opgdes de um t{pico Ifder estudantil. A exi- géncia dos Estados Unidos era clara; ““Libertem os reféns”. Durante boa Parte de 1980, a op¢do de cada Ifder estudantil deve ter-se assemethado mais ou menos 4 ilustrag4o dada pela folha de balango abaixo: Data: Primavera de 1980 ‘OpeSo correntemente percebida por: Um lider estudantil iraniano Pergunta enfrentada: “Devo pressionar no sentido da libertag#o ime- diata dos reféns norte-americanos?” SE EU DISSER SIM SE EU DISSER NAO — Estarei traindo a Revolugio. + Estarei apoiando a Revolugao. — Serei criticado como americané- + Serei elogiado por defender 0 filo. Islamismo. — Qs outros provavelmente néo + Provavelmente ficaremos to- concordardo comigo; se concor- dos unidos. darem e se libertarmos os reféns, entdo: + Conseguiremos uma cobertura fantdstica pela televisao para contar ao mundo nossos sofri- mentos. — Ora parecerd fraco. + O [rd parecer forte. — Estaremos recuando diante dos + Esiaremos enfrentando os Es- Estados Unidos. tados Unidos. SE EU DISSER SIM — Nao conseguiremos nada (nem © X4, nem dinheizo). — Néo sabemos o que fardo os Es- tados Unidos. MAS: + Hé uma possibilidade de que as sangdes econémicas cheguem ao fim. + Nossas relagdes com outras na- ges, especialmente na Europa, poderfo melhorar. SE EU DISSER NAO + Teremos uma possibilidade de conseguir alguma coisa (pelo menos, nosso dinheiro de vol- ta). + Qs reféns nos dardo alguma protegso contra a intervencao dos EUA, MAS — As sangdes econdmicas sem divida continuarfo, — Nossas relagdes com outras na- Odes, especialmente na Euro- a, sero prejudicadas. — A inflagZo ¢ os problemas eco- némicos continuaréo. — Hé um risen de que os RUA optem pela agdo militar (mas a morte de um mirtir é de to- das a mais gloriosa). ENTRETANTO, + Os EUA talvez assumam ou- tros compromissos acerca de nosso dinheiro, da nfo.inter- vengfo, do fim das sang6es, etc. + Sempre teremos a possibilida- de de libertar os reféns mais tarde. Se a opgao tipica de um lider estudantil era ao menos aproximadamen- te semelhante a escolha acima, é compreensivel que os estudantes ativis- tas tenham conservado os reféns por tanto tempo: por mais ultrajante e ilegal que tenha sido a captura original, uma vez capturados os reféns, 42 nao era irracional que os estudantes continuassem a reté-los dia ap6s dia, a espera de uma ocasiao mais promissora para liberté-los, Ao imaginar a opedo atualmente percebida pelo outro lado, a primei- ra pergunta a ser formulada é: “De quem é a decisdo que desejo afetar?” A segunda pergunta é sobre a deciso que as pessoas do outro lado acham agora que vocé hes est4 pedindo que tomem. Se vocé nao tiver idéia do que elas acham que esto sendo solicitadas a fazer, talvez elas também ndo tenham. Isso, por si s6, explicaria porque n4o estéo deci- dindo da maneira como vocé gostaria que fizessem. Agora, analise as conseqiiéncias, tal como 0 outro lado provavelmen- te as veria, de eles concordarem ou se recusarem a tomar a decisdio que vocé estd solicitando. Nessa tarefa, talvez Ihe seja util uma lista de veri- ficagdo das conseqiiéncias como a que se segue: Impacto sobre meus interesses © Perderei ou ganharei apoio politico? © Ito meus colegas criticar-me ou elogiar-me? Impacto sobre os interesses do grupo © Quais serdo as conseqiiéncias a curto prazo? E a longo prazo? © Quais serfo as conseqiiéncias econdmicas (politicas, legais, psico- logicas, militares, etc.)? © Qual ser4 0 efeito nos que nos apéiam de fora e na opinido publi- ca? © 0 precedente seré bom ou ruim? © Ser4 que a agdo é coerente com nossos principios? Sera que € “cer- ta”? ® Posso tomar essa medida mais tarde, se quiser? Em todo esse proceso, seria erréneo buscar uma grande preciso. S6 raramente lidamos com pessoas incumbidas de decidir que escrevam e ponderem sobre os prés e coniras, Vocé estard tentando compreender uma escolha muito humana, e ndo fazendo um cdlculo matematico. Aperceba-se de que cada lado tem interesses miltiplos. Em quase to- das as negociagSes, cada uma das partes tem muitos interesses, e ndo apenas um. Enquanto inquilino que negocia um contrato de aluguel, por exemplo, € possivel que vocé queira obter um acordo favoravel quanto ao aluguel, conseguio rapidamente e com pouco esforgo, e manter uma boa relagao de trabalho com seu locador. Vocé terd niio apenas um grande interesse em influir sobre qualquer acordo a que che- garem, mas também um grande interesse em efetuar um acordo. Estaré 43 buscando, simultaneamente, os interesses independentes e comuns das duas partes. Um erro comum no diagnéstico de uma situagdo de negociago con- siste em supor que cada uma das pessoas do outro lado tem os mesmos interesses. [sso quase nunca acontece. Durante a guerra do Vietnd, 0 Presidente Johnson tinha ohabito