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O LeEGaDo po RENASCIMENTO? Fernando Antonio Baptista Pereira (© que «reste» do Renascimento? O que o torna tio desejavel, tio apetecivel, to sedutor ¢ tio fascinante aos nossos olhos, pelo menos desde que, hé cerca de século € meio, o historiador sufgo Jacob Burckhardt o «reinventou», numa visio culturalista, ‘como 0 perfeito exemplo de uma «civilizagio total ¢ integradoray dominada por ideais estéticos, reabilitando-o ao olhar de uma Europa entao dependente identita- riamente do passado medieval dos seus estados nacionais? Naturalmente que a resposta mais imediata que tem sido dada nos remete para aquela espécie de inventétio «muscolgico» caracteristico das sitwagdes post mortem, que nio 56 enumera ¢ exalta as srealizagbes, materializadas nalgumas das grandes obras do espirito humano na sua vertente mais universal, da utopia religiosa ¢ poli tica as artes ¢ as letras, como sobretudo se compraz na identificagao dos seus autores, em que se inclucm os «génios» biografados desde Giorgio Vasari, tarefa que a critica do sécuilo XX foi realizando ao rastrear as origens da idcia de Modemnidade e as etapas da sua atormentada constru Contudo, outras respostas foram sendo avangadas nas tiltimas trés décadas. Uma delas, ainda que exemplificativa de uma visto tipicamente vanguardista da Histéria, escrita segundo © ponto de vista sesclarecido» dos evencedores», tem 0 mérito de equacionar o perfodo hist6rico face as suas proprias referéncias e as transformagdes que desencadcou. Trata-se da caracterizacio levada a cabo por Jean Delumeau do longo periodo que designou como ucivilizagio do Renascimento (1300-1600)» ¢ que teré constituido a era da «promagdo da Europay, que, antes de 1300, estaria aquém das realizagies do Mundo Antigo e, depois de 1600, 20 té-las reintegrado, jf as havia tultrapassado, A admiracio historiogrifica pelo Renascimento teria, de algum modo, ha sua raiz, uma imensa e insuperivel nostalgia de um passado de vanguarda impe- rialista por parte das culturas eurocéntricas. Aliss, as chamadas anetiforas belicas» nio foram exclusivas da historiografia, ao longo do século XX, mas apandgio de todas as vanguardas artisticas que foram repetindo os rituais das «pturas findacionais» com que 0 Renascimento se afirmara.... Aligs, como veremos, nesse «intagindrio da muptura Jimdacionaly reside seguramente um dos elementos de identificagio mais fortes de todo o século XX com o Renascimento! Mais recentemente (2001), Claude-Gilbere Dubois tentou dar uma resposta 0, menos historicista ¢ mais semioldgica Aquela nossa primeira pergunta, centrando-se embora num «Renascimento» ligeiramente mais tardio do que 0 italiano, 0 que se desenrola em Franga ao longo de Quinhentos, e nao hesitou em afirmar que 0 que «testa» desse tio brilhante perfodo da Hist6ria Europeia, mais do que «bens mate- jo atitudess. E, em primeiro lugar, salientow uma riais, intelectuais ou espiritua espécie de «refindagio» da ordem do mundo centrada no individuo, ow seja, um a exaltagdo de um imagindrio da eterna ova a alvorada de uma utopia dos dias umanismo. Em segundo lugar, reconhec Primavera, em que wo Prine{pio Esperanga felizes». Por tiltimo, um outro ponto de vista, de algum modo integrador dos dois ante~ riores, parte de uma observagio clarividente que um outro historiador das mentali- 26 + Este texto fotnos socitado, ‘em 2002, por Joan Sureda, tistoriadorcataao, para constitu 0 «clone de um volume de sua autoria eticado ao Renascimento, no ambito de uma Histéria da Arte, editada entretanto er Espanha pea Akal, em que todos os volumes possuem textos fnais & maneira de «ctlofon, escitos por iersos outros histriadores europeus, sempre diferentes dos responsaves pelos

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