de juntar todos os diferentes mem- bros do governo do Vietnd do Norte, mais 0s vietcongs, no sul, e seus conselheiros soviéticos e chineses, chamando-os coletivamente de “ele”. “O inimigo tem que aprender que ndo pode irritar os Estados Unidos impunemente, Hle tera que aprender que a agressdo nfo compensa”, Se- 14 diffcil influenciar qualquer “‘ele” (ou mesmo “eles”) desse tipo para concordar com 0 que quer que seja, se vocé ndo reconhecer os diferen- tes interesses das varias pessoas ¢ facgdes envolvidas. Pensar na negociagdo como um assunto de duas pessoas ¢ dois lados pode ser esclarecedor, mas nao deve cegar-nos para a presenga corriquei- ta de outras pessoas, outros lados e outras influéncias. Numa negociagao salarial no baseball, um dado gerente geral insistia em que 200.000 déla- res eram simplesmente demais para determinado jogador, muito embora outros times estivessem pagando pelo menos essa soma a jogadores de talento similar. Na realidade, o gerente considerava sua posigdo injustifi- cével, mas tinha instrugGes estritas dos donos do clube no sentido de manter-se firme, sem explicar por que, visto que eles estavam com difi- culdades financeiras das quais ndo queriam que © public tomasse co- nhecimento. Quer se trate de seu patrdo, seu cliente, seus empregados, seus cole- gas, sua familia ou sua mulher, todo negociador tem um “‘eleitorado” a cujos interesses & sensivel, Compreender os interesses desse negaciador significa compreender a variedade de interesses um tanto diferentes que ele precisa evar em conta. Os interesses mais poderosos sio as necessidades humanas bsicas. ‘Ao buscar os interesses bésicos portrésde uma posigdo declarada, pro- cure particularmente os interesses fundamentais que motivam todas as pessoas. Se puder cuidar dessas necessidades bésicas, vocé estaré aumen- tando a probabilidade tanto de chegar a um acordo quanto, caso 0 acor- do seja obtido, de fazer com que o outro lado o respeite. As necessida- des humanas basicas incluem: © seguranca © bemestar econdmico ‘© um sentimento de pertenga @ reconhecimento 44 ® controle sobre a propria vida Por mais fundamentais que sejam, as necessidades humanas basicas s4o faceis de ignorar. Em muitas negociagdes, tendemos a pensar que 0 nico interesse envolvido € 0 dinheiro. Nao obstante, mesmo numa ne- gociagdo sobre uma cifra monetéria, tal como o valor da pensdo a ser estipulado num acordo de separagiio, hd muito mais coisas envolvidas. Que pretende realmente uma esposa ao solicitar uma pensio de 500 d6- Jares por semana? Cerlamente, ela estd interessada em seu bem-estar econdmico, mas 0 que mais? Possivelmente, ela quer o dinheiro para sentir-se psicologicamente segura. Talvez também o queira por uma questo de reconhecimento, para sentir-se tratada com justiga e como um igual. £ possivel que © marido mal possa pagar 500 délares por se- mana ¢ talvez sua mulher ndo precise disso tudo, mas é provavel que eta 86 aceite menos se suas necessidades de seguranca ¢ reconhecimento fo- rem atendidas de outras maneiras. O que se aplica aos individuos aplica-se igualmente aos grupos ¢ na- Ges. As negociacdes ndo tendem a progredir muito enquanto um dos lados acha que a satisfag&io de suas necessidades humanas bsicas estd sendo ameagada pelo outro, Nas negociagdes entre os Estados Unidos e © México, os EUA queriam um prego baixo pelo gds natural mexica- no. Presumindo que se tratasse de uma negociacdo acerca de dinheiro, © Ministro da Energia dos EUA recusou-se a aprovar um aumento de prego negociado com os mexicans por um consércio norte-americano de petréleo, Visto que 0s mexicanos ndo tinham nenhum outro compra- dor potencial na época, cle supds que eles reduziriam 0 prego que esta- vam cotando. Entretanto, os mexicanos tinham um intenso interesse ndo apenas em conseguir um bom prego por seu g4s, mas também em serem tratados com respeito e com um senso de igualdade. A ado dos BUA afigurouse como mais uma tentativa de oprimir 0 México, ¢ produziu uma imensa ira. Em vez de vender seu gés, 0 governo mexica- no comegou a queiméJo, e qualquer possibilidade de acordo quanto a um prego baixo tornou-se politicamente invidvel. Para citar outro exemplo, nas negociagdes sobre o futuro da Srlanda do Norte, os Iideres protestantes tendem a ignorar a necessidade de per- tenga € reconhecimento dos catélicos, bem como a necessidade de eles serem aceitos e tratados como iguais. Por sua vez, os lideres catélicos freqientemente parecem dar muito pouca énfase a necessidade dos pro- testantes de se sentirem seguros. Tratar os temores dos protestantes co- mo um “problema deles”, e ndo como um interesse legitimo que requer aten¢&o, toma ainda mais diffcil negociar uma solug&o. 45

